Identidade, cultura e a relação fã- ídolo

Introdução

Alicerçado na abordagem psicanalítica, este estudo busca perscrutar a relação entre identidade, cultura e a conexão fã-ídolo. Para examiná-la a contento, acrescenta-se o pensamento de teóricos de outros domínios do saber: antropologia, sociologia, psicologia e ciência da comunicação. Em seguida, hipóteses de trabalho acerca do desejo e do sistema representacional complementam seus fundamentos psicanalíticos. Ademais, concepções sobre a relação fã- ídolo ampliam o tema. A seguir, o sofrimento psíquico de três grandes ídolos e dos fãs é analisado com base no método clínico psicanalítico.

Identidade é um conceito que faz parte da sociologia e da antropologia, estando entrelaçado às características do grupo social no qual o indivíduo está inserido. Fatores como a cultura, a história, o local e o idioma são importantes para que um grupo compartilhe elementos identitários. Na visão de Castells (2016), a identidade é compreendida como fonte de significado e experiência de um povo. São nomes, idiomas e normas culturais, que representam a distinção entre o eu e o outro. Essas características de distinção são fontes de significados definidos pelos próprios atores. Sendo assim, a identidade é uma construção social, que se vale da matéria prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, memória coletiva, fantasias pessoais, aparatos de poder e revelações de cunho religioso.

Igualmente, a identidade pode ser examinada sob a perspectiva psicanalítica. Na origem da identidade, o eu da criança é construído na relação com os pais, que fornecem referências de ela ser amada, valorizada e reconhecida - ou não. A identidade é a resultante intrassubjetiva das relações intersubjetivas, entrelaçando questões narcísicas e objetais do sujeito, dos objetos primários/pais na infância e dos objetos secundários na vida adulta. Essa formação psíquica inconsciente, em grande medida, conjuga eu-não eu, devido à produção conjunta de representações do sujeito e dos objetos primários. Nessa medida, o eu desse sujeito tende fortemente a se fundir e confundir com o eu dos objetos primários. A identificação é o processo constitutivo da identidade da criança junto aos objetos parentais, que funcionam como modelos. Ademais, a cultura em que a família está inserida vai atuar nessa formação de sua identidade. Logo, a formação do eu na infância sofre a interferência da família e da cultura (Almeida, 2011).

Faz-se necessário examinar, ainda, a multiplicidade das identidades e das identificações na contemporaneidade.

Bauman (2005) informa que até o século XVIII, a ideia de sociedade era igual à vizinhança, para a maioria das pessoas. Nessa rede de familiaridade, o lugar de cada pessoa era evidente - sem demandar ser avaliado e negociado. Nessa sociedade moderna, com o crescimento do poder estatal, a revolução dos transportes e a desintegração da força das comunidades locais, a identidade era bem definida e havia uma concepção de sujeito unificado e racional. Na sociedade contemporânea, a família, a religião e o trabalho, como referências centrais para a formação da identidade, foram desorganizadas. Com o colapso dessas instituições, emerge a crise da identidade e a fragmentação do indivíduo. Na sociedade contemporânea, a identidade tornou-se localizada e múltipla, não existindo mais uma identidade mestra como a classe social. A identidade adquiriu um caráter fluido, polissêmico e móvel, sendo possível identificar-se com referências culturais distintas.

A identidade, a cultura e a mídia

Levando-se em conta que a cultura é atravessada pelas produções midiáticas, passa-se a considerá-las.

Em antropologia, não existe definição unanime de cultura, seu conceito mais básico. Contudo, a cultura pode ser conceituada como uma propriedade humana ímpar, baseada numa forma simbólica de comunicação, de vida social e na qualidade cumulativa da interação humana, permitindo que as ideias, a tecnologia e a cultura material se acumulem nos grupos humanos (Mintz, 2010). De modo geral, a cultura designa o conjunto de conhecimentos, valores, ideais, costumes, crenças e padrões de comportamento, adquiridos socialmente que demarcam o grupo social (Michaelis, 2008).

Esse conjunto de conhecimentos adquiridos podem levar ao aprimoramento humano, estando inserido no cotidiano das pessoas e na onipresente mídia.

Para Kellner (2001), o papel da imagem, da moda e da música popular na construção da identidade é, muitas vezes, moldado pelos vieses fictícios de uma sociedade dominada pela mídia. Os textos culturais veiculados pela mídia moldam a vida diária e influenciam a construção de identidade. Os desejos, as ansiedades e as inseguranças das pessoas encontram expressão na mídia, retratando as tendências de crise subjacentes à fachada ideológica de uma sociedade de consumo feliz e segura. A cultura da mídia cria formas de dominação ideológica que reiteram as relações de poder. Igualmente, fornece meios para a construção das identidades e permite a resistência aos modelos dominantes. Assim, pode-se acatar ou rejeitar os discursos que atuam na formação de sua identidade. Em face dos complexos produtos culturais veiculados pela mídia, há que abordá-la de forma crítica e multidimensional, no intuito de se analisar adequadamente seus discursos.

Hall (2014) declara que o sujeito forma sua identidade a partir da relação com o outro, na interação entre seu eu e a sociedade. Nessa interação com pessoas importantes para ele, seus valores, sentidos e símbolos são mediados. No sujeito, seu núcleo, sua essência interior, seu eu real são formados e modificados no diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores. As identidades oferecidas pelos meios de comunicação ajudam a reproduzir estruturas dominantes de poder ou de resistência a elas.

Considerando-se a relação íntima entre a cultura e os meios de comunicação, a produção do ídolo e sua conexão com o fã nutre-se de processos psíquicos e culturais.

Hartman (2016) afirma que a interação parassocial é o sentimento de ilusão do fã, que crê estar numa interação social recíproca. O fã assiste o ídolo na mídia e pensa haver uma interação real entre eles, ainda que se trate de uma interação unilateral ou parasocial. A interação parasocial ocorre quando fã e ídolo interagem através da mídia. Por sua vez, na relação parasocial o fã crê ter amizade ou outra relação próxima com o ídolo, ao qual conheceria pessoalmente. A relação parasocial tem relação com solidão e insegurança pessoal. O fã fica na relação parassocial ao se sentir realizado junto ao ídolo.

Para Maltby (2005), a síndrome de adoração de celebridades é uma relação parasocial em que o fã está envolvido, excessivamente interessado ou obcecado pela vida privada da celebridade mostrada na mídia. As relações parassociais são divididas em três níveis. O nível de entretenimento pessoal ocorre quando o fã tem admiração pelo ídolo, sem se envolver numa relação parasocial. No nível intenso-pessoal, o fã idolatra o ídolo e crê que o conhece pessoalmente. No nível limítrofe-patológico, a ligação delirante é descontrolada e o ídolo pode ser perseguido, pois o fã crê ter uma relação real com ele.

Adicionando um olhar psicanalítico à relação fã-ídolo, a identificação e a projeção do desejo, dos ideais e das faltas do fã no ídolo pode compreender suas fantasias de grandeza projetadas no ídolo. Dentre as inúmeras possibilidades de seu desejo, o fã pode desejar ter um talento incrível como o ídolo; ser adorado por milhões de pessoas como ele; ser um ídolo recluso e suscitar o clamor dos fãs e dos empresários, que lhe pedem ardentemente para voltar ao mundo; ser um ídolo rebelde com o desejo de romper com o mundo capitalista, entre outras (Almeida, 2023).

A admiração e a idealização

A admiração conota um sentimento de respeito e apreço, enquanto a inveja é um sentimento de ressentimento.

A admiração, muitas vezes, é acompanhada pelo desejo de imitar ou aprender com a pessoa admirada. A idolatria e a adoração consistem na admiração excessiva, intensa e extrema do outro, ignorando seus defeitos ou deficiências. Devoção cega, gera co-dependência, decepção, obsessão, expectativas irrealistas e uma dinâmica de poder prejudicial à autoestima e à saúde mental (Manaher, 2022).

A idealização significa atribuir qualidades positivas exageradas ao outro e ignorar seus atributos negativos, gerando expectativas irrealistas, decepção, raiva e medo de abandono. A idealização concentra enorme confiança e admiração no outro, conceituando-o como incapaz de cometer erros, num nível irreal de confiança e com pouca conexão com a realidade. A desvalorização implica atribuir qualidades negativas exageradas e desconsiderar suas qualidades positivas, levando à raiva e ao desprezo. A percepção de pessoas e situações em termos extremos e polarizados - totalmente bons ou totalmente ruins - é desencadeada por lembranças de vivências anteriores de abandono e dor, sendo que a idealização e a desvalorização visam evitá-los (Cohen, 2023).

A troca saudável de suprimentos narcisistas vitais entre a pessoa e os outros nutre o senso de valor e importância no mundo, a sensação de bem-estar, a resiliência e a autoestima. Admiração e idealização são duas formas de troca, que apresentam fluxos e refluxos recíprocos. No intercâmbio saudável, os pais oferecem olhares sorridentes e de admiração à criança apenas porque ela existe. Por sua vez, ela sorri reciprocamente com um olhar de alegria e admiração para a figura paterna onisciente e todo-poderosa - experiência natural de idealização da figura paterna. Expressões de admiração /idealização alimentam a ancoragem da criança e da figura parental no mundo - singulares, maravilhosas e únicas.

Uma manifestação problemática de admiração é dirigida às realidades fora do eu/qualidades do eu exterior - beleza, talento, carisma, riqueza ou outra qualidade condicional especial e bem sucedida no mundo. O excesso desse tipo de admiração gera um foco distorcido e nutre a crença da criança ser boa, tão somente quando ela atende essas condições. Esta percepção distorcida do eu pode levar a fixação no eu grandioso - características grandiosas manifestas - no transtorno de personalidade narcisista. A idealização começa com a necessidade natural da criança de ver as figuras parentais como oniscientes e onipotentes, dada sua conexão com os pais como pessoas especiais. Num cenário saudável, a idealização da primeira infância cede à compreensão crescente e flexível dos pais como pessoas com pontos fortes e fracos. Quando a idealização é promovida pelas figuras parentais de modo condicional, sem reconhecer seus erros e limitações, a criança desenvolve distorções sobre si e o outro. A pessoa codependente se vê como insuficiente e idealiza o outro como sendo mais capaz e especial que ela. Quando há um equilíbrio saudável entre aspectos incondicionais e condicionais de admiração, nutre-se a crença de ter valor e valoriza-se o outro (Payson, 2019).

Noutra leitura, a admiração nomeia o processo amoroso de reconhecimento do valor e das capacidades do outro. Esse movimento saudável e fundamental nas relações construtivas permite que o sujeito admire o objeto, tendo em vista seu talento, seu valor e sua dedicação a um projeto profissional, entre outros atributos. Na admiração, o sujeito vivencia uma potência narcísica de realização de seu desejo, inspirando-se no objeto admirado para realizá-lo. Num primeiro nível de compreensão, a idealização dota o objeto de amor, valor, atributos e realizações distorcidos, irreais e sobre-humanos. No âmbito da relação fã - ídolo, a grandeza projetada pelo fã no ídolo esconde/revela a falta de amor, de valor e de reconhecimento de seus talentos, que ele abriga em si (Almeida, 2011).

Num nível mais sofisticado de compreensão, a identidade consiste num processo psíquico complexo, que entrelaça sujeito e objetos, identidades indiferenciadas, talentos mesclados e temporalidades confusas. A identidade aponta a ligação psíquica entre o sujeito e seus objetos: objetos pretéritos da infância/objetos primários/pais e objetos atuais da vida adulta/objetos secundários/pares. Os objetos secundários podem ser: o humano idealizado - ídolo - e os objetos imateriais - literatura, arte, música, esportes, ciência, dinheiro, poder. O sujeito e seus objetos são investidos por amor e ódio - com diferentes intensidades- na infância e na vida adulta. As identidades do sujeito, dos objetos parentais e dos objetos idealizados encontram-se indiferenciadas, sendo que seus talentos e capacidades estão mesclados. À medida que os objetos primários/pais/objetos pretéritos e objetos secundários idealizados/objetos atuais se confundem demarcam temporalidades confusas (Almeida, 2011).

No caso dos traumas vivenciados numa família, representações depreciativas - ser desprezível, ser insignificante, ser nada - são projetadas na criança e investidas por ódio. No trauma do absoluto, suas representações são projetadas na criança - ser abandonado, ser rejeitado, ser devedor, ser sofredor para sempre - acompanhadas de intensa carga de ódio e horror. Essa sobrecarga de ódio nas representações do sujeito e dos objetos primários - ser abandonador, ser rejeitador, ser cobrador, ser carrasco do filho sofredor para sempre - é o reverso da sobrecarga de amor no objeto idealizado. Pois, o sujeito projeta representações sobreinvestidas de amor nesse objeto privilegiado do desejo: ser magnífico, ser poderoso, ser perfeito. Elas atestam seu valor supremo, enquanto as representações do sujeito são sobreinvestidas de ódio: ser vulgar, ser insignificante, ser imperfeito - atestando seu valor mínimo. Junto com elas, há ainda: ser abandonado, ser rejeitado, ser devedor, ser sofredor para sempre. Enfim, o sujeito se representa aquém de suas reais possibilidades na vida (Almeida, 2011).

A malha de representações e afetos do sujeito dirigidos aos objetos humanos e imateriais - na vida adulta - faz parte do ódio ao seu desejo. As facetas idealizadas de seu desejo incluem representações de talentos artísticos/ser um exímio pintor, intelectuais/ser brilhante, físicos/ser belo e financeiros/ser rico expulsas para o objeto deificado. Sua idealização se associa ao horror e a persecutoriedade de ter representações de seu valor sequestradas de si. Seu horror a seu desejo é a contraparte de seu fascínio pelo objeto idealizado, implicando a perda de representações de seus melhores atributos. Por conseguinte, ele mantém seu ódio aos pais internos e bloqueia o fluxo de novas representações, fazendo com que seu desejo não possa ser realizado - em seus aspectos mais profundos e essenciais. Na análise do trauma do absoluto, uma representação acompanhada de intenso ódio e horror precisa chegar à consciência, para o sujeito integrar representações outrora projetadas no objeto idealizado. Sendo assim, ele pode dar uma virada em sua vida psíquica, quando as representações de ser desastrado pode se transformar em ser habilidoso, ser incompetente pode mudar para ser competente, de modo a atualizar seu desejo no presente (Almeida, 2011).

Os fãs e seu sofrimento psíquico

Em se considerando os processos psicológicos do fã quanto ao ídolo, sua idealização significa alçá-lo a um patamar de amor, valor, talento e perfeição irreais e sobre-humanos. No plano narcísico, o fã se identifica com o ídolo e projeta nele seu desejo, ideais, traumas e bloqueios emocionais. A fusão de seu eu com o do ídolo envolve a busca de completude e ‘preenchimento' de seu vazio por ele. Ele se destitui de representações de características, que ele projeta como grandiosas e maravilhosas no ídolo - super talentoso, super adorado por milhões de pessoas, vivendo uma vida perfeita. Por sua vez, o fã pode sentir ser um nada, sem valor, sem espaço no mundo e relegado a ser anônimo para sempre. Seus processos psíquicos marcam a confusão entre a dimensão imaginária e real da vida, entre o eu e o outro, bem como entre infância e vida adulta (Almeida, 2011).

Os ídolos e seu sofrimento psíquico

Para se estudar os processos psicológicos de três ídolos, inicia-se com as biografias de Chester Bennington/vocalista do Linking Park e Chris Cornell/ex-vocalista do Soundgarden. Suas biografias são atravessadas pela grande amizade entre eles e acrescidas de informações advindas de entrevistas concedidas por eles. A seguir, a biografia e a autobiografia de Marlon Brando são analisadas.

A mãe de Chester era enfermeira, enquanto seu pai era um detetive da polícia, que trabalhava com abuso sexual infantil. Chester se interessou por música desde criança. Ele foi abusado sexualmente por um homem mais velho dos sete aos treze anos, mas não pediu ajuda por temer que pensassem que ele era gay ou mentiroso. Seus pais se divorciaram quando ele tinha onze anos e seu pai ganhou a custódia. Ele usou álcool, maconha, cocaína, ópio, metanfetamina e LSD. Teve vontade de fugir e matar pessoas, mas desenhou quadros e escreveu poesias e canções. Aos 17 anos, ele foi morar com a mãe e proibido de sair de casa, dado o uso de drogas. E, no ensino médio: ‘Fui agredido como uma boneca de pano, por ser magro e parecer diferente’ (Costantino, 2022).

Começou a escrever e a cantar para partilhar sentimentos que o atormentavam e envolveu milhões de fãs na história da sua vida, ao criar o Linkin Park. Em 1996, ele casou com sua primeira esposa e ficou sóbrio até o divórcio, nove anos depois em 2005. A separação não amigável o levou ao fundo do poço. Nem o segundo casamento em 2006, o levantou. Sua segunda esposa enfrentou com ele diversos episódios de excessos com bebida e drogas. O desejo de se reerguer e combater seus impulsos autodestrutivos inspirou One more light, álbum que revela sua busca por uma música menos raivosa e mais leve. Porém, ele sofreu duras críticas dos fãs, que acusaram a banda de ter se vendido para o pop, após o álbum ter atingido o topo da Billboard 200 (Costantino, 2022).

Há tempos, ele falava abertamente sobre sua batalha contra a depressão e a dependência de drogas e álcool, na fase mais turbulenta dos 41 anos. Ele caiu nas graças do público, embalado por suas composições permeadas de dores, angústias e sofrimento. Dada a morte de Chris Cornell, ele cantou Hallelujah em seu funeral. Em sua carta a ele: ‘Estou chorando de tristeza e de gratidão por ter compartilhado momentos especiais com você e sua linda família. Você me inspirou tantas vezes de várias maneiras, que você não consegue imaginar. Seu talento era puro e incomparável. Sua voz era alegria e dor, fúria e perdão, amor e coração partido. Suponho que sejamos todos assim. Não consigo imaginar um mundo sem você nele. Rezo para que você encontre paz na próxima vida. Envio meu amor para sua esposa e filhos, amigos e família. Obrigado por me permitir ser parte da sua vida. Com todo o meu amor, seu amigo, Chester Bennington’. Por fim, ele se suicidou no 52º aniversário do amigo. Após sua morte, os fãs agradeceram suas letras nos períodos difíceis de suas vidas (Cerioni, 2017).

Sobre sua depressão: ‘Minha vida toda, eu só senti um pouco. Eu me vejo pego por padrões de comportamento presos em minha cabeça, dizendo sempre que aqui é um bairro ruim. Eu não devia andar sozinho. Estou meio que enfrentando problemas com isso, sabe? Estou voltando a velhos hábitos, antigas maneiras de agir, perdi pessoas muito próximas rapidamente. Estava tendo dificuldades em todos os meus relacionamentos, não apenas em casa, mas com meus amigos e até comigo mesmo, tudo estava complicado e difícil ao mesmo tempo. Só queria fazer o que quisesse, quando quisesse, sentia que podia dar um jeito nisso e funcionava às vezes, mas quando quebrei a perna de maneira grave, a situação mudou, não era uma fratura simples, que se curaria em oito semanas. Foi uma quebra séria, que exigiu uma cirurgia reconstrutiva e outras cirurgias. Isso piorou minha depressão e percebi que se não posso fazer todas as coisas, se tudo não estiver perfeito e funcionando exatamente como deveria, se algo saísse dos trilhos, tudo desandaria. Foi quando um amigo e meu padrasto morreram de câncer e minha perna quebrada exigiu um ano de reabilitação, comecei a beber novamente, me envolvi em coisas loucas. Era um esgotamento, em que eu pensava que se dane o mundo, que se danem todos vocês, não me importava com mais nada, nada me fazia feliz, eu não gostava de ninguém, eu não queria ser mais ser humano (Maiato, 2023).

Nesse escrutínio da vida psíquica de Chester, cabe atentar para a música Crawling/Rastejando. Ela representa seu transtorno depressivo, que se retroalimentava com a ingestão exagerada de drogas e álcool. Dentre as frases sobre seu sofrimento, destacam-se: rastejando em minha pele, feridas que não vão curar, meu medo é que me faz cair num desconforto eterno, numa falta de autocontrole sem fim. Essas frases se aproximam das frases que contêm representações mentais e afetos do trauma do absoluto, quando o paciente enuncia: minhas feridas psíquicas nunca vão curar, meu sofrimento é eterno, eu tô preso numa queda sem fim e meu ódio, meu horror e meu medo são enormes.

Chris Cornell era filho de um farmacêutico católico e de uma contadora judia: ambos alcóolatras. Ele e os irmãos trocaram o sobrenome do pai pelo sobrenome de solteira da mãe, após o divórcio. Na adolescência, ele era solitário, teve ansiedade e depressão, abandonou a escola e quase nunca saía de casa. Aos doze anos, ele experimentou álcool, maconha, LSD e remédios controlados. Ele os usou até os dezesseis até se tornar um músico profissional. Seu talento foi elogiado por Axl Rose, Alice Cooper e Eddie Vedder. Ele foi indicado várias vezes para o Grammy Award e outros prêmios, tendo ganho alguns deles. Ele era um artista engajado, preocupado e sensível. Apoiou causas sociais e participou de campanhas, que visavam garantir igualdade, paz e liberdade. Ele se associou a organizações de caridade, nas áreas de educação e direitos da criança. Ele criou uma fundação para proteger crianças vulneráveis e pobres. Ao mesmo tempo, as drogas, o álcool, a ansiedade e a depressão o acompanhavam quase o tempo todo. Ele estava num dos melhores momentos de sua carreira, quando se suicidou.

‘Sobre sua depressão: ‘Eu sei o que é ter tendências suicidas. Ninguém sabe como é se sentir no fundo do poço. O cara está lá e acaba pendurado pelo pescoço numa corda. Eu vim de uma infância onde passei muito tempo sozinho, muito tempo apenas vivendo com a minha imaginação e certa dose do mundo adulto foi meio alienante. Eu não me sentia confortável com as pessoas; Eu sempre fui um garoto difícil. Quando eu era pequeno, eu gostava de desaparecer por horas em qualquer floresta ao redor de Seattle. Eu sabia que meus pais iam se irritar, mas eu não me importava’. De castigo, ele assistia Popeye e desenhos animados japoneses. ‘A primeira vez que ouvi os Beatles, eu soube que havia encontrado minha vocação na vida. Eu irritei muito [meus pais] ao passar minha infância batendo nas coisas. Nunca pensei que eles me dariam uma bateria em um milhão de anos. Quando eu tinha quinze anos, minha mãe quase desistiu de mim, mas ela percebeu que eu tinha interesse por algo além de drogas e crime. Minha mãe salvou minha vida quando comprou uma bateria pra mim. Duas semanas depois, eu estava na minha primeira banda. Minha mãe ficou em êxtase porque foi a primeira coisa que fiz, que não era ilegal ou problemática’ (Brannigan, 1996).

Sobre sua banda Soundgarden ser adorada por milhões de pessoas. ‘É estranho, especialmente a maneira como as pessoas olham para você, às vezes. Eles têm aquela aparência louca e vítrea de olhos arregalados, como se sua cabeça estivesse prestes a girar 360 graus e começar a vomitar projéteis. Somos todos um pouco desajeitados socialmente em nossa banda e embora estejamos mais confortáveis com os fãs agora, ainda é estranho e um pouco surreal. [] Sempre fui muito antissocial e ser relativamente famoso só me deu uma desculpa para sair ainda menos’ (Brannigan, 1996).

Sua experiência com PCP junto com a falta de apoio levou a ataques de pânico: ‘E, claro, eu não estava contando a verdade a ninguém. Não é como se você fosse ao seu pai ou ao médico e dissesse: fumei PCP e estou passando mal. Então me tornei mais ou menos agorafóbico, porque tinha flashbacks. Dos catorze aos dezesseis anos, eu não tive amigos. Fiquei em casa a maior parte do tempo. Eu não fui encorajado a ser eu mesmo. Fui teimoso, porque meus pais tinham seis filhos pra ficar de olho. Quando se trata de mundos imaginários que ajudam os compositores, esse tipo de liberdade ajudou, mas sempre foi temperada por muitos adultos decepcionados comigo. Os fãs investem muito em grupos dos quais escolhem ser fãs. É identificar-se com alguém, que pode ser poderoso na vida. A sensação de que você é verdadeiro consigo mesmo se traduz, quase sempre, no seu público. Esse ponto principal soa verdadeiro para nós, é inspirador e mantém os fãs inspirados. Estou definitivamente orgulhoso disso (Lynskey, 2017).

Sally Gross da Universidade de Westminster estudou o fato de os músicos serem três vezes mais propensos à depressão do que outros profissionais. A relação entre a expectativa e a realidade causa enorme frustração. Muitos estudaram durante anos para se tornarem bons músicos, mas suas condições de trabalho são precárias e instáveis. Ficar longe de casa por meses ou ficar semanas parado aumentam a pressão e a ansiedade. E a pressão da mídia e das redes sociais são fortes na indústria fonográfica (Cerioni, 2017).

A seguir, passa-se a refletir acerca da vida psíquica de Marlon Brando/grande ídolo dos anos cinquenta, belo e atraente segundo homens e mulheres, um dos maiores atores de todos os tempos e uma das cem pessoas mais influentes do século XX, de acordo com a revista Times de 1999. Contudo, na biografia de Forestier (2014), seu sofrimento psíquico parece advir do legado de sua família. Seu pai era autoritário, agressivo, frio e infiel transando com prostitutas, ao passo que sua mãe era alcoólatra, infiel e fracassada como atriz. Ele buscava a mãe bêbada nos bares e na cama de estranhos. Contudo, sua mãe reunia a família em torno do piano e cantava, estimulando seu gosto pela arte e seu respeito pela natureza. Desse berço psíquico marcado pelo abandono dos pais e da babá, adveio seu desejo de ser amado, ser elogiado, sua sensação de ser solitário, ser autoafirmativo, ser competitivo com homens que pareciam mais viris do que ele e ser desconfiado das mulheres. Ser revoltado e ser insubmisso na escola, no exército e na indústria cinematográfica constituem uma possível reedição de sua relação conflitante com seu pai - incluindo ser conquistador de vários atores famosos.

De seus conflitos com sua mãe parecem decorrer seu desprezo e sua humilhação das mulheres com quem transou: de belas atrizes a garçonetes. Além do mais, o estilo sexual de seus pais se infiltrou na relação do astro com seu corpo. Ele é descrito como um predador sexual, com problemas de higiene, de obesidade mórbida e notória decadência física no final da vida. Dentre seus quinze filhos - uma filha se enforcou e outro filho foi preso por matar o cunhado. Os demais estavam espalhados pelo mundo, muitos sem contato com ele. Todavia, engajou-se em causas sociais em defesa das minorias - negros e índios norte-americanos - ajudou a Unicef e criou uma produtora para realizar filmes de cunho social.

Em sua autobiografia, suas frases são lapidares:

‘A maioria das minhas memórias de infância de meu pai são de ser ignorado e negligenciado. Nunca fui recompensado por um comentário, um olhar ou abraço dele. Eu era seu homônimo, mas nada do que fiz o agradou ou o interessou. Ele gostava de me dizer que eu não conseguia fazer nada certo. Ele tinha o hábito de me dizer que eu nunca faria nada de valor; Percebi que precisava perdoar meu pai, senão passaria o resto da minha vida na armadilha do meu ódio e da minha angústia, perdoei a ele e a mim, mas perdoar com a mente nem sempre é fazê-lo com o coração; Nos últimos anos, descobri uma parte de mim limpa, pura e correta e que esteve escondida, desde que eu era criança’.

‘Ninguém me diz o que fazer. Isso é exatamente como me senti a vida toda; Quase a vida inteira precisei parecer forte sem sê-lo e o que eu mais desejava era controle; Vi um caracol rastejar ao longo da ponta de uma navalha. Esse é o meu sonho. Esse é o meu pesadelo. Rastejando, deslizando ao longo do fio de uma navalha e sobrevivendo’.

‘Com as mulheres, tenho uma longa vara de bambu com uma alça de couro na ponta. Eu coloco o laço em volta do pescoço delas, para que elas não possam fugir ou chegar muito perto: como pegar cobras; Nunca fui feliz com as mulheres; Eu valorizo cada mulher pelo que ela tem a oferecer, seja charme, beleza, inteligência ou humor, mas calor é a qualidade que mais valorizo. Sobre sua mãe: A angústia que a bebida dela produzia era que ela preferia ficar bêbada a cuidar de nós; Quando ela bebia, seu hálito adquiria uma doçura que não consigo descrever. Era um casamento estranho, a doçura de seu hálito com o meu ódio de ela beber’.

‘Suponho que a história da minha vida é uma busca de amor, mas mais do que isso, fui à procura de um caminho próprio para a reparação dos danos, que sofri desde o início; Se você nunca conheceu o amor, não sabe como é ou como parece, você o procura nos lugares mais improváveis; Passei a maior parte da minha vida com medo de ser rejeitado e acabei rejeitando a maioria das pessoas que me ofereceu amor, porque não conseguia confiar nelas; Talvez você esteja desesperado por amor. Mas você desconfia das pessoas. Existe alguma coisa nelas que assusta, que é perigosa, que vai machucar? Muita gente morre de medo de amar; Quanto mais sensível você for, mais certeza terá de ser brutalizado, desenvolver crostas e nunca evoluir. Nunca se permita sentir nada, porque você sempre sente muito; Quando se é um filho indesejado, procura-se uma identidade que pareça aceitável; Procurei algo que desse sentido a minha vida, que considerava vazia’. Ao fim da vida, ‘graças à terapia e à meditação, consegui enfim ajustar as contas com meus fantasmas internos. Os momentos de paz em minha ilha são mais felizes do que todos os anos em Hollywood’ (Brando e Lindsey, 1994).

Discussão

Ao se traçar paralelos entre os processos psicológicos de Chester e Chris, ambos foram grandes vocalistas e grandes compositores, que expressavam suas fúrias e angústias por meio da música. Ademais, eles foram muito bem sucedidos, famosos e reconhecidos como talentosos por músicos e pela indústria fonográfica. Eles tiveram infâncias sofridas, tinham depressão, recorriam a drogas e álcool, sentiram-se atraídos pelo crime, mas encontraram na música um caminho para aliviar seu sofrimento. Eles se enforcaram, conquanto detivessem vários atributos valorizados na cultura - talento, sucesso, fama, dinheiro e reconhecimento público, que delineavam uma vida supostamente perfeita.

Quando se atenta a biografia de Chester, ressalta-se que seu pai trabalhava com abuso sexual infantil, mas não percebeu que o filho era abusado sexualmente; tampouco sua mãe, que lidava com o corpo dos pacientes, percebeu o abuso sexual. Seu desejo de fugir e matar pessoas foi sublimado por meio de desenhos, poesias e canções. Ao escrever e cantar, compartilhando seu sofrimento psíquico, envolveu milhões de fãs em sua história de vida. Após o divórcio e sob a tutela do pai, ele começou a usar álcool e drogas. No primeiro casamento ficou sóbrio por nove anos. Portanto, a separação dos pais e da primeira esposa deflagrou o uso de álcool e drogas. Sua tentativa de se reerguer, superando seus impulsos autodestrutivos, foi criticada pelos fãs. Contudo, eles agradeceram suas músicas durante seu funeral.

Quanto as suas frases: ‘minha vida toda, eu só senti um pouco’ remete a ser anestesiado visando diminuir sua dor psíquica. No entanto, padrões presos em sua mente alertam sobre ele ser desprotegido e ser desamparado: ‘num bairro ruim, em que eu não devia andar sozinho’. Frente ao suicídio do amigo, suas palavras delicadas revelam sua idealização: seu talento puro e incomparável. A voz do amigo era interpretada de forma paradoxal: alegria e dor, fúria e perdão, amor e coração partido. ‘Não consigo imaginar o mundo sem você’ prenunciou seu suicídio. Em ‘meio que enfrentando problemas’, ele atenuou seus graves problemas, mas a frase foi contraposta por ‘estou voltando a velhos hábitos, a coisas loucas’. Parece que a separação dos pais, a tutela do pai e a falta da mãe foram vividas como perdas/rupturas. Nesse ponto, dificuldades em todos relacionamentos suscitaram o desejo de viver de seu jeito, sem considerar o outro. ‘Se não posso fazer todas as coisas, se tudo não estiver perfeito e funcionando exatamente como deveria, tudo desandaria’ revelou o desejo de perfeição e de controle rígido, juto com a perda do controle - dadas as perdas, quebras e rupturas. Quando um amigo e o padrasto faleceram de câncer e sua perna quebrou, aumentaram suas perdas e sua depressão. Então, ele esgotou sua energia de ligação com a vida: ‘que se danem todos vocês, nada me fazia feliz, eu não gostava de ninguém, eu não queria mais ser humano’. A música Crawling parece remeter à sensação de ser estuprado: rastejando em minha pele, feridas que não vão curar, meu medo é que me faz cair num desconforto eterno, uma falta de autocontrole sem fim’. Seu sofrimento psíquico eterno era vivenciado como além do tempo real de vida e se entrelaçava à falta infinita de controle (Almeida, 2011).

No tocante a biografia de Chris Cornell, seus pais eram semelhantes quanto a dependência de álcool e diferentes em termos de religião - favorecendo grandes conflitos. Ser solitário e estar desconfortável com as pessoas sinalizavam a falta de ser parceiro dos pais e dos irmãos. Dos doze aos dezesseis, ele passou a ser dependente de álcool e drogas. Desaparecer por horas parece apontar seu desejo de ser irritante e de ser punido pelos pais. Deixar o filho de castigo - assistindo desenhos - é uma forma tradicional de lidar com sua desobediência. Porém, sua mãe percebeu seu interesse para além de drogas e crime. ‘Nunca imaginei ganhar uma bateria em um milhão de anos’ conotava ser impossível realizar seu desejo. Ser solitário na experiência com PCP se associou a ser desamparado - dada a falta de apoio familiar - ser alienado de seu eu autêntico e a ser decepcionante junto aos adultos, restando-lhe ser imaginativo ao lidar com o mundo adulto alienante. Todavia, ser bem sucedido, ser talentoso, ser competente, ser famoso e ser reconhecido marcaram sua carreira. Primeiramente, sentiu ser estranha a idolatria dos fãs, mas depois sentiu ser verdadeiro e estar orgulhoso de si junto a eles. Em meio a isso, ele pode ser sensível para com as crianças em dificuldades (Almeida, 2011).

Chester e Cris não se colocavam na posição de ídolos e a relação que seus fãs mantinham para com eles parece indicar uma interação parasocial. Nesse sentido, Hartman (2016) afirma que a interação parassocial é o sentimento de ilusão do fã, que crê estar numa interação social recíproca com o ídolo. O fã pensa haver uma interação real entre eles, ainda que se trate de uma interação unilateral ou parasocial.

Com relação a Marlon Brando, junto com a herança genética de sua beleza, adveio uma herança psíquica trágica. A sexualidade de seus pais fora do casamento e sua falta de afetividade - no sentido de amor, carinho, proteção e aconchego - deitaram raízes na relação de Marlon com o outro em sua vida adulta. Em sua autobiografia, ele sentiu ser ignorado e ser negligenciado por seu pai. O prazer de seu pai ao dizer que ele fazia tudo errado no presente foi estendido para o futuro como desprazer, de forma repetida e inquestionável - mediante o nunca. Contudo, ter que perdoar o pai, para se livrar da armadilha do ódio e da angústia, implicou perdoá-lo mais no plano teórico e superficial, do que no plano do perdão emocional mais profundo, que demandaria mais análise. ‘Ninguém me diz o que fazer’ parece referir que apenas ele ditava para si o que fazer, mas essa suposta autonomia se apresentava em oposição aos conflitos com os pais, incluindo sentir ser fraco e sem controle de sua vida na infância. A partir daí, a frase sobre o caracol rastejar na ponta de uma navalha parece referir ao fato de ele se colocar em situações de risco entre estar vivo e estar morto, entre estar inteiro e estar aleijado - para ser sobrevivente: muito desejado, mas terrível. No que tange às mulheres, sua metáfora faz referência a elas serem perigosas e traiçoeiras, merecendo ficar presas numa situação sem saída. Em contraste com isso, ele valorizaria cada mulher pelo que ela podia oferecer, mas o calor humano é o que ele mais valorizava. Com respeito à sua mãe, ele sentiu ser preterido em relação a bebida e seu hábito de beber envolvia uma odiada doçura indescritível. Entretanto, sua compulsão sexual e sua vida vazia parecem esconder o vazio de amor, carinho e valor advindos dos pais. Seu desejo de ser amado alçado ao patamar de ser impossível o levou a buscá-lo nos lugares mais improváveis, inclusive por seu intenso medo de medo de amar e ser rejeitado. Ser rejeitador de pessoas que podiam amá-lo atrelava-se a ele ser desconfiado do amor feminino, dada sua mãe e sua babá abandonadoras e traiçoeiras. Seu paradoxo mental era: nunca se permita sentir nada, porque você sempre sente muito. Faltou-lhe poder ser autêntico junto aos pais, dada sua busca por uma identidade que pudesse ser aceita por eles. Por fim, pode ter certa paz e ser feliz em sua ilha muito mais do que ao ser grandioso, de modo ilusório em Hollywood (Almeida, 2011).

A vida dos três ídolos retrata a identidade como ligação psíquica entre o sujeito e seus objetos: objetos pretéritos da infância/objetos primários/pais e objetos atuais da vida adulta/objetos secundários/pares. O sujeito e seus objetos são investidos por amor e ódio - com diferentes intensidades- na infância e na vida adulta (Almeida, 2011). Essa concepção se aplica inclusive aos fãs, pois os desejos, as ansiedades e as inseguranças das pessoas encontram expressão na mídia, retratando as tendências de crise subjacentes à fachada ideológica de uma sociedade de consumo feliz e segura (Kellner, 2001).

Considerações finais

Tendo-se em vista a relação entre identidade, cultura e conexão fã ídolo, percebe-se que a identidade é formada, fundamentalmente, na família. A despeito da mídia na cultura contemporânea, muitas vezes, enfatizar o glamour, o poder, a sensualidade e a vida maravilhosa do ídolo, em sua psique vigora a formação de sua identidade na família. No caso dos três ídolos e dos fãs dos níveis intenso-pessoal e limítrofe-patológico, prevalece seu sofrimento na família. Seja no caso dos ídolos, seja no caso dos fãs, uma boa análise pode ajudá-los a se amarem, se valorizarem e se reconhecerem como pessoas especiais para si mesmos, primordialmente. Dessa maneira, ressignificam os sentidos negativos atribuídos a eles, por vezes, em suas famílias de origem.

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Maria Emilia Sousa Almeida
Enviado por Maria Emilia Sousa Almeida em 23/10/2023
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