À Margem da História

Em cada rua de paralelepípedos e sob cada telhado antigo, há histórias que permanecem silenciadas, enterradas sob camadas de uma narrativa oficial que insiste em omitir os protagonistas que não pertencem ao molde do herói convencional. Fala-se muito dos imigrantes, das suas mãos que ergueram fábricas e lavouras, que construíram o país de uma forma inegável, mas, em cada esquina esquecida, há uma ausência que não se fala: a dos negros e dos indígenas que, ainda hoje, permanecem à margem da história.

Somos frequentemente alimentados com relatos sobre os que chegaram de longe, que cruzaram oceanos e desertos, com promessas de uma terra de oportunidades. Eles, por sua coragem, por sua luta, merecem ser celebrados. Mas, enquanto os imigrantes chegam e se integram, a presença dos negros e indígenas – que sempre estiveram aqui – segue como uma sombra no canto da sala. São eles que enfrentaram, não a travessia de mares, mas o peso da escravidão e do extermínio, a morte física e a morte simbólica. E por mais que a narrativa oficial tenha sido moldada em torno da força dos que vieram de fora, os que estavam aqui, os que foram subjugados e marginalizados, parecem ser os últimos a serem reconhecidos.

É uma história contada a partir de quem escreve, e quem escreve, muitas vezes, não vê, não sente e, principalmente, não compreende a dor de quem foi despojado de sua identidade e dignidade. Falam dos imigrantes que deram sua força ao país, mas esquecem que o negro e o indígena deram suas vidas, suas culturas e suas terras, e que até hoje, essa contribuição não é devidamente reconhecida.

Quantos negros não foram apagados das páginas da história? Quantos indígenas não foram reduzidos à figura estereotipada que existe, ainda, em muitos corações e mentes? E, em pleno século XXI, quantos deles continuam a ser tratados como se não existissem, como se não tivessem legado, como se não fossem, de fato, parte indiscutível da construção dessa nação? É uma sombra que se projeta nas avenidas largas das cidades, na brisa que ainda sopra pelas aldeias esquecidas, nos olhares desconfiados e nas vozes abafadas.

A história não é feita apenas de batalhas vencidas ou de impérios que se erguem; ela também é feita de resistências diárias, de olhares furtivos, de palavras caladas e de corpos que permanecem à margem do que se considera a “grande narrativa”. Mas as margens não são invisíveis, por mais que tentem ocultá-las. Nas ruas, nas praças, nas escolas e nos campos de futebol, o negro e o indígena estão presentes, e não é mais possível continuar ignorando sua história, que não é apenas de dor, mas também de luta, de sabedoria e de beleza.

É preciso que a história da imigração seja contada, é claro. Mas é igualmente necessário que se dê voz àqueles que, mesmo no silêncio imposto, continuam a falar. Porque, ao reconhecer os imigrantes, não podemos esquecer os que, por séculos, construíram e ainda constroem, muitas vezes sem saber, as fundações deste país. Não podemos continuar a excluir aqueles cujas histórias se entrelaçam nas raízes mais profundas do Brasil, de uma forma que a memória oficial tenta fazer com que o povo esqueça.

E enquanto a história continuar sendo escrita sem a presença de todos, será uma história incompleta. Porque, ao final, não são os imigrantes, os negros ou os indígenas que estão à margem, mas sim a própria história, que ainda não consegue abarcar sua totalidade. E é por isso que, um dia, a verdade se fará, mesmo que demore, e o Brasil, enfim, poderá olhar para si mesmo com um olhar que inclui todos os seus filhos.

Estêvão Zizzi
Enviado por Estêvão Zizzi em 17/11/2024
Código do texto: T8198739
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