Richard Rorty e o Debate Sobre a Questão da Verdade.

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Richard Rorty e o Debate Sobre a Questão da Verdade

Publicado em 14 de dezembro de 2013 em Filosofia

RICHARD RORTY

Filósofo neopragmatista norte-americano

Filósofo neopragmatista norte-americano

O filósofo norte-americano Richard Rorty (1931-2007), ao radicalizar o pensamento dos autores clássicos da corrente do pragmatismo, especialmente William James e John Dewey, e incorporando os trabalhos de Willard v. Orman Quine e Donald Davidson, faz uma tentativa de ultrapassar, deixar para trás, a influência da metafísica no tratamento da questão da verdade no âmbito da Filosofia.

Em sua aproximação cada vez maior entre verdade e justificação (ou verdadeiro e justificado), Richard Rorty desenvolve um projeto de abordagem da questão que leve em consideração o novo horizonte cultural proporcionado por pensadores como James, Dewey, Thomas Khun, Quine e Davidson, no âmbito da filosofia anglo-americana[i], e autores como Nietzsche, Heidegger, Derrida e Foucault, no âmbito da chamada filosofia continental.

Richard Rorty sustenta que o debate em torno da questão da verdade em Filosofia deveria ser abandonado, em troca de discussões sobre outros temas mais relevantes para o melhoria da condição humana, tais como liberdade, democracia, ética etc.

Ao propor a superação do debate em torno da verdade, tema dos mais caros à tradição ocidental, e fonte de investigação que se confunde com a própria história da filosofia, Rorty desafia séculos de pensamento e, assim, é de se esperar que este seja o aspecto mais controverso de sua filosofia, o ponto mais sujeito a ataques de seus críticos.

O debate de Richard Rorty em torno da verdade dá-se com vários interlocutores contemporâneos. Apenas para mencionar alguns se poderia referir Charles Taylor, Susan Haack, Hilary Putnam, John Searle, Donald Davidson e Jürgen Habermas. Não resta dúvidas de que são interlocutores de peso, isto é, pensadores de grande capacidade argumentativa, o que demonstra, por si só, a relevância dos trabalhos de Rorty sobre o assunto na atual cena filosófica.

PRINCIPAIS TEORIAS DA VERDADE

De um modo geral, o debate sobre o tema da verdade em Filosofia tem em Aristóteles a principal referência original, seja por influência direta, por afinidade ou por influência no desenvolvimento.

As principais teorias da verdade são: a teoria correspondentista, a teoria coerentista, a teoria pragmática, a teoria semântica e a teoria da redundância.

A teoria da correspondência afirma que uma sentença, proposição, frase ou pensamento será verdadeira se corresponder de fato a algo que existe no mundo e que descreve. Bertrand Russel e o primeiro Wittgenstein (Wittgenstein I, no chamado período de atomismo lógico) podem ser localizados como partidários desta noção de verdade,

Já a teoria da coerência sustenta que uma frase, sentença ou proposição podem ser considerados verdadeiros se mostrarem relação com outros elementos similares, formando uma espécie de rede de argumentos coerentes entre si. Para esta teoria, uma proposição é verdadeira se e somente se ela faz parte de um conjunto coerente em seu todo.

As teorias da correspondência e da coerência são consideradas teorias tradicionais da verdade.

A teoria pragmática da verdade tem sua construção nos autores clássicos do pragmatismo norte-americano: Charles S. Peirce, William James e John Dewey.

As principais teses da teoria pragmática da verdade são:

A verdade é:

a) o fim da investigação;

b) correspondência com a realidade;

c) crença (estável) satisfatória;

d) coerência com a experiência – verificabilidade;

e) o que autoriza a crença a ser denominada conhecimento.

A analista Susan Haack defende a posição de que a teoria pragmática da verdade combina elementos das teorias correspondentista e coerentista. Aqui surge um importante ponto de divergência entre Susan Haack e Richard Rorty. Para Rorty, que faz uma interpretação diferente da tradicional da trajetória do pragmatismo, não há em Peirce, James e principalmente em Dewey a combinação de elementos das teorias tradicionais da verdade. O que há sim é a ultrapassagem desta discussão.

Rorty entende que os pragmatistas clássicos preferiram não tomar partido no debate entre as teorias tradicionais da verdade, sob a alegação de que esta discussão era fortemente influenciada pela metafísica.

Ao contrário do entendimento de Haack, para Rorty, os pragmatistas clásssicos não chegaram a elaborar uma teoria da verdade, mas estabeleceram um debate terapêutico, ou não não-fundacionista, sobre a verdade.

Segundo Rorty, os pragmatistas clássicos atribuíram um caráter valorativo para a palavra verdade. Como a palavra verdade expressa, antes de qualquer outra coisa, um valor, ela deve ser considerada em termos de graus de valoração. Para os pragmatistas clássicos, na leitura levada adiante por Rorty, em geral as pessoas utilizam a palavra verdade como sinônimo de útil.

Neste sentido a expressão verdade é utilizada para permitir mais facilmente o entendimento ou o acordo entre pessoas que compartilham de crenças e experiências distintas.

A próxima teoria da verdade é a teoria semântica. A teoria semântica da verdade, cuja formulação principal é estabelecida por A. Tarski, é atualmente a mais influente e amplamente aceita.

Ela divide-se em duas partes: primeiramente são estabelecidas as condições de adequação, que são aquelas condições a que qualquer definição que tenha a pretensão de verdade deve preencher. Em seguida, Tarski oferece uma definição de verdade, que destina-se a uma linguagem formal previamente especificada, e que deve estar adequada aos próprios padrões que ela estabelece.

Tarski então desenvolve, como condição de adequabilidade que qualquer definição aceitável de verdade deva possuir, o esquema da sentença-T. Como mostra Haack:

“(T) S é verdadeira sse[ii] p

onde ‘p’ pode ser substituído por qualquer sentença da linguagem para qual a verdade está sendo definida e ‘S’ deve ser substituído pelo nome da sentença que substitui ‘p’. Uma instância de (T) seria, por exemplo:

‘A neve é branca’ é verdadeira sse a neve é branca

onde a sentença, do lado direito, é referida por seu ‘nome entre aspas’, do lado esquerdo”.

A teoria semântica da verdade é importante aqui também porque a ela adere o filósofo norte-americano Donald Davidson, atualmente o principal interlocutor de Rorty no debate sobre a questão da verdade.

Já a teoria da redundância foi sugerida por Frege já em 1918, mas foi levada adiante e consolidada por Frank P. Ramsey. Para Ramsey, o problema da verdade é central na filosofia e faz-se necessário esclarecer uma confusão lingüística existente em torno do assunto.

Na visão de Ramsey, os predicados “verdadeiro” e “falso” são redundantes e devem poder ser eliminados de qualquer contexto argumentativo sem que haja aí uma perda semântica. Para exemplificar, Ramsey argumenta que em uma sentença como “é verdadeiro que p” deve significar o mesmo que “p”, ao passo que a sentença “é falso que p” significa o mesmo que “não p”.

Na visão de alguns analistas das Teorias da verdade, como Susan Haack, a teoria da redundância apresenta algumas vantagens, mas também apresenta importantes dificuldades que colocam em xeque sua exeqüibilidade, como por exemplo a adequada explicitação dos quantificadores de segunda ordem de que ela depende. Haack sustenta que a expectativa de Ramsey de eliminação do falar sobre verdade ainda não está justificada, permanecendo em aberto a discussão.

Expostas as principais teorias da verdade, deve-se agora analisar o posicionamento de Richard Rorty sobre o tema, enfocando em seguida o motivo de ser este o ponto de maior controvérsia no desenvolvimento teórico de sua filosofia.

RICHARD RORTY E A QUESTÃO DA VERDADE

Antes de se ingressar diretamente na análise da posição de Rorty sobre o tema, é importante registrar que Richard Rorty se vê como um continuador da tradição pragmatista clássica. Ele mesmo se assume não como um neopragmatista, mas simplesmente como um pragmatista, certamente para acentuar que não há um rompimento ou uma descontinuidade em sua teoria para com as construções de Peirce, James e Dewey.

Ao contrário, Rorty utiliza elementos de Peirce, Quine e Davidson para construir seu modelo non-reductive physicalim – naturalista não-reducionista – de explicação da relação do homem com o mundo, visando romper com o dualismo do esquema sujeito-objeto.

Como já foi dito, na interpretação que Rorty faz do pragmatismo, ou dos autores clássicos do pragmatismo, o debate sobre a questão da verdade foi ultrapassado, isto é, pensadores como Peirce, James e Dewey entenderam que o tema estava carregado de metafísica e, ao invés de ingressar em um dos lados do debate, deixaram-no de lado, por considerá-lo improdutivo

Mas então surge o questionamento: porque Rorty, que se vê como um continuar da tradição do pragmatismo, que interpreta o pragmatismo de Peirce, James e Dewey como tendo uma linha de continuidade no trabalho analítico de Quine e Davidson, e que assevera que os autores do pragmatismo não buscaram construir uma teoria da verdade, insiste em discutir o tema verdade?

A resposta a esta questão certamente passa por aquilo que já foi argumentado anteriormente: a estreita ligação entre a filosofia e a busca de superação das aparências ou ilusões, isto é, a procura pela realidade e pela verdade do mundo e das coisas.

Ernildo Stein,em sua leitura de Heidegger, já demonstrou que “(…) a metafísica ocidental nasce sob o signo da luz” e que “(…) a afirmação de que todo ser é verdadeiro aponta para uma transparência” (2001, p. 21). Na tradição ocidental, esta iluminação ora foi da physis, ora do logos, ora de Deus, ora da razão iluminada e iluminadora, ora da análise lógica da linguagem.

A partir das palavras de Stein, pode-se inferir que não apenas a metafísica, mas toda a filosofia ocidental aponta para a luz, para a iluminação, para o esclarecimento, para a verdade. A procura insaciável para explicar definitivamente como-o-mundo-realmente-é e como-realmente-funcionam-todas-as-coisas-universo.

Ora, quando um pensador como Nietzsche pergunta “porque sempre a verdade?”, ou um pensador contemporâneo como Rorty diz que o debate sobre a verdade deve ser substituído pela discussão de questões como liberdade, democracia, realização, certamente serão eles alvos de muitos ataques. Afinal, abandonar a discussão sobre a verdade soa, para muitos, mais ou menos como abandonar a filosofia.

Assim, a cada tentativa de Rorty de desviar o foco da filosofia para outras questões que não o debate sobre a verdade, surgem tentativas opostas visando manter vivo o debate sobre o tema. E note-se que os interlocutores de Rorty nesta área são relevantes, como já foi dito acima (Susan Haack, Charles Taylor, Hilary Putnam, John Searle, Jürgen Habermas e Donald Davidson, entre outros) e, portanto, seus argumentos merecem resposta.

Em decorrência disto, certamente, o repetido esforço de Rorty de tratar do assunto. Mas afinal, qual a posição de Richard Rorty sobre a questão da verdade? É o que será visto a seguir.

Rorty entende que as teorias da verdade devam ser desinflacionadas, isto é, a verdade não deve ser tomada como possuindo uma propriedade real, como possuindo uma substância cognitiva, como sendo revestida de uma essência ou um fundamento metafísico. A verdade, no âmbito de uma abordagem deflacionista, adquire apenas a característica de permitir um mínimo de acordo entre dois falantes.

A verdade seria, neste contexto, tão somente um elemento sobre o qual dois falantes poderiam observar uma dada situação e comunicaram-se entre si tomando bases comuns como ponto de integração, permitindo e facilitando assim o processo de comunicação entre eles.

É assim que Rorty entende o tratamento da questão da verdade dado pelos pragmatistas clássicos e é assim que ele pretende continuar vendo a questão.

Entretanto, deve-se observar que Rorty é um filósofo não-fundacionista, ou seja, não pretende edificar sistemas filosóficos ou teorias globalizantes e universalistas.

O trabalho de Rorty, como ele mesmo afirma é mais terapêutico do que edificador. Assim, não é que esteja tentando construir uma teoria da verdade ou defender uma teoria deflacionista da verdade. Rorty está apenas tentando desinflacionar, desinflar, “dessubstanciar” o conceito de verdade, desviando o foco de discussão para outro ponto.

Rorty, portanto, pelo mesmo motivo de que ele discorda de Susan Haack quanto à existência de uma teoria pragmática da verdade, não deve estar enquadrado dentro de uma teoria deflacionista da verdade, porque para ele não deve, ou não é necessário, elaborar-se uma teoria da verdade.

Para Rorty, três são os usos possíveis do termo verdadeiro:

a) um uso de endosso;

b) um uso acautelado;

c) um uso descitascional ou não-citacional (disquotatational).

O uso do termo verdadeiro como endosso dá-se quando são feitas afirmações do tipo “correto”, “certo”, “é isto mesmo”, e, portanto, “é verdade”. Já o uso descitacional, ou não-citacional, é utilizado para afirmações metalingüísticas do tipo “S é verdadeiro se…”.

Por sua vez o uso acautelado está incorporado em afirmações como “sua crença em S está perfeitamente justificada, mas talvez não venha a ser verdadeira”. Diz Rorty (1999[a], p. 128; 2002, p. 175):

“O uso acautelado deste termo foi negligenciado por James, tanto quanto o foi o uso não-citacional. A negligência frente ao primeiro uso o levou à associação do pragmatismo com o relativismo. A malfadada associação do último (por Tarski) com a noção de ‘correspondência’ levou as pessoas a pensar que elas precisavam compreender melhor essa noção do que o tinha feito James.

Davidson, segundo meu ponto de vista, nos deu uma avaliação da verdade que tem um lugar para cada um desses usos, conquanto absteve-se da idéia de que a conveniência de uma crença pode ser explicada por sua verdade”.

O tema verdade é um dos pontos onde a filosofia de Richard Rorty pode ser entendida como revolucionária. Exatamente em decorrência disto, é também um dos aspectos mais polêmicos de sua obra.

A polêmica está em torno de uma inevitável conclusão a que se chega a partir dos escritos de Rorty, principalmente os mais recentes, isto é, a idéia de que a noção de verdade pode ser equiparada à noção de justificação.

Levando-se a filosofia de Richard Rorty ao extremo, pode-se argumentar que verdadeiro é equivalente a justificado.

Antes, no entanto, de prosseguir na discussão dos elementos da filosofia rortyana que permitem chegar a esta conclusão, deve-se dizer porque seu articulador ganha com esta construção, ao mesmo tempo, notoriedade e aversão.

A sugestão de Rorty coloca-o em posição de ser acusado de relativismo e, em filosofia, ser acusado de relativismo é algo semelhante a ser acusado de praticante da usura na Idade Média, de ateísmo ou de heresia no período inquisitório do Catolicismo, de simpatizante do comunismo nos Estados Unidos da América do macarthismo, ou talvez até de portador de hanseníase na antiguidade romana.

Em filosofia, a acusação de relativismo traz efeitos danosos para a reputação de um pensador, exatamente em razão da importância e da centralidade do conceito de verdade, sobre o que o filósofo tradicional não admite abrir mão.

Em um de seus melhores momentos, em um texto preparado para o debate com Jürgen Habermas ocorrido em maio de 1995, em Varsóvia, no Instituto de Filosofia e Sociologia da Academia Polonesa de Ciências, intitulado Relativismo: descobrir e inventar, Richard Rorty, ao analisar a postura pragmática frente ao relativismo, afirma de forma bastante esclarecedora:

“Los pragmatistas esperan romper la imagen que, en palabras de Wittgenstein, ‘nos mantiene cautivos’, a saber la noción cartesiano-lockeana de una mente que procura entrar em contacto con una realidad exterior a ella.

Para ello comienzan con una explicación darwiniana de los seres humanos en tanto animales que hacen todo lo que pueden para manipular el medio, que hacen todo lo que pueden para desarrollar instrumentos capaces de aumentar el placer y disminuir el dolor. Las palabras se encuentran entre las herramientas que estos animales sagaces han desarrollado”.

“No hay manera de que las herramientas puedan sacarle a uno del contacto con la realidad. Sea la herramienta un martillo, un revólver, una creencia o un enunciado, el uso de herramientas forma parte de la interacción del organismo con su medio.

Ver el empleo de palabras como el uso de herramientas para manipular el medio y no como un intento de representar la naturaleza intrínseca de ese equivale a rechazar la pregunta sobre si la mente humana está en contacto con la realidad, pregunta que formulan los escépticos epistemológicos.

Ningún organismo, ni humano ni no humano, está nunca un mayor o menor contacto con la realidad que ningún otro organismo. La mera idea de ‘estar fuera de contacto con la realidade’ presupone la imagen cartesiana, no darwiniana, de una mente que de alguna manera es ajena a las fuerzas que afectan al cuerpo” (In Niznik y Sanders, 2000, p. 57).

Ora, adotada esta perspectiva darwiniana do comportamento humano e adotadas as proposições do segundo Wittgenstein, mas principalmente após a publicação de A Filosofia e o Espelho da Natureza, de Richard Rorty e dos trabalhos mais recentes de Donald Davidson, não é mais possível deixar de considerar que somente frases, ou sentenças, é que podem ser verdadeiras, e não as coisas em si mesmas.

Também não é mais possível deixar de considerar que palavras não podem ser conectadas diretamente às coisas, mas que palavras somente podem ser conectadas a outras palavras, que inegavelmente definem, a partir das construções culturais dos seres humanos, as coisas.

É inegável que estrelas, planetas, montanhas e rios existem independentemente dos seres humanos. Todavia, as designações estrelas, planetas, montanhas, rios são criações culturais do homem e somente elas podem ser verdadeiras ou falsas.

Não há um ponto de referência externo, uma linguagem não-humana, um lugar fora da criação cultural do homem que possa julgar que um vocabulário, frase ou sentença seja mais verdadeiro do que outro.

Se conceitos são palavras e se somente palavras podem ser ligadas a outras palavras, a idéia de verdadeiro é, numa perspectiva desinflada de verdade, basicamente igual à noção de justificado.

Tome-se por exemplo a sentença matemática “2 + 2 = 4”. Tal sentença é verdadeira ou é perfeitamente justificada? Qual a diferença? Bem, tome-se outra sentença como “todos os homens casados são não-solteiros”. Isto é verdadeiro ou perfeitamente justificado?

E que tal uma sentença como “dois cachorros pretos estão latindo no lado de fora da cerca”. Ela será verdadeira se realmente, e somente se realmente dois cachorros pretos estiverem do lado de fora da cerca latindo? Ou ela será perfeitamente justificada se dois cachorros pretos estiverem latindo do lado de fora da cerca?

Qual a diferença? Verdadeiro e perfeitamente justificado são diferentes em que estágio, em que grau, em que situação epistemológica? Afirmar que a terra era o centro do universo há quinhentos anos atrás era verdadeiro.

Será que afirmar que era perfeitamente justificável que o planeta terra era o centro do universo há quinhentos anos atrás seria diferente mesmo de dizer que era verdadeiro?

Palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários só podem se conectar com palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários! Não podem se conectar diretamente às coisas e, portanto, não podem estar mais próximas da verdadeira verdade do que outras palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários.

A filosofia sempre esteve tentada a buscar comparação, ou auxílio, de outras áreas de conhecimento como a física ou a matemática. Vários pensadores da filosofia buscaram espelhar suas construções teóricas naquilo que entendiam como conhecimento ou conceitos imutáveis, perenes e indiscutíveis oferecidos pela física e pela matemática.

Afirmar que os ventos de um modo geral, no planeta terra, têm sua origem na linha do equador é, sem dúvida, um conhecimento estável. É neste sentido, de uma crença estável, uma verdade. Ventos e o próprio planeta terra existem sem dúvida independentemente do homem.

Mas, como descrever o movimento provocado pelo natural deslocamento de ar sem a expressão “vento”? “Vento”, “ar”, “movimento”, “planeta”, “terra”, são expressões culturais do homem.

E, obviamente, suas relações entre si também o são. Logo, verdadeiro é relativo a uma construção cultural do homem. Por conseguinte e, nesse sentido, verdadeiro e perfeitamente justificado podem ser considerados como designando a mesma coisa.

É o que Rorty, em outro momento de seu debate com Jürgen Habermas na Academia de Ciências Polonesa, está, de forma arrojada e orignal, afirmando:

“Me parece que Habermas tiene razón en que la diferencia entre el intento común a él, Putnam y Peirce – el de idealizar la noción racional de aceptabilidad racional – y mi intento de construir la esperanza social utópica no es en la realidad tan grande”.

“Mi intento consiste en no pensar el contraste entre meramente justificado y lo verdadero como contraste entre lo real y lo ideal, sino simplesmente como contraste entre la justificación para nosotros tal como somos aquí y ahora, y la justificación para una versión superior de nosotros mismos, la versión que esperamos que ejemplifiquem nuestros descendientes” (In Niznik y Sanders, 2000, p. 72).

Para que esta posição de Richard Rorty possa se consolidar, necessário se faz que seja repensada a profunda relação com a metafísica que marca toda a tradição da Filosofia ocidental, além do forte envolvimento com a metafísica que marca o próprio tratamento da questão da verdade, na sua busca por conceitos controladores da infinitude. A preocupação com a infinitude é a marca mais significativa da filosofia e da metafísica em relação ao tema verdade.

A forte ligação entre cultura (aí compreendidas a mitologia, a religião, a arte, e mesmo a filosofia) e metafísica está ancorada em uma característica psicológica do ser humano. Um medo, uma insegurança, uma necessidade psicológica do homem determinou séculos de construção racionalizada de uma idéia metafísica de confiança, estabilidade e infinitude, esteja ela sob a forma de mito, religião, arte ou filosofia, de tal forma que permitisse ao homem aceitar sua condição ou situação no mundo.

A partir deste ponto de vista, portanto, a relação entre, por exemplo, a filosofia platônica, a filosofia medieval, a filosofia cartesiana, a filosofia hegeliana, e a metafísica não é acidental ou casual, mas causal e complementar.

O pensamento metafísico é complementar à filosofia e esta fornece a segurança e infinitude dos conceitos controladores retirados, perdidos, com o enfraquecimento da mitologia ou religião enquanto orientadores do modo de agir e pensar do homem.

Exatamente neste sentido, de busca por conceitos controladores, é que o conceito, a idéia, de verdade torna-se fundamental. E não apenas fundamental do ponto de vista epistemológico, de construção do conhecimento, como sugere Donald Davidson, mas acima de tudo fundamental do ponto de vista psicológico.

A idéia de existência de um conceito forte de verdade oferece um conforto metafísico ao homem. Existem verdades absolutas e universais e, a partir disto, as contingências do processo histórico, da própria existência, são menos ameaçadoras.

Será que este tipo de construção ainda faz sentido em uma filosofia construída no plano de um horizonte pós-metafísico?

A história da filosofia confunde-se com a própria história da análise filosófica da questão da verdade.

A idéia defendida aqui é que somente em uma base de compreensão do caráter de finitude do homem é que se pode construir um pensamento efetivamente pós-metafísico, renovado, onde a obstinada procura pela verdade seja substituída pela luta pela democracia, liberdade, e justiça social.

No âmbito da filosofia, é possível que se estabeleça a forma de abordagem adotada por um autor ou por uma corrente de pensamento a partir do enfoque dado por este autor ou corrente de pensamento sobre o tema verdade. Daí a relevância da análise da questão da verdade.

Em todas as abordagens ou teorias tradicionais da verdade está contida uma idéia metafísica de busca de um porto seguro, um lugar para as certezas inabaláveis, ou uma confiança excessiva na razão iluminadora, algo inconcebível depois de Sigmund Freud e Charles Darwin.

Talvez a filosofia analítica e sua busca semântica e científica insaciável pela verdade seja o coroamento de uma pobre metafísica renovada, exatamente porque sua preocupação maior seja o estabelecimento da verdade.

Richard Rorty, ao preconizar a substituição do debate filosófico em torno de questões como Mente, Verdade, Substância, Natureza Humana, Representação acurada da Realidade, por temas como liberdade, democracia, alteridade e ética, agora em termos não-metafísicos, propõe também que se deixe de lado a preocupação em explicar como somos.

Portanto o que somos e de onde viemos, isto é, a preocupação em olhar para o passado, para centrar a atenção em como podemos ser, ou seja, um olhar para o futuro.Com a filosofia de Rorty é possível argumentar-se que liberdade e democracia são importantes para a uma melhor convivência entre as pessoas não utilizando-se de argumentos metafísicos.

Isto é, não porque o totalitarismo e a falta de liberdade são contrários a uma Natureza Humana, ou à Solidariedade-Humana-mais-Fundamental, ou a uma Lei-Moral-Universal, ou à Razão-Humana, ou à Fraternidade-que-Deve-Existir-entre-os-Homens, mas porque a diversidade é preferível ao totalitarismo como elemento de realização das potencialidades humanas.

A democracia e liberdade são pragmaticamente mais úteis para o ser humano enquanto projeto do que a intolerância e o absolutismo. Veja-se o que diz o próprio Rorty:

“(…) a liberdade humana, tomada não em um sentido metafísico mas no sentido político e concreto de capacidade dos seres humanos de viverem juntos sem se oprimirem uns aos outros, ocupa o lugar da Verdade e da Realidade como nossa finalidade.

A diferença de tomar a Verdade como um objetivo, com Sócrates, e tomar a Liberdade como um objetivo, com os pragmatistas, é a diferença entre apontar para alguma coisa não-humana e apontar para alguma coisa que, se em algum momento vier a existir, será uma criação inteiramente humana.”

O neopragmatismo de Rorty, e sua defesa intransigente de valores como liberdade e democracia, é um caminho de pensamento pós-metafísico. Se este caminho for adotado, talvez não faça ainda sentido discutir a diferença entre verdade e justificação ou entre verdadeiro e bem justificado.

Autor.

Marcelo L. Fraga

Mestre em Filosofia

Publicado pelo site: https://esbocosfilosoficos.com/tag/richard-rorty/

Postado por: Edjar Dias de Vasconcelos Bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção - Arquidiocese de São Paulo Puc, com graduação máxima, nota dez no Exame De Universa Theologia.

Edjar estudou latim, grego, aramaico, alemão, francês e espanhol, com formação também em Filologia, estudou direito canônico e pátrio, formulador como tese em Astrofísica, O Princípio da Incausalidade.

Autor de diversos artigos científicos publicados em sites.

Licenciado em Filosofia, Sociologia e História, formado em Psicologia, com registro pelo Mec, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG, outras Universidades no Brasil.

Edjar Dias de Vasconcelos estudou em: Itapagipe, Campina Verde, Belo Horizonte, Petrópolis, Rio, São Paulo, Nas PUCs como nas Universidades Federais e o Mackenzie, também em outros lugares, estudando sempre política economia e filologia.

Experiência na orientação de estudos em temas diversos. Professor convidado do Instituto Parthenon - Instituto Brasileiro de Filosofia e Educação-www.institutoparthenon.com.br

Edjar Dias de Vasconcelos.

Edjar Dias de Vasconcelos
Enviado por Edjar Dias de Vasconcelos em 27/09/2024
Reeditado em 27/09/2024
Código do texto: T8161361
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