A VIDA PODE SER SÓ TRABALHAR E ESTUDAR?

Das escolas do guerreiro da vida: “O que não me mata me torna mais forte” (Crepúsculo dos Ídolos, Friedrich Nietzsche).
 

Um médico e um alto funcionário público discutiam sobre a ideia de que a vida deve ser mais do que apenas estudar e trabalhar. Talvez eles estejam certos, mas a vida também pode, muito bem, ser só estudar e trabalhar.

 

Como diz Nietzsche:

“Minha doutrina ensina: Vive de tal maneira que devas desejar reviver. É o dever. Aquele cujo esforço é a alegria suprema, que se esforce. Aquele que ama, antes de tudo, o repouso, que repouse. Aquele que ama, antes de tudo, obedecer e seguir, que obedeça. Mas que saiba bem aonde vai a sua preferência. E que não recue ante nenhum meio. É a eternidade da vida que está em jogo. Essa doutrina é amável para aqueles que não acreditam nela. Ela não possui nem inferno, nem ameaças. Aquele que não acredita sentirá, em si, apenas uma vida fugaz”.

 

Se o seu desejo é trabalhar e estudar, então faça isso. Atualmente, as coisas que mais gosto de fazer são justamente trabalhar e estudar, embora, por causa do trabalho, eu tenha menos tempo para os estudos.

 

Espinosa, o filósofo dos afetos, diz que sentimos alegria quando nossa potência de agir (energia vital) aumenta. O prazer se enquadra nessa categoria de afeto, pois reflete a expansão da nossa potência. Entretanto, ele alerta para os prazeres passageiros, que, embora agradáveis no momento, podem levar à diminuição dessa potência a longo prazo. Exemplos disso são o prazer da embriaguez, da gula e do uso abusivo de substâncias ilícitas.

 

Segundo Espinosa, esses prazeres estão relacionados ao afeto de excitação, que ocorre quando um órgão do corpo entra em um estado exagerado de conatus (a tendência de perseverar no ser). Esse excesso de conatus exige toda a potência de agir do corpo, direcionando-a para um único órgão, que entra em excitação. Por exemplo: o paladar na gula ou os órgãos genitais na excitação sexual. Para ele, esse tipo de prazer localizado em apenas uma parte do corpo é nocivo, porque não contribui para o equilíbrio do ser.

 

Espinosa defende que devemos buscar a excitação do corpo inteiro, que gera verdadeira alegria e prazer, alinhada com a razão. Espinosa chamava esse afeto de “contentamento”. O verdadeiro prazer, para ele, está em compreender o que realmente contribui para o bem-estar e a liberdade humana. Esse bem-estar pode ser alcançado pelo aprendizado, que Espinosa associa à união com Deus (ou Substância) por meio do conhecimento intuitivo. Esse conhecimento representa a forma mais elevada de compreender a realidade e viver em harmonia com ela.

 

Portanto, estudar é essencial para o aumento da nossa potência de agir e, segundo Espinosa, para alcançar a verdadeira felicidade. O trabalho, por sua vez, quando é fonte de prazer e contribui para nossa potência, também é uma forma de alegria.

 

Por isso, discordo dos meus amigos doutores. A vida pode, sim, ser “apenas” trabalhar e estudar, desde que essas atividades proporcionem alegria e ampliem nossa potência de agir. Claro, tenho meus momentos de excitação e prazeres efêmeros, mas meu corpo é conatus: persiste no seu próprio ser, faz de tudo para sobreviver e aumentar sua potência.

 

“O que não me mata me torna mais forte”. E o segredo, acredito, está no equilíbrio e na razão espinosiana: compreender que a verdadeira felicidade está alhures, na excitação do corpo inteiro por meio da via intelectual e do conhecimento de Deus.

 

Para Espinosa, Deus é imanente: é o todo, a relação de forças no mundo e nosso afeto em relação a elas. Essas forças ora fazem nossa energia aumentar (gerando alegria e prazer), ora diminuir (provocando tristeza e dor).

 

É preciso vigiar-se e aprender quais afecções nos fazem bem ou mal, e em que medida. E isso, para mim, é o que significa aprender a viver.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 11/12/2024
Reeditado em 15/12/2024
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