Quais os limites do humor?
Se prevalecer a idéia que do humor, e de seus limites, fazem os ilustres sábios patrulheiros da ética e da moral modernos, então teremos de, obrigatoriamente, queimar todos os livros de Aristófanes, Plauto, Swift, Boccaccio, Rabelais, e até os de Machado de Assis, um escritor sutil, irônico, e os Diálogos, os de Platão, afinal, sempre haverá, ontem, hoje, e sempre, quem, sentindo-se ofendido, vilipendiado, desrespeitado, peça por limites ao humor e punição rigorosa aos humoristas, aos comediógrafos, aos satíricos, aos sarcásticos. Ora, obrigaram Sócrates a beber uma dose de cicuta, dentre outras razões, porque ele, usando de fina ironia, zombava de autoridades suas contemporâneas, que, incomodadas com o que ele dizia, pediram-lhe a morte. E mataram-lo. Mas ele vivo está, e é um emblema da Liberdade. E a vida do comediógrafo grego Aristófanes não foi um mar de rosas. E o que dizer de Swift, o criador de Gulliver?! E da vida de outros humoristas, de pessoas, enfim, que fizeram do humor o suprassumo de sua arte, o que nos ensina a História?!
Quantas obras literárias teriam de ser recolhidas das prateleiras das bibliotecas e das livrarias e queimadas em praça pública? Todas as cujo teor ofendem alguém. Resumo da ópera: Todas as obras literárias, se se prevalecer o chororô dos hipersensíveis floquinhos de neve, têm de, obrigatoriamente, arderem no fogo do inferno da militância política revolucionária. Não duvido que haja quem se sinta ofendido com o Dom Quixote. Ora, algum velhinho poderá alegar que se sentiu, porque velho e velho o herói do Cervantes, ofendido com as características que o escritor espanhol emprestou ao Cavaleiro da Triste Figura. E digo mais: algum baixote gordinho poderá se sentir ofendido com a figura desgraciosa do Sancho Pança. E mais um pouco eu digo: uma senhora de bons costumes, ou uma santinha qualquer de uma igreja clandestina, sentir-se-á ferida em seus brios ao ler a desabonadora imagem da Dulcinea del Toboso. E estou certo de que algum cavalo não gostará, nem um pouco, do desprezo que Cervantes revela pelos equinos ao pintar tão maldosamente o Rocinante. Assim, uma distopia aos moldes da descrita, no Farenheit 451, por Bradbury, estará criada.