Uma turma frescurenta
Eu não assisti ao filme Barbie e, portanto, não posso ter uma opinião sobre ele, porém tenho prestado atenção ao fato de que pastores e influenciadores digitais cristãos têm criticado o filme, afirmando que ele é contra os princípios cristãos pois ensinaria as mulheres a não serem submissas aos homens. Uma senhora chamada Priscilla Mazzo disse que o filme é diabólico e Sarah Sheeva reclamou que, na história, todos os homens são retratados como idiotas e que o filme ensina a odiar os homens e a maternidade.
Gostaria de fazer uma pergunta a Sarah Sheeva & Cia: nunca viram os Simpsons, Jetsons, Flinstones e a Família Urso(dos mesmos criadores do Pica-pau)? Já leram as tirinhas do Hagar? Nessas histórias, todos os homens são idiotas! Homer Simpson é grosso, idiota, egoísta, péssimo marido e pai. Alguma mulher que viu os Simpsons ou cresceu assistindo a qualquer um desses desenhos citados ficou achando que todos os homens são imbecis e grosseiros? Em a Família Urso, Charlie é um verdadeiro desastre. Ele vive fazendo besteiras e apanhando da esposa, Bessie. Será que este último desenho ensina as mulheres a baterem nos maridos? Então, ninguém deve assistir nem a Chaves porque levaria as mulheres a bater nos homens já que dona Florinda vive dando tabefes em seu Madruga, isso sem contar que Chiquinha é mais esperta que Chaves e Quico(o filho de dona Florinda) juntos. Assim sendo, nenhuma menina deveria nem mesmo ler a turma da Mônica, que não é uma princesinha frágil vestida de rosa e bate nos meninos. Será que alguém ouviu falar de uma menina que tenha ficado violenta lendo a Mônica?
A faixa etária para assistir a Barbie é de doze anos. Doze anos não é mais criança e é de se supor que uma mocinha de doze anos sabe o que é realidade e o que é ficção. Se uma menina que tenha assistido ou venha a assistir ao filme ficar achando que todos os homens são idiotas então algo está errado é não é com o filme. É com a cabeça da menina, que ou tem alguma deficiência, ou viveu todo esse tempo isolada numa torre sem contato com o mundo real. E é necessário muito mais do que um simples filme para que uma menina decida não casar e venha a decidir não ser mãe. Pensemos no estereótipo da mulher bonita e burra. Ninguém pode negar que é machista, no entanto qualquer um que veja uma mulher bonita e burra, seja em filme, novela ou desenho animado, sabe que é apenas ficção, algo criado para dar um efeito cômico. Muitos homens adultos cresceram vendo Rambo, O exterminador do futuro e Duro de matar e nem por isso ficaram violentos. O próprio Sylvester Stallone disse em uma entrevista que se alguém quiser imitar Rambo é porque com certeza tem algum problema mental.
Não é de hoje que se criam polêmicas em torno de filmes afirmando que seriam diabólicos. Alguém lembra de Damares Alves dizendo que Frozen seria contra a família tradicional porque a princesa Elsa seria lésbica? E a Disney é o alvo preferido desses patrulheiros cristãos. Também disseramq ue Pocahontas seria diabólico e que uma prova seria o fato de que o nome da personagem-título queria dizer "espírito do abismo" e que outra prova seria o hábito dela(uma índia norte-americana) falar com o espírito da avó. Acontece que quem disse isso deve ignorar que, embora o filme da Disney seja ficção, Pocahontas realmente existiu e seu nome significaria "pequena travessa". Além disso, falar com os espíritos dos ancestrais fazia parte da tradição dos povos indígenas. Muitos desses crentes devem ser muito frescurentos e ficam criando polêmicas em cima desses filmes por falta do que fazer.
Qual o problema se Barbie não transmite uma mensagem edificante? Quem vai ver um filme desses quer se divertir, não ver algo de cunho espiritual ou uma lição de vida e é de se presumir que quem vai assistir sabe que o universo ali retratado é ficção. Também é bom lembrar que vivemos em um mundo capitalista. Quem criou a boneca criou para ter lucro e não está preocupado com valores cristãos. Do mesmo jeito, os criadores do filme não estão nem aí para lições de moral. Eles querem ganhar dinheiro. Se alguém quer assistir a coisas de conteúdo religioso que vá ver filmes cristãos e ponha as crianças para assistir a versões animadas das histórias bíblicas.
Essa turma que fica patrulhando em cima dos filmes é bastante cheia de "não-me-toques" e deve adorar chamar a atenção. Um simples filme não vai mudar a personalidade e estrutura psíquica de uma mocinha assim, levando-a a ter uma visão negativa dos homens. Vale lembrar que muitas crianças cresceram assistindo a histórias de moral duvidosa como o Pica-pau, Tom & Jerry, Pernalonga e outros. Por acaso alguém ficou malandro e espertalhão por ver o Pica-pau? Ou aprendeu a desrespeitar os homens por causa de Os Simpsons e A Família Urso? E que tal mencionar as coisas problemáticas presentes em muitos desenhos animados? Coisas que nada tinham de inocentes, como o fato do negro sempre ser um coadjuvante, o gordo, um alívio cômico e quase não vermos índios. Ainda podemos mencionar que, no Pica-pau, os índios são sempre burros e que, em filmes de faroeste, os índios costumam ser retratados como vilões malvados. Isso sem falar em desenhos como o He-man, que lutava quase nu usando apenas uma tanga e a She-ra, que usava uma minissaia. Então, todos nós crescemos vendo coisas nada edificantes. Por que ficar sempre problematizando?
Pergunto-me em que mundo vive Priscilla Mazzo, chamada de a "Barbie de Maringá". Ela parece um clone da Barbie. É loura, usa maquiagem, roupas que lembram as da boneca, seu penteado é impecável e suas unhas sempre estão bem-feitas. Ela prega que o filme vai contra a ideia de que a mulher deve ser virtuosa e se dedicar ao marido e ao casamento. Segundo ela, a mulher tem que ser carinhosa, massagear os pés do marido e fazer bifes para ele. Será que ela ignora a realidade de muitas mulheres? Enquanto ela - que é formada em Arquitetura e vive em uma belíssima casa com piscina - pode usar belos vestidos e tem condições de aplicar botox e tomar um bom café da manhã, muitas mulheres precisam acordar cedo e sustentar a casa junto com os maridos e não têm tempo de ser delicadas e se enfeitar para ficar parecendo umas princesas. Priscilla Mazzo criticou o filme afirmando que ele é feminista e não feminino e disse que não segue os princípios bíblicos.
É engraçado essas mulheres como Sarah Sheeva e Priscilla Mazzo falarem que o filme é contra a Bíblia pois elas parecem ignorar (muito convenientemente) que o mesmo livro que diz que "a mulher sábia edifica a casa" e que o valor da mulher virtuosa excede o de finas joias também diz que se deve apedrejar as adúlteras, que uma moça que for atacada na cidade e não gritar ou que não for virgem deve ser morta e que as mulheres não podem ensinar mas devem permanecer caladas e submissas aos maridos. Ou seja, ao ensinar nas igrejas, elas não seguem o que diz o próprio livro que elas afirmam ser a verdade e a palavra de Deus.
Um fator a considerar é que essas pastoras - que tanto criticam o filme da Barbie e o feminismo - desfrutam das conquistas que muitas mulheres lutaram para que hoje nós fôssemos livres. Elas puderam estudar, votam, têm o próprio dinheiro, dirigem e têm vez e voz. Se não fosse a luta feminista, Priscilla Mazzo e Sarah Sheeva não teriam podido votar em Bolsonaro. E será que essas pastoras que ensinam as mulheres a se submeter a seus maridos são submissa? Será que elas gostariam de entrar numa máquina do tempo e voltar ao tempo em que mulher não tinha vez e podia ser apenas a rainha do lar? Essas são as perguntas que não querem calar.