Centelhas do eu dos furries
Introdução
Este estudo visa prescrutar algumas centelhas/facetas do eu dos furries. Primeiramente, o conceito de furry, de comunidade furry e sua história são compartilhadas com o leitor. A seguir, o mundo furry é pensado sob o prisma da psicanálise, psicologia, filosofia, antropologia, dentre outros. Ademais, concepções da autora sobre o desejo, os traumas e o sistema das representações podem auxiliar o entendimento dessas centelhas. Depois, o método clínico psicanalítico é utilizado numa situação extraclínica - entrevistas - para acessar as centelhas do eu dos furries. Na sequência, as contribuições teóricas são articuladas às fontes empíricas/entrevistas para mapear a subjetividade dos furries. Sendo assim, esse estudo dialoga com aquele sobre a cena cosplay, enquanto fenômenos da cultura contemporânea.
A cultura furry: ideias iniciais
O conceito de furry surgiu nos EUA em 1980, quando personagens desenhados por Steve Gallacci na HQ Albedo Anthropomorphics deram início à discussão sobre personagens antropomórficos na ficção científica. A partir daí, o termo ganhou força por meio de fanzines, até ser conceituado em 1990 como a apreciação e disseminação de artes ou prosas sobre furries ou personagens ficcionais antropozoomórficos de mamíferos. Ser furry é criar um personagem fictício e usá-lo para se divertir com outras pessoas da comunidade. Com o crescimento do número de fãs, os furries norte-americanos passaram a discutir a ideia de uma convenção exclusiva e a ConFurence 0 ocorreu na Califórnia em 1989. Então, a interação furry ganhou mais terreno com a internet, com seus fóruns e sites. Em 2000, a fandom se popularizou no Brasil e chamou a atenção de Ivo, o criador do Siljuelas. Ele imagina a cidade furry ideal como um lugar onde as pessoas poderiam ser o que elas desejassem, em que ninguém quisesse julgar uma pessoa pelo que ela faz. Contudo, a ideia de furries em algazarras sexuais é disseminada em recantos obscuros da internet ou habita o imaginário daqueles que nunca acessaram o ambiente criativo dessa cultura. Os furries são mais propensos do que os não-furries a se oporem ao uso de animais para fins comerciais ou de pesquisa. (Plassa e Guimarães, 2007).
Dr. Courtney Plante é psicólogo social e professor da Universidade de Bishop no Canadá. ‘Minha fursona Nuka é um cientista da maneira como cientistas costumam ser retratados em desenhos infantis: usa jaleco, incendeia coisas e age como um louco’. Ele estuda a cultura de fãs, a fantasia e os efeitos da mídia no modo como as pessoas pensam, sentem e se comportam. Com o tempo, a desconfiança do meio acadêmico quanto aos furries se transformou em entusiasmo com as dezenas de artigos científicos publicados e disponibilizados no site Furscience. Este é composto por profissionais de todo o mundo, trabalhando para reunir ciência sólida sobre os furries. Atualmente, nenhuma pesquisa suporta a relação entre furries e fetiches sexuais. Assim como há fãs de esportes e de Star Wars, furries são fãs de arte - desenhos animados, animação, fantasias, ilustrações, performance, escrita. Anos atrás, as pessoas zombavam dos fãs de Star Trek e Senhor dos Anéis. Hoje, essas franquias são populares e ninguém mais faz piada. Ele acredita que o mesmo acontecerá com os furries (Plassa e Guimarães, 2007).
Segundo Plante, o fandom furry é composto principalmente por homens brancos, de adolescentes até adultos em meados dos vinte anos. Em sua maior parte, eles exemplificam a cultura geek: desempenho escolar acima da média - quase metade são estudantes universitários, interesse em computadores e ciências e paixão por videogames, ficção científica, fantasia e anime. Furries têm sete vezes mais probabilidade do que a população em geral de se identificarem como transgêneros e cinco vezes mais probabilidade de se identificarem como não heterossexuais. Com isso, a comunidade é definida pela inclusão, adotando as normas de ser acolhedora e de não julgar os outros. Muitos descrevem o fandom como um dos primeiros lugares onde sentiram que podiam pertencer, sendo 50% mais propensos que os outros a ter sofrido bullying na infância. Para a maioria, o fandom propicia construir amizades duradouras e uma rede de apoio social numa comunidade, que não os julga por seus interesses não convencionais. Os furries têm a necessidade de pertencer, de se autoexpressar e ter uma identidade positiva e distinta (Herzog, 2017). O Anthropomorphic Research Project indica que a extensa maioria dos sites furry mais populares estão ligados à arte (Soares, 2021).
Dra Sharon Roberts - professora da Renison University College da Universidade de Waterloo e cofundadora do Anthropomorphic Research Project - pesquisa identidade e como as pessoas transitam para a idade adulta. Na cultura furry, 70% se identifica como LGBT, 15% como trans e 10% como autistas. Furry autistas têm benefícios com o fandom: sensações calmantes de compressão e peso, menos risco de superestimulação ao usar uma cabeça de espuma, menos contato visual e menos comunicação não verbal. Na comunidade furry, a resiliência ajuda as identidades marginalizadas a prosperar. Três fatores contribuem para a força dos furries: comunidade, arte e amizade. Ter um sentido de identidade é essencial para sua boa saúde mental. Eles tendem a ser bem educados, sua autoestima melhora quando seu jeito de ser é visto sob um foco positivo, tem uma vida mental estável, tem um bom senso de identidade e o sexo tem uma prioridade relativamente baixa no fandom (Baume, 2020).
Roberts (2015) et al. estudam a identidade antropozoomórfica dos furries em relação com animais não humanos.
A Escala de Conexão de Espécies abrange a apreciação de uma espécie, a conexão espiritual ou mística com uma espécie e a identificação com ou como outra espécie. A partir dessa escala, gostar de animais não está associado ao bem-estar dos furries; a ligação espiritual com animais foi associada ao bem-estar psicológico dos furries e a identificação como animal foi associada ao bem-estar negativo dos furries. A fursona é uma representação de si, com atributos positivos. As pessoas assumem seus atributos positivos dada a oportunidade de praticarem suas habilidades, num ambiente seguro. Seus benefícios psicológicos podem ter impactos duradouros: forma delas se conectarem e se comunicarem. Essas identidades beneficiam a pessoa muito tímida, dando lhe confiança para interagir com o outro (Lee, 2021).
Dunn (2019) explora a construção do self no furry fandom, corpo organizado de pessoas que constroem o self de modo similar a uma gema, usando suas fursonas - entidades representacionais com sentido de personalidade - para representar diferentes facetas daquela gema. Através da performance da fursona, eles incorporam valores socialmente sancionados e associados a ela e ao self verdadeiro. Quando esta performance é validada por outros furries, esses valores são reforçados na construção do self-gema. A fursona passa de personagem para uma entidade representacional e, então, para a construção do self-gema. Ela representa valores, crenças e características do verdadeiro self. A fursona deve ser considerada em sua inteireza: facetas do self como um todo. Ela é invocada como atemporal através de histórias, que atuam como representações do self e refletem a intersubjetividade. Quando ela é performada, seus valores, crenças e características são validadas, reforçando a construção do self. Igualmente, Herzog (2017) pontua que os furries são livres para criar representações de si sem acatar os limites da realidade, podendo se re-conceituar quanto à idade, sexo, personalidade ou características físicas. A maioria cria fursonas que representam versões semelhantes, mas idealizadas de si mesmos. Muitos relatam que seu autoconceito tende a se tornar mais parecido com o de sua fursona, com o tempo.
Os outros furries interagem com seu eu idealizado validando-o e ajudando-o a internalizá-lo como parte de si.
Půtová (2013) propõe que uma identidade variável, deliberada e continuamente criada é parte da realidade pós-moderna. A instabilidade da identidade pós-moderna deu nascimento ao fenômeno furry. O furry assume a aparência de um animal, resultando numa informação semiótica arquetípica sobre a substância dual da humanidade: a antiga união homem-animal. Eles podem ter o desejo de se tornar um animal, cuja aparência e características admiram e desejam obter. Às vezes, podem se sentir um animal aprisionado na pele humana e desejar não ser humanos. Seus interesses sobre sexualidade se articulam à arte yiff - animais antropomórficos em posições sexuais humanas. Em geral, os furries criam e sustentam personas complexas em mundos ficcionais complexos. Ao comparar um xamã e um furry, descobre-se a similaridade e a versatilidade das diferentes formas de libertação espiritual. Os xamãs detêm habilidades espirituais de cura, visão e outras, buscando obter sucesso quanto à caça, à colheita e à cura de doenças. O êxtase é um tipo de estado alterado de consciência em sua jornada para o mundo sobrenatural. O furry fandom garante liberdade extática, permitindo à pessoa escolher o que e quem ela deseja ser. Os furries adquirem habilidades novas ao entrar na realidade virtual, podendo mudar sua própria representação no cyberespaço. Os xamãs são seres liminares: elementos sagrados em relação com o mundo profano.
Os furries desempenham um papel liminar na sociedade ao descobrir dimensões desconhecidas da vida. Suas fantasias contribuem para atravessar as fronteiras do mundo, se livrar das formas limitadas de ser e encontrar o desconhecido, infinito e inapreensível. Na cultura pós-moderna, a cultura furry é um retorno a liberdade espiritual original das sociedades tribais, para realizar suas buscas identitárias. Nas sociedades tribais, os xamãs tinham várias almas para entrar no mundo sobrenatural e fazer contato com o sagrado. Os furries pós-modernos entram no cyber espaço, no qual constroem e assumem novas identidades. Então, ambos transpassam o portal do mundo profano para modificar sua personalidade e encontrar novos horizontes da vida humana.
Parry (2013) confirma que há pouca relação entre furries e disfunções psicológicas. No entanto, furries relatam mundos mentais ativos, vívidos e mágicos. Uma forte identificação como furry significa menor chance de depressão e transtorno bipolar, ao lado de maior propensão à alucinação, à ideação mágica, aos sentidos aguçados e às emoções intensas. No entanto, a extensão da identificação furry não tem relação com a terantropia/ crença de ter uma forte ligação com um animal. Therians não diferem dos não-therians na maioria das condições psicológicas, bem-estar ou saúde. Therians são mais propensos a mudanças em seu estado mental do que não-therians, tendo maior propensão à ansiedade, pensamento mágico, forte senso de importância, alucinação e emoções intensas. Seu senso de identidade é menos claro do que outros furries, mas não são mais propensos a Asperger, TDAH, transtornos de humor ou ao uso de psicotrópicos.
Para Yuri Busim, doutor em neurociência pelo Mackenzie, criar uma personalidade alternativa pode ser uma forma de se expressar, quando não se consegue fazer isso com facilidade no cotidiano. A atividade pode ser uma ferramenta importante para criar novas relações, desde que não crie uma dependência. O ponto central é saber diferenciar a fantasia do real, conseguir separar uma coisa da outra e viver bem em ambos os mundos (Plassa e Guimarães, 2007).
A cultura furry: estigmas e estereótipos
Rebecca McHugh, professora de psicologia do desenvolvimento na Universidade de Pittsburgh, concentra-se em gestão de visibilidade: quando, como e por que as pessoas optam por revelar elementos estigmatizantes de suas vidas aos outros. Ela envolve identidade, interação social e tomada de decisão. Os estereótipos tendem a ter dois sabores diferentes: eles infantilizam ou hipersexualizam. A comunidade furry não é assim. O fandom furry moderno pode ser situado dentro de um contexto religioso, cultural e histórico. Histórica e culturalmente, o antropomorfismo aparece nos deuses egípcios, nas fábulas de Esopo, em Harry Potter, Tartarugas Ninja e Pokémon, em filmes da Disney, nos contos populares e de fadas, em mascotes de times esportivos. A mitologia e a religião estão carregadas desses tipos de personagens, junto com inúmeros tipos modernos. Muitas pessoas enfrentam estigmas e estereótipos, que as prejudicam e não sabem lidar com isso. Elas se sentem divididas entre esconder uma parte muito importante de si mesmas e ter conexão social. Cabe apontar as falácias dos estigmas e estereótipos e ajudar as pessoas a lidar com eles (Mc Hugh, 2018).
No que tange a estigmas e estereótipos, furries têm sido retratados como sexualmente motivados na mídia e na cultura popular. Os furries motivados sexualmente seriam movidos por uma inversão erótica de identidade de alvo/ETII. Furries com ETII sentem atração sexual por animais antropomórficos e excitação sexual ao fantasiar serem animais antropomórficos. Numa pesquisa com 334 furries masculinos, 84% relataram ter identidades não heterossexuais e 99% relataram algum grau de motivação sexual para ser furry. Consistente com ETII, a atração sexual por animais antropomórficos e a excitação sexual pela fantasia de ser animais antropomórficos eram quase universais. Porém, essa motivação sexual e esses interesses sexuais não justificam a discriminação ou a estigmatização imputadas à comunidade furry (Hsu; Bailey, 2019).
Há muitos equívocos sobre os furries, caracterizados como fetichistas ou pessoas psicologicamente disfuncionais.
O equívoco de que furries obtêm gratificação sexual ao usar fursuits decorre do fato de que 20% deles manifestam sua admiração por meio de fantasias. No entanto, esse traje quase sempre é uma forma de autoexpressão ou desempenho.
O interesse por furry pode se manifestar desenhando ou encomendando obras de arte com o tema, jogando jogos com o tema, fantasiando-se junto com pessoas com o mesmo interesse. Outro equívoco diz que furries acreditam ser animais, no todo ou em parte - definição relativa aos therians, cujo identidade inclui animais não humanos. A maioria dos furries se sente totalmente humana e não deseja se tornar um animal; eles gostam de animais que andam, falam e fazem coisas humanas (Herzog, 2017).
Evans (2008) afirma que entre furries online, 81% a 86% são homens, 83% a 89% são brancos, 83% não são zoófilos, 1 % a 9 % são peluchefilos e de 3% a 5% são vegetarianos. A peluchefilia se refere à atração sexual por bichos de pelúcia ou pessoas fantasiadas de animais. Números significativos de furries são solteiros, estudantes, de baixa renda, de todas orientações sexuais e a sexualidade tem uma forte influência no furry - mas não é a totalidade do fandom.
Gerbasi (2008) examina a identidade furry, tendo entrevistado 217 furries e 68 estudantes universitários. Furries comumente indicam dragões e espécies caninas e felinas como sua identidade de espécie alternativa. Respostas sim ou não a duas questões-chave sobre identidade furry - você se considera menos de 100% humano e se você pudesse se tornar 0% humano, você se tornaria? - geraram uma tipologia furry. Estas duas dimensões são a autopercepção - distorcida x não distorcida - e a identidade da espécie - atingida versus x não atingida. Um quarto dos furries respondeu sim às duas perguntas, tendo sido colocados na categoria autopercepção distorcida e identidade da espécie não atingida, com características paralelas ao transtorno de identidade de espécie.
Divergindo da pesquisa de Gerbasi (2008), Probyn-Rapsey (2016) advoga que há inúmeras razões pelas quais os furries podem se identificar como menos que 100% humanos. A pesquisa não define o que se entende por humano, de modo que frases como objetivamente humano e 100% humanos permanecem suposições a priori. Psicólogos e furries podem ter ideias muito diferentes a respeito do que constitui os humanos e suas desordens psíquicas. Ademais, a identidade de gênero é muito mais complexa do que a maneira como uma pessoa objetivamente se apresenta. Os furries não puderam definir o que eles querem dizer por humanos e suas críticas aos humanos. A pergunta sobre sua sexualidade não permitiu respostas diferentes de ser hetero, homo ou bissexual. Trata-se do problema de uma pesquisa focada em sexualidades humanas normativas, excluindo e patologizando aquelas que estão fora da norma. Os territórios furry online envolvem um hiper mundo e a capacidade de viver outros tipos de vida como humanos-animais. Há grande potencial de furries serem muito mais do que o lado errado dos 100% humanos.
Dobre-Hametner (2020) retoma que a comunidade furry busca uma conexão com animais antropomórficos/fursonas. Fursonas são descritas em termos idealizados: elas têm valores morais positivos culturalmente atribuídos a uma espécie - lealdade dos lobos, astúcia das raposas e sabedoria dos dragões. Às vezes, eles são dotados de habilidades sobrenaturais, imortalidade, viagem no tempo. As bases de identificação com a fursona é ter características em comum com ela ou atribuir-lhe traços que o furry gostaria de ter. Um pequeno número se refere a tótens ou a crenças espirituais. Quanto à identificação com a fursona, os furries podem ser divididos em três grupos.
O grupo com ausência de identificação com a fursona buscava um ambiente no qual eles pudessem encontrar diversidade e pessoas amigáveis, queriam vivenciar uma situação social incomum e tinham interesse em arte antropomórfica. O grupo com fraca identificação com a fursona tinha paixão por animais, usava a fursona como ator e temporariamente se identificava com ela, desejava compartilhar traços atribuídos aos animais, projetava um alterego baseado em similaridades ou diferenças com a fursona, assumia uma fursona cujos comportamentos não podiam ser expressos na vida real. Eles mantinham uma distância considerável entre si e a fursona, nunca se confundiam com ela e reconheciam que eram completamente humanos. Eles estavam contentes e bem ajustados na sua vida cotidiana e não precisavam se tornar outro ser. O grupo com forte identificação com a fursona não se sentia completamente humano, sentia desconforto com seu corpo e com a companhia de humanos, sentia ser duas pessoas ao invés de uma única entidade, a fursona era sentida como independente de sua vontade, sentia liberdade quando caracterizado, era completamente dedicado a fursona, esta era reconhecida como o verdadeiro self, dava um significado espiritual a ela, queria se tornar completa ou permanentemente a fursona. O escapismo era ligado a resolver o conflito íntimo de não se sentir completamente humano. Dentre suas subculturas, os other kins acreditam que têm o espirito de um animal ou que foram um animal numa vida passada e os lobos trazem o comportamento do animal para sua rotina diária (Dobre-Hametner, 2020).
Maase (2015) divulga que as relações, os símbolos, a arte e a comunicação entre grupos são analisadas pelos folcloristas. Os grupos populares na internet rompem barreiras de classe, credo, idade e cultura. O grupo furry é complexo devido a seu tamanho, suas camadas e sua interação online e offline, constituindo uma rede popular. Produtora de novas tradições, a arte furry produz novos meios de comunicação, expressão e mudança. A criação da fursona na arte furry permite a interação numa nova camada social, envolvendo diversão e amor pelos animais. A performance com a fursona é outra camada social, que se torna fonte de espetáculo. Parte dessa rede, algumas culturas antigas viam os animais como guias espirituais e mensageiros dos deuses. Assim, a cultura furry cria identidade por meio do antropomorfismo - atribuição de características humanas ao não-humano - e da teriantropia - atribuição de características animais ao ser humano.
Em seu estudo sobre a cena furry, Nunes (2016) afirma que o animal é escolhido segundo critérios variados: paixões infantis por animais, encanto por animais totêmicos e representações da mídia. A cena furry suscita construções híbridas de memória - pessoais imbricadas às coletivas - como os referenciais míticos de outras civilizações. Nessa cena, há um domínio mítico, como na escolha dos nomes para as personas-animais e na conexão emocional e arqueológica dos textos midiáticos com textos mais arcaicos, como os rituais de união homem-animal de outras civilizações. As narrativas midiáticas constituem as fontes para as escolhas, ao se lembrar/selecionar/escolher o animal vinculam memórias afetivas autobiográficas e midiáticas. O nome da fursona vincula várias camadas de memória: familiares/autobiográficas, midiáticas, míticas. Muitas culturas atribuem função mágica, ao nome. A palavra com arquipotência em civilizações remotas se mostra numa cena com a presença mítica das relações entre os homens e os animais.
Descheneaux (2016) aporta que no mundo acadêmico, as teorias críticas politizam questões do mundo virtual como reflexos das desigualdades do mundo social, dados os estereótipos de gênero, de diversidade sexual e de etnicidade. Os videogames reproduzem padrões de dominação social - interesses de homens brancos heterossexuais. Assim, as identidades sexuais alternativas/neossexualidades tornam-se invisíveis e restritas pelas normas dominantes. Contudo, o potencial subversivo e emancipatório dos videogames na construção da identidade se liga às novas identidades sexuais de furries e cosplayers. A identidade sexual em videogames paira entre a dominação e a subversão, com espaços permeáveis a novas identidades no mundo virtual. Na revolução neossexual, a despatologização é fundamental na emergência destes novos modos de subjetivação.
Santos (2022) agrega que há avatares de animais antropomórficos no Second Life. Os furries representam o ápice da experiência do avatar: a busca de transcender um alter ego tão idealizado, que se expressa para além do humano. Os avatares animais costumam ter comportamento amigável. As pessoas escolhem formas não humanas como meio de diversão, mas optam pela forma humana, em momentos mais sérios. A grande maioria dos furries cria fursonas antropomórficas - parecidas com humanos. Os therians são mais propensos a adotar fursonas selvagens - parecidas com um animal.
Na contramão dos autores arrolados, Austin (2023) argumenta que a identidade furry é exclusivamente produto da socialização online, que há dicotomia entre hobbyistas e criadores de estilo de vida e que as convenções furry não são lugares onde o furry descobre a identidade furry. Ela defende que furries não estão envolvidos em uma forma modificada de bestialidade e que a falta de fursonas primatas se deve a uma preponderância de brancos no fandom e que eles não desejam se associar a macacos devido a conotações racistas. Ela afirma que a IARP vê furries como um grupo homogêneo e proclama que os furries são estigmatizados de forma semelhante. Contudo, a IARP atualmente não vê os furries como um grupo homogêneo.
Agregando a essas contribuições a produção teórica da autora, busca-se ampliar as possibilidades de compreender o fenômeno em questão.
O desejo, os traumas e o sistema das representações
O desejo se apresenta como um conjunto de representações e de afetos, que rege a vida psíquica do sujeito. Ele gera movimentos psíquicos em direção aos seus objetos, visando ser satisfeito no mundo. Ser inteligente, ser competente, ser dedicado, ser valorizado - acompanhadas de amor - permitem sua realização. Por outro lado, um trauma - bastante repetido junto aos objetos primários - inibe a força de seu desejo. Sendo assim, os bloqueios na satisfação do desejo se devem à fixação em representações, que limitam seu potencial de ação. Ser burro, ser incompetente, ser desleixado, ser desvalorizado - acompanhadas de ódio, horror, entre outros - impedem sua realização (Almeida, 2023).
O sistema representacional constitui um aparato psíquico capaz de representar diferentes vivências psíquicas. Atingido pelo trauma, o sistema precisa lidar com quantidades variadas de afetos disruptivos - ódio, horror, pavor, desprezo, entre outros - que desorganizam sua capacidade representativa. Além disso, o trauma aumenta a carga desses afetos nas representações do desejo. Esses processos se associam às formas fictícias de identidade, prejudicando a realização de seu desejo. Posteriormente, o adulto projeta tal sofrimento com os objetos primários em seus objetos secundários - consortes. Ele busca tornar-se o que ele pode ser, diferenciar seu desejo dos objetos primários e realizar seu desejo no presente, em suas formas genuínas e verdadeiras (Almeida, 2023).
No caso do mundo furry, os objetos secundários incluem as fursonas.
Depoimentos de furries
Para conhecer algumas centelhas/facetas da vida mental dos furries, trabalha-se com entrevistas concedidas por eles. As entrevistas com furries brasileiros e de outras nacionalidades permitem contatar essas centelhas/facetas em seu cenário mental. O termo centelhas remete às suas representações dispersas e limitadas no sistema das representações, que aparecem nas entrevistas. Em contrapartida, as sessões podem revelar representações de grande intensidade, a corrente associativa entre elas, sua relação com a história de vida do sujeito, sua repetição nas sessões e a mudança das representações e seus afetos ao longo da análise.
As aspas põem em relevo as centelhas no cenário mental dos furries. O itálico destaca as centelhas/representações mentais de seu eu e, ainda, palavras estrangeiras. Os colchetes eliminam trechos de seu discurso dispensáveis para esse mapeamento.
Furries brasileiros
Raíssa: ‘Minha fursona Azevix é diferente de mim na vida real. Ela é brincalhona, extrovertida e eu sou tímida. Ela gosta muito de abraçar, tanto que tenho a coleira para me levarem para passear. Ela me ajuda muito. É meu material de escape. Com ela sinto que consigo ser eu de verdade. Consigo brincar, consigo conhecer pessoas novas. Ela me dá essa liberdade de ser mais feliz’ (Plassa; Guimarães, 2022).
José Luiz, publicitário, 45 anos: ‘uso minha fursona Jedi Mace Windu, de Star Wars, pra denunciar o baixo número de protagonistas negros em filmes e para afirmar minha identidade étnica pras crianças afrodescendentes, que não têm com quem se identificar’ (Nunes, 2016).
Furries de outras nacionalidades
Ella, garota australiana: ‘Pocket, um cervo cruzado com um pássaro mudou minha vida. Eu costumava colocar e tirar Pocket, mas agora ela se tornou uma parte tão integrante da minha vida, que se tornou minha confiança []. Ela me deu confiança para interagir com outras pessoas. Recebo muita confiança pelo fato de ter feito todas essas coisas com o Pocket e agora posso fazê-las como Ella (Lee, 2021).
Christine, produtora australiana: ‘Minha fursona me deu a confiança social que me faltava. Hoje em dia é difícil saber onde termina Christine e começa Foxy. Foxy Malone sou basicamente eu. Eu a tenho há tanto tempo que sou basicamente eu (Lee, 2021).
Penpen: ‘não tenho o distanciamento de um ator profissional que entra e verte sua personagem, como lhe agrada. Reconstituir a fursona se tornou um reflexo, que gradualmente mergulha em minha identidade’, mas sem ele acreditar que é habitado pelo animal (Dobre-Hametner, 2020).
Bella: ‘minha fursona é um lobo do ártico. Imaginei que ele seria gentil e respeitoso, interessado em aprender e amante de ler. Introvertido, mas apreciador das companhias próximas a ele. Mas sendo honesta, também lhe dei qualidades que eu não possuo. Eu a tornei corajosa em face da incerteza. Confiante quando ela sabia que estava certa. Ela era quieta, mas não era medrosa. Ela era um lobo, uma espécie predadora. Um personagem antropomórfico numa história tem propósito e conhecimento além do que as pessoas podem compreender’ (Maase, 2015).
Allen: ‘há uma conexão espiritual com minha fursona. Comecei com o lobisomen e fiquei com o dragão. ‘Coloquei muito de minha personalidade em meus personagens. [] uma visão do que eu não podia expressar na minha vida real. Ele é sociável e aberto aos sentimentos dos outros. Minha fursona tem uma luz azul que vem de suas escamas azuis e de sua tatuagem amarelo reluzente. Elas indicam os elementos mágicos de que ela é capaz’ (Maase, 2015).
Kella: ‘Quando eu era pequena, eu me identificava com o lobo. Mas, nunca realmente caiu bem. Então, foquei na raposa, senti que era melhor, mas ainda não era adequada. Até que descobri uma raposa cinza, que se encaixou bastante bem. Ela [] não deixa um buraco na minha auto-representação. [] Escrevo usando minha fursona em histórias policiais. Escrever é um escape de minha realidade’. Como therian, ela acredita que parte de sua alma é uma raposa. Sua parte animal se expressa quando ela está estressada ou com raiva. (Maase, 2015).
Dylan: ‘o estereótipo da disforia confunde as pessoas, elas me perguntam por que eu jogo fora minha humanidade, quando este não é o foco do furry. A personalidade do dragão é minha, ao invés de uma entidade separada’. Ele atua como si mesmo ao interpretar papéis no grupo furry. Seu dragão é ocidental e peludo. ‘Eles têm um pouco mais de versatilidade e não são tão presos a religião como os dragões orientais, eles podem ser qualquer coisa. É a coisa mais gostosa de abraçar que você pode encontrar, sem ser super fofa. Uma coisa super fofa é próxima demais para ser agradável’ (Maase, 2015).
Kevin: ‘meu avatar é um lobo com pelo cinza no peito, mechas alaranjadas e um pouquinho de vermelho. Essas são cores quentes e eu sou uma pessoa quente []. Minha fursona é como eu em uma realidade hipotética, é divertido devanear sobre ‘e se’ []. A criação do ‘e se’ é algo para admirar e devanear durante o dia. O que seria mais legal?’ (Maase, 2015).
Sam: ‘tenho uma conexão social com minha fursona/leopardo da neve, que lembra minha meta de ir à academia e encontrar pessoas. Eu comecei com uma raposa, [] porque no mundo mitológico [] os leões e os gatos são sempre trapaceiros e perseguidores, sempre rondam. Nessa época, eu sempre ia de grupo em grupo, nunca encontrando um nicho ao qual eu pertencesse’ (Maase, 2015).
Discussão
Faz-se necessário, nesta seção, reunir os elementos teóricos e experienciais apresentados nesse estudo.
Com relação aos furries brasileiros, Raíssa afirma que sua fursona - a loba Azevix - é diferente dela na vida real. Entretanto, mais do que diferente, sua fursona parece ser seu oposto: ‘ela é brincalhona, extrovertida e eu sou tímida’. O desejo de Azevix abraçar se confunde com a coleira que a prende e a submete ao outro. Ainda que Raíssa diga que com sua fursona ‘consigo ser eu de verdade e ter a ‘liberdade de ser mais feliz’, cabe confrontar o paradoxo da coleira que prende Azevix e a submete ao outro, que a conduz no passeio, Azevix como material de escape de Raissa, que lhe dá liberdade de ser mais feliz’. No sistema representacional, ser tímida, ser prisioneira, ser submetida, ser conduzida, ser eu de verdade e ser mais feliz descortinam seu conflito e seu sofrimento psíquico. Ser eu de verdade e ser mais feliz aparentam fazer parte de um patamar superficial e circunstancial ligado ao tempo-espaço do mundo furry (Almeida, 2023).
Por outro lado, José Luiz, enquanto publicitário e com maior experiência de vida, busca romper os estereótipos raciais: ‘uso minha fursona Jedi Mace Windu, de Star Wars, para denunciar o baixo número de protagonistas negros em filmes e para afirmar minha identidade étnica para as crianças afrodescendentes, que não têm com quem se identificar’. Ele parece ser orgulhoso de sua origem étnica e ser consciente quanto à força de novos modelos de identificação para as crianças negras. Desse modo, ele evidencia uma parte muito importante de si mesmo e estabelece conexão social. Sendo assim, ele se diferencia da concepção de Mc Hugh (2018) acerca das muitas pessoas que enfrentam estigmas e estereótipos, que as prejudicam e não sabem lidar com isso. Elas se sentem divididas entre esconder uma parte muito importante de si mesmas e ter conexão social.
No que tange aos furries de outras nacionalidades, Ella relata que ‘Pocket mudou minha vida’. [] ‘ela se tornou uma parte tão integrante da minha vida’, ‘se tornou minha confiança’ [] ‘para interagir com outras pessoas’. ‘Recebo muita confiança por ter feito todas essas coisas com Pocket e agora posso fazê-las como Ella’. Nesse caso, parece que a aquisição da confiança para lidar com as pessoas, passou do plano da ficção para o plano da realidade. Quanto à Christine, parece haver confusão mental entre sua identidade pessoal e profissional: ‘Minha fursona me deu a confiança social que me faltava. [] ‘Foxy Malone sou basicamente eu. Eu a tenho há tanto tempo, que sou basicamente eu’. Penpen consegue se diferenciar de sua fursona, sugerindo boa saúde mental: ‘Reconstituir a fursona se tornou um reflexo, que gradualmente mergulha em minha identidade’, mas sem ele acreditar que é habitado pelo animal. Bella se representa como capaz de ser gentil, ser respeitosa, ser interessada em aprender, ser amante de leitura, ser honesta, ser equilibrada entre a introversão e o prazer com as pessoas. Contudo, sobressai a oposição entre ‘ser gentil, ser respeitosa e gostar da companhia’ dos demais e ser predadora: ‘minha fursona é um lobo [] gentil e respeitoso, [] ela é um lobo, uma espécie predadora’. ‘Mas sendo honesta, também lhe dei qualidades que eu não possuo. Eu a tornei corajosa em face da incerteza. Confiante quando ela sabia que estava certa. Ela era quieta, mas não era medrosa’. Falta-lhe ser corajosa, ser confiante, ser destemida (Almeida, 2023)
Dando continuidade à reflexão acerca de furries de outras nacionalidades, Allen refere estar conectado espiritualmente com sua fursona, quiçá devido a seus elementos mágicos: ‘há uma conexão espiritual com minha fursona [] elementos mágicos de que ela é capaz’. Para essa conexão ocorrer, ele fez experimentações com ela: ‘Comecei com o lobisomen e fiquei com o dragão’. Contudo, ser sociável e ser aberto estão reprimidos nele e extravasados mediante sua fursona (Almeida, 2023): ‘Coloquei muito de minha personalidade em meus personagens [] uma visão do que eu não podia expressar na minha vida real. Ele é sociável e aberto aos sentimentos dos outros. Com base nisso, Allen se insere no grupo com fraca identificação com a fursona, pois assumia uma fursona cujos comportamentos não podiam ser expressos na vida real (Dobre-Hametner, 2020).
Kella indica suas experimentações em busca de sua fursona/identidade e as dificuldades na sua auto-representação: ‘Quando eu era pequena, eu me identificava com o lobo. Mas, nunca realmente caiu bem. Então, foquei na raposa, senti que era melhor, mas ainda não era adequada. Até que descobri uma raposa cinza, que se encaixou bastante bem. Ela [] não deixa um buraco na minha auto-representação’. [] Ademais, sua fursona se estende do campo ficcional e adentra em sua realidade de ser escritora, para escapar de outra parte da realidade: talvez ser humana ao estar estressada ou estar irada: ‘Escrevo usando minha fursona em histórias policiais. Escrever é um escape de minha realidade’. Ela acredita que parte de sua alma é uma raposa [que] se expressa quando ela está estressada ou com raiva. Nessa medida, Kella está incluída no grupo com forte identificação com sua fursona. O escapismo se liga a resolver o conflito íntimo de não se sentir completamente humano. Ela é apresentada como therian, mas pode ser assimilada ao grupo other kin - que acredita ter o espirito de um animal (Dobre-Hametner, 2020).
Dylan relata ser incompreendido pelos não furries: ‘o estereótipo da disforia confunde as pessoas, elas me perguntam por que eu jogo fora minha humanidade, quando este não é o foco do furry’. A confusão entre sua identidade e a identidade/personalidade da fursona fica evidente: ‘A personalidade do dragão é minha, ao invés de uma entidade separada’. Ao que parece, seu desejo é ser versátil, ser livre, ser polivalente, ser fofo como seu dragão ocidental (Almeida, 2023): ‘Eles têm um pouco mais de versatilidade e não são tão presos à religião como os dragões orientais, eles podem ser qualquer coisa. É a coisa mais gostosa de abraçar que você pode encontrar, sem ser super fofa. Uma coisa super fofa é próxima demais para ser agradável’.
Kevin evidencia ser quente como pessoa e ser diferenciado de sua fursona, ser divertido, ser imaginativo e ser realista: ‘um lobo com pelo cinza no peito, mechas alaranjadas e um pouquinho de vermelho. Essas são cores quentes e eu sou uma pessoa quente. Minha fursona é como eu em uma realidade hipotética, é divertido devanear sobre ‘e se’ []. A criação do ‘e se’ é algo para admirar e devanear durante o dia. O que seria mais legal?’ Portanto, Kevin tem fraca identificação com sua fursona, mantendo uma distância considerável dela e nunca se confundindo com ela (Dobre-Hametner, 2020).
Sam expressa estar conectado socialmente com sua fursona, ser extrovertido, ser trapaceiro e ser perseguidor, ser excluído de outros grupos e ser incluído no grupo furry (Almeida, 2023): ‘tenho uma conexão social com minha fursona, que lembra minha meta de [] encontrar pessoas. Eu comecei com uma raposa, [] porque os leões e os gatos são sempre trapaceiros e perseguidores, sempre rondam. Nessa época, eu sempre ia de grupo em grupo, nunca encontrando um nicho ao qual eu pertencesse’.
Sam, Dylan e outros furries referem ser mais fácil se expressar e socializar no grupo furry. Dessa forma, a comunidade é definida pela inclusão, adotando as normas de acolhida e de não julgamento dos outros. Muitos descrevem o fandom como um dos primeiros lugares onde sentiram que podiam pertencer. Os furries têm a necessidade de pertencer, de se autoexpressar e ter uma identidade positiva e distinta (Herzog, 2017). Além disso, na comunidade furry, a resiliência ajuda as identidades marginalizadas a prosperar. Três fatores contribuem para a força dos furries: comunidade, arte e amizade. Ter um sentido de identidade é essencial para sua boa saúde mental (Baume, 2020).
Considerações finais
Quando se contempla as contribuições dos pesquisadores acerca do mundo furry impera a ideia de que fazer parte dele propicia bem-estar interior e saúde mental, graças à acolhida e ao não julgamento desse mundo. Contudo, quando se atenta ao relato dos furries, há sofrimento psíquico quanto à sua identidade, apesar dos benefícios psíquicos garantidos pelo grupo.
Em se adotando como critério de saúde mental a diferenciação entre a identidade do furry sua fursona, há furries mais saudáveis ou mais patológicos na presente amostra do mundo furry.
Dentre os mais saudáveis, José faz um uso racional, panfletário e político de sua fursona. Igualmente, Ella aparenta estar bem. Penpen consegue se diferenciar de sua fursona. Kevin tem uma fraca identificação com sua fursona e sua identidade é diferenciada da dela. Allen aparenta ter um nível leve de conflito. Em suma, eles apresentam uma boa diferenciação entre si e sua fursona, sugerindo boa saúde mental.
Dentre aqueles premidos por maior sofrimento psíquico, Raíssa revela uma divisão do eu e dificuldades pessoais. Christine relata uma confusão mental entre sua identidade pessoal e profissional. Bella apresenta uma divisão do eu, uma contradição interna entre partes de seu self e algumas faltas psíquicas, que deveriam ser completadas pela fursona. Kella tem um intenso conflito de identidade, indissociável de sua forte identificação com sua fursona. Igualmente, Devyn apresenta uma confusão entre sua identidade pessoal e a de sua fursona. Sam revela ser extrovertido - pressupondo-se o desejo de fazer um bom contato com o outro - mas seria trapaceiro e perseguidor desse outro - do qual precisa.
Em síntese, a fraca identificação do furry com sua fursona e a diferenciação entre sua identidade e da fursona se entrelaçam à sua saúde mental, ao prazer e a diversão de utilizá-la no mundo furry e seu bem-estar mental ao se desligar dela e viver no mundo ‘real’. Em contrapartida, o oposto dessas especificações retrata a patologia e o sofrimento psíquico do furry, a despeito dos aspectos salutares de fazer parte dessa comunidade.
Referências
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