A NECESSIDADE DA “ARTE” SUBVERSIVA
“O horror, O Horror…” - Joseph Conrad - Coração das Trevas
Uma vez, tentei ler o livro considerado o mais moderado do Marquês de Sade, autor sobre quem ouvi uma palestra de Luís Felipe Pondé e Márcia Tiburi, o que despertou meu interesse. O livro era A Filosofia na Alcova. Não consegui ler nem 20 páginas, de tão abjeto que achei o conteúdo. E esse é o mais moderado! O que dizer, então, do mais polêmico Os 120 Dias de Sodoma, que ele teria escrito durante sua prisão na Bastilha, em rolos de papel higiênico? Essa obra foi adaptada por Pasolini no filme Salò, igualmente polêmico, sobre o qual pretendo falar a seguir, apesar de, obviamente, nunca tê-lo assistido.
Se esse tipo de conteúdo subversivo pode ser considerado arte, é uma grande discussão. Já abordei Nietzsche, que dizia que a arte pode conter tanto elementos apolíneos quanto dionisíacos. No entanto, o que ele chamava de “grande estilo” — o ideal grego — seria justamente a junção perfeita desses dois elementos em uma só obra. Então, será que podemos considerar o mictório de Duchamp uma obra de arte? Ou os livros do Marquês de Sade?
É sabido que, a princípio, Sade era visto apenas como um louco. Com o passar dos anos, porém, ele ganhou relevância artística, intelectual e até filosófica, mesmo abordando temas perversos. O termo “sadismo” tornou-se sinônimo de maldade. Gosto da visão de Roger Scruton, um claro conservador, expressa no livro O Que é a Beleza, onde ele nega que esse tipo de arte “suja” possa ser considerada arte. Embora eu não me considere conservador, compreendo e até sou adepto do seu ponto de vista. Por isso, coloquei no título a expressão “arte subversiva” entre aspas.
Quero abordar, agora, a arte subversiva no cinema, um campo em que tenho um pouco mais de domínio. Já assisti a vários filmes considerados subversivos, mas meu estômago e gosto pessoal impõem limites. Por exemplo, consegui assistir a Irreversível, de Gaspar Noé, com muita dificuldade, mas não consegui ver o seu curta Carne. Vi Ninfomaníaca, de Lars von Trier — considero-o um dos diretores contemporâneos mais geniais —, mas não tive coragem de assistir a Anticristo. Já assisti a Felicidade, de Todd Solondz, e Vida Sem Destino, de Harmony Korine. Embora não tenham violência gráfica, ambos trazem cenas muito fortes e impactantes. Lembro-me, em especial, de um garoto comendo macarrão em uma banheira imunda enquanto sua mãe lhe oferece chocolate, ou de uma mulher com problemas mentais depilando as sobrancelhas.
Há filmes ainda mais subversivos. Acredito que seja quase unanimidade apontar A Serbian Film entre eles. Nele, um ator pornô é drogado com uma substância que o deixa sexualmente excitado e acaba cometendo e sendo submetido a atrocidades, incluindo necrofilia, estupro, morte por asfixia em um ato sexual, e abuso de menores. Nunca vi, mas precisei pesquisar sobre ele para escrever este texto. Outro exemplo é Pink Flamingos, de John Waters, no qual Divine, que é uma Drag Queen acima do peso, e sua família buscam ser considerados as pessoas mais abomináveis do mundo. Isso inclui cenas de coprofilia, sexo explícito de sexo oral da Divine no ator que interpreta seu próprio filho, atos grotescos como comer uma galinha crua, e muito consumo de drogas. Embora tenha ganhado status cult, não tive estômago nem vontade de assistir. Vi algumas cenas, que achei um pouco tosco e cômico ao mesmo tempo.
Também existe Holocausto Canibal, que é considerado um “shocumentary” e tornou-se símbolo do chamado “mundo cão”. E há Salò, de Pasolini, que aborda jovens sendo submetidos a torturas físicas e sexuais repugnantes, incluindo coprofilia, sadomasoquismo e outras perversidades, físicas e morais. Dizem que há elementos filosóficos em meio a toda essa escrotice. Vai saber.
Outro exemplo é o já mencionado Anticristo, de Lars von Trier, que contém cenas de sexo explícito e mutilação sexual. Em El Topo, de Jodorowsky, um garoto nu anda montando num cavalo ao lado de um cavaleiro.
Eu mesmo, desavisado, já presenciei cenas fortes no cinema, todas dirigidas por Michael Haneke, como um homem cortando o próprio pescoço em O Cache e uma mulher se masturbando com vidro em A Professora de Piano.
Toda essa perversidade me remete à pergunta inicial: isso é arte?
Honestamente, não é o tipo de arte que aprecio, mas acredito que ela seja necessária. Acho ótimo que haja gente doida disposta a criar essas obras, pois refletem aspectos sombrios do mundo — coisas ruins e a maldade inerente ao ser humano. Por exemplo, considero Irreversível, que também é um dos filmes mais polêmicos da história, filosoficamente brilhante e tecnicamente impecável, apesar de ser extremamente difícil de assistir.
Tenho uma natureza sensível. Até fotos internas de câncer, que às vezes preciso tirar cópias no trabalho, me deixam desconfortável. Mas, honestamente, se eu fosse menos sensível, assistiria a esses filmes com curiosidade e sem julgamentos morais. Desde Nietzsche, o conceito de bem e mal tornou-se relativo, e isso também se aplica à arte. Para o filósofo, o grande propósito da vida é criar algo novo, algo que reflita o “sentido da terra” e as idiossincrasias de cada indivíduo. E essa arte subversiva, sendo ou não considerada arte, atende a essa necessidade de expressar o caos do mundo.
Mas há quem aprecie esse tipo de cinema mais subversivo. Todos os filmes citados ganharam status cult. Meu amigo J. mesmo assistiu a A Serbian Film e disse que é “legal”. O André Barciski, crítico de cinema e cultura que respeito bastante, entrevistou John Waters para seu livro Encontro com Criaturas Notáveis e admira muito o trabalho dele.
Gosto é gosto. De todo modo, eu prefiro ver E o Vento Levou, de boa, e ler Júlio Verne mesmo.