NO CARNAVAL, OS URSOS ESTÃO POR TODOS OS CANTOS DE PERNAMBUCO

No Carnaval de Pernambuco não temos apenas blocos, clubes e maracatus. Não só as orquestras de metais levam os foliões a pular e brincar. Quem já não viu um Urso pelas ruas, nos dias de Momo? Talvez você nem tenha notado, mas eles estão por todos os cantos.

Não é exagero afirmar que no Carnaval de Pernambuco temos mais Ursos nas ruas do que escolas de samba. Em 2016, estimava-se que existiam mais de cem deles espalhados por todo o Estado: são personagens tradicionais das folias em diversos municípios, como São Caetano (Agreste), Arcoverde (Sertão), Vitória de Santo Antão (Zona da Mata) e São Lourenço da Mata (Região Metropolitana do Recife).

Os Ursos, também chamados de "La Ursa", são conhecidos pela simplicidade, espontaneidade e pelo pequeno número de participantes. A agremiação, considerada uma das menores do Carnaval pernambucano, é formada por um brincante fantasiado de urso (com roupa confeccionada de estopa, veludo, agave ou retalhos de tecidos; e máscara de papel-machê) e um caçador com uma espingarda. Os grupos mais modernos têm até um pequeno estandarte e um tesoureiro, com uma sacola para arrecadar dinheiro.

A orquestra é composta por instrumentos percussivos, como triângulo, pandeiro, zabumba e ganzá, acompanhados por sanfona e violão. A dança se assemelha ao arrasta-pé dos ritmos juninos, como o xote, o baião e o xaxado. Outra particularidade dos Ursos é o fato de pedir dinheiro durante os desfiles. Não é à toa que a brincadeira tem até uma marchinha conhecidíssima, que diz: “A La Ursa quer dinheiro, quem não dá é pirangueiro”. Aqui, por essas bandas do Nordeste, pirangueiro é sinônimo de pão-duro, mesquinho, muquirana, avarento.

O Urso, que no início do século XX era um folguedo típico das periferias e cidades interioranas (principalmente de Pernambuco e da Paraíba) , adaptou-se aos novos tempos, ganhou simpatia e reconhecimento; se credenciou junto aos foliões e hoje são vistos em locais de grande concentração de foliões e nos bairros mais nobres.

Estudiosos como Roberto Benjamin, Pereira da Costa e Katarina Real relatam que a brincadeira do Urso de Carnaval remonta a uma tradição europeia do século XIX, onde domadores itinerantes, buscando arrecadar dinheiro para as suas sobrevivências, percorriam as praças com o espetáculo do animal dançarino. Grupos ciganos italianos também costumavam pedir esmolas na companhia do mamífero.

O registro mais antigo de Urso no Estado é de Pereira Costa, no livro Folk-Lore Pernambucano (1974). Nele é reproduzido um relato do francês Tollerane, sobre uma manifestação com um animal, no pátio de uma igreja do Recife, em 1817. Já Roberto Benjamin levanta a hipótese de o folguedo ter surgido entre “artífices italianos que na época colonial haviam trabalhado nos engenhos de açúcar de Pernambuco”.

Mesmo não sabendo com precisão onde a brincadeira surgiu, Katarina Real fundamenta-se em documentos dos séculos XI-XV que apontam para a existência de ursos em feiras e vilas da Europa. Ela não tem dúvidas de que a folia é uma contribuição dos povos itálicos ao Carnaval nordestino. A antropóloga toma por base versos cantados pelo Urso Aliado, do bairro de Afogados (Recife), em 1961, que dizia o seguinte: “Viemos da Itália/ Não trouxemos roupa/ Trouxemos este Urso/ Enrolado na estopa”.

Enfim, os Ursos são brincadeiras de Carnaval e facilmente você encontrará o seu desfilando por aí nos dias de Momo. Em Olinda tem vários: o Cascudo do Amparo (Sítio Histórico), do Teu Vizinho (Bultrins), o Come Rama (Rio Doce), o Papa Cana (Alto Nova Olinda), o Faixa Preta (7º RO) e o do Papai (Sapucaia). No Recife tem o Brilhante (Coque), o Traíra (Guabiraba), o Mimoso (Afogados), o Zé da Pinga (Pina) e o Polar (Areias). Mais distantes estão os do Pau Amarelo e da Tua Mãe (Paulista); o Branco de Cangaçá (São Lourenço da Mata), o Pé de Lã (Arcoverde) e o do Xóba (São Caetano).

* Artigo publicado hoje (25.01.2024), no Diário de Pernambuco.