Eterno Retorno e Amor Fati: Aceitação do Destino

Um dos pensamentos mais pungentes e até benevolentes de Nietzsche é o conceito de amor fati, que preconiza que a realidade, o mundo real, não é nem bom nem ruim por si só, simplesmente é, sem consciência moral. Portanto, tudo o que acontece em nossa vida é inocente, e por isso mesmo devemos aceitá-la. É uma doutrina leve para com a vida, pois nos convida a aceitar e abraçar tudo o que acontece, inclusive os aspectos mais desafiadores, como uma forma de alcançar a verdadeira liberdade e realização pessoal. Em essência, é uma atitude de total aceitação e comprometimento com a própria existência e com tudo o que ela traz, seja bom ou ruim, porque, afinal de contas, o acaso é inocente e somos apenas nós mesmos os únicos responsáveis pelos nossos próprios infortúnios.


É a consciência de que para você ser quem é hoje, tudo aconteceu da maneira que tinha que acontecer. Portanto, você deve amar essas circunstâncias que o fizeram ser quem é. Algumas coisas podem ter sido tremendamente injustas, outras podem deixá-lo acordado pensando “e se fosse diferente”, mas no fim, todas essas dores ensinam algo. Por essa razão, elas merecem nosso amor, não porque foram boas, mas porque fazem parte de quem somos. Talvez não estejamos felizes com quem somos no presente momento, mas por causa de tudo o que aconteceu, agora sabemos o que precisamos mudar para termos uma vida melhor e sermos mais felizes. (Filosofia é, também, autoajuda)

 

Essa perspectiva positiva em relação à vida se conjuga com a ideia do filósofo do eterno retorno, segundo a qual afirma que todos os instantes existentes no mundo estariam destinados a se repetir eternamente, num ciclo. Aqui, a imagem é da cobra que morde a própria cauda e se repete. Se todo instante que vivemos estaria destinado a se repetir ad infinitum, isso exigiria que nós, como seres viventes, escolhêssemos bem quais instantes de vida gostaríamos de reviver, pois eles se repetiriam para sempre. É, portanto, uma doutrina de avaliação da vida boa. Há uma passagem célebre no livro “A Gaia Ciência” de Nietzsche que diz que se um demônio aparecesse afirmando que toda nossa vida estaria destinada a voltar, nos questionaria se quereríamos isso ou se o amaldiçoaríamos.

 

“O que, se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!’ - Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante tão descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!”

 

Para aqueles que afirmam que a filosofia de Nietzsche é apenas narcisista por desconhecimento, aqui temos um exemplo de uma filosofia afirmativa da vida, mas que para alguns pode ser difícil, porque ela não conta com muletas metafísicas como moralidade, religião ou amor ao próximo. É apenas você consigo mesmo e a sua consciência do que é certo e errado.

Dave Le Dave II
Enviado por Dave Le Dave II em 15/04/2024
Reeditado em 15/04/2024
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