Queda.

Goza no amor

A serpente. Na doçura da queda vai junto o abrolho do prazer. O veneno perpassa o corpo até atingir a alma. Por isso, após a felicidade do pecado sobrevém a prostração do arrependimento. Aquela sensação de morte que começa nos pés e atinge o coração faz a alma exclamar pelo “De Profundis”. A miséria invade cada membro da alma fazendo o coração gemer e confessar que se é todo pecado, já foi gerado no pecado. Que desejo de ter as mãos limpas e o coração puro! Que desejo de poder, mas nem que fosse por um instante, voltar atrás no tempo e saltar aquele momento anterior. “De Profundis, clamavi ad te, Domine!” O veneno da serpente ofusca os olhos, embaça a mente, invade de torpor todo o corpo. Ele inocula a razão através da felicidade do coração. No último banco da igreja se ajoelha, enfia a cabeça entre as mãos, enche os olhos de lágrimas e tenta buscar a Deus. Nada encontra senão um dedo apontando o caminho da porta. A impureza, a vaidade, o orgulho, a ganância são terra jogada sobre o caixão do cadáver. Pasto para os vermes festejarem, estrume para porcos chafurdarem, putrefação para os corvos cheirarem.

Pecado é um corpo conspurcado pelo esperma da luxúria, coração apunhalado pela dor, razão demente tateando perdida. Pecado é o vômito da gula, o arroto da soberba, o escarro da ira. É a mais profunda desolação e abandono. Abandono de si mesmo e de Deus. Tudo se transformou em nada e o nada é tudo o que se pode contar. Por isso, “De Profundis, clamavi ad te, Domine!”

Por que escolher o mal se podia escolher o bem? Por que o mal se tornou um bem? O mal acontece porque o bem é visto como menor em que o mal. O pecado atinge o pecador, mutila-o, corrompe esfrangalhando o corpo e a alma. Será o pecado que dilacera o homem ou sua natureza mutilada que o conduz ao pecado? Pode o homem não pecar. Se pode, por que peca? A questão não é porque é livre, mas por que opta pelo pecado, para a corrupção. O mal e o pecado devem ser melhores que aquilo que se diz bem e virtude. Por isso não se pode não pecar. Poderia, por acaso, subsistir este mundo sem o pecado? A ânsia pelo pecado é sua própria recompensa enquanto sua concretização é o próprio castigo. A dialética não esmorece no castigo, mas na recompensa e por isso se volta a procurar o pecado. Recompensa e castigo complementam-se e tornam o homem. Ele é feliz com o que não tem, mas quer ter. E infeliz com o que consegue, mas não queria tê-lo. O desejo de felicidade leva à corrupção de sua natureza, e a vontade de fugir do mal o degrau para a perfeição.

Selvino
Enviado por Selvino em 14/05/2024
Código do texto: T8062898
Classificação de conteúdo: seguro