As vivências do sublime e do horror nos domínios psíquicos
‘o mais importante e bonito, do mundo, é isto:
as pessoas ainda não foram terminadas –
vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.’
Guimarães Rosa
Introdução
Este capítulo se propõe a discutir as vivências do sublime e do horror no universo psíquico, tanto no âmbito teórico quanto no clínico - com base na psicanálise.
No âmbito teórico, a princípio, essas noções são pensadas conforme suas acepções nas obras de filósofos, de psicanalistas, em hipóteses de trabalho e proposições da autora. A seguir, recortes do cotidiano que retratam essas vivências visam ampliar essa discussão. Na arena clínica, um caso permite examinar a mudança psíquica da vivência do horror para a do sublime, no trauma do absoluto. Sendo assim, o sublime e o horror adquirem conotações específicas nesse trauma.
O sublime e o horror na filosofia, na estética e na literatura
Na história do conhecimento humano, o sublime é abordado pela filosofia, pela estética, pela literatura e pela teoria da arte, há longo tempo.
Na teoria da arte, o sublime é diferenciado do belo e do grotesco. Na estética, o horror é discutido quanto à atração das pessoas por filmes de terror (Araújo, 2015).
Na literatura, Hertz (2005) considera que os personagens de grandes autores são suplentes autorais - cruciais para a criação do sublime e da grande arte. Os suplentes autorais remetem às figuras da literatura, da filosofia e da psicanálise: emblemas da escrita. Eles funcionam como duplos ou bodes expiatórios, representando as pressões do superego e as pressões intoleráveis vividas pelos autores. A semelhança autobiográfica entre autor e personagem/suplente pode envolver a identificação com uma ideia/tema/suplente/musa, a identificação com um ego-ideal heroico.
Na filosofia, Longino identifica como fontes do sublime: a elevação do espírito para se formular concepções elevadas; o afeto veemente e cheio de entusiasmo, que provoca paixões inspiradas e a composição de forma magnífica, digna e elevada. As emoções são o ponto principal do sublime, porque não há tom mais elevado do que o da paixão genuína. Burke distingue o conceito do sublime - associado ao infinito, à obscuridade, à solidão e ao terror - do conceito do belo - relativa pequenez, delicadeza, suavidade e luminosidade das cores. Como o terror é o princípio comum ao sublime e surge diante da ameaça à vida, há relação entre o sublime e a morte, da qual deriva um tipo particular de prazer. Em Kant, o sublime mistura prazer e dor frente a algo de grande magnitude, articulando-se à representação do irrepresentável (Araújo, 2015).
O sublime e o horror em psicanálise
Em psicanálise, o horror foi examinado próximo à virada conceitual de 1920. As ideias freudianas sobre o horror foram reunidas a outras ideias sobre a estética. Pois, o sublime e o horror são parte da experiência estética, sem se restringirem a ele. A relação da psicanálise com a experiência estética foi pensada a partir de três noções. A concepção de abjeto foi proposta por Kristeva (1980), décadas depois. Posteriormente, outros autores investigaram o sublime.
Freud (1919) descreve a relação entre o estranho, o assustador e aquilo que provoca medo e horror. O estranho se associa com certo material psíquico familiar: conhecido e desconhecido. A seguir, Freud (1922) aponta que o horror ao feminino e aos genitais femininos aparece na mitologia, na literatura e nas artes plásticas. Assim sendo, na mitologia grega, a cabeça decepada de Medusa desperta horror.
Uma primeira noção de estética se anuncia em 1905, ligando o prazer e o senso estético. Freud afirma que quando o aparato psíquico não está voltado para a satisfação de impulsos, ele trabalha por prazer - condição primordial da manifestação estética. Sua segunda abordagem acerca da estética ocorre em 1919. Nesse trabalho, Freud não restringe a experiência estética ao belo, mas a considera como doutrina das qualidades dos sentimentos humanos. As exposições estéticas tendem a se ocupar do belo, grandioso e atraente, dos sentimentos de tom positivo e dos objetos que os despertam. Porém, a experiência estética abarca sentimentos repulsivos e desagradáveis. Sua terceira formulação aparece em 1930. Nela, Freud diferencia a satisfação propiciada pela fruição da arte e a satisfação gerada pela contemplação do belo: a beleza das formas e dos gestos humanos, dos objetos naturais, das paisagens, das criações artísticas e científicas. Ele distingue o prazer proporcionado pelas obras de arte - não necessariamente belas - do prazer suscitado pela beleza, fora do campo da arte. Portanto, ocorreram várias transformações nessa noção no decorrer da obra freudiana.
Para Kristeva (1980), a abjeção ou o horror abarcam conteúdos que diferem daquilo que é aceito, subvertendo a ordem social. Paradoxalmente, ele exerce forças tanto repulsivas quanto atrativas no sujeito. Ele inclui pessoas alienadas da sociedade: imigrantes, negros, homossexuais, transexuais, criminosos, doentes mentais.
Civitarese (2017) situa a teoria psicanalítica da sublimação e a teoria estética do sublime como teorias da subjetivação. A experiência estética na arte e na prática psicanalítica está relacionada com a constituição social do indivíduo, no nível pré-reflexivo, não verbal ou intercorporal. Graças ao encontro com o outro receptivo, as turbulências das sensações e das proto-emoções se tornam ritmos tranquilizantes, proto-ideias e ideias sensíveis e, a seguir, conceitos - quando as palavras são adicionadas. O processo intersubjetivo de elevação rumo ao pensamento conceitual, sem se separar do pensamento ligado ao corpo, justifica definir seres humanos como sujeitos sublimes.
Gaitanidis (2020) advoga que a noção do sublime é geralmente associada ao extraordinário, mas vivências intrapsíquicas, vivências excepcionais como a elação e a exaltação, bem como a alta cultura fazem parte dessa experiência.
O sublime evoca uma resposta humana comum, com elementos interpsíquicos e dos meios de comunicação, com potencial terapêutico e político. O sublime é imanente à vida cotidiana, fonte de energia e inspiração, que fornece suporte para a saúde mental e o bem-estar. Ele permite recriar e curar a si mesmo, acima e além de qualquer forma de realidade.
O sublime e o horror no trauma do absoluto
No trauma do absoluto, o ódio articula-se a seus contrapontos afetivos: o horror e o medo. O ódio, o horror e o medo consistem em afetos indissociáveis desse trauma. Neste, o ódio se manifesta em toda sua magnitude e o horror constitui um desdobramento dele, ao retornar ao estrato consciente do sistema. O ódio e o horror tendem a se impor contra o amor e se associam ao medo de amar. O horror remete à mescla confusa e indiscriminada entre o ódio, o medo e a repulsa ao objeto. Complementar ao ódio, o horror aos vínculos amorosos provoca distância emocional do objeto, descrença nos vínculos, culto à solidão, monotonia derivada de uma vida afetiva restrita, falta de sentido para a vida e falta de perspectiva de futuro (Almeida, 2021).
Tal intercâmbio operacional entre ódio e horror no sistema - afetos simétricos complementares - dialoga com as formulações de Green. Para o autor (1998a), as operações relativas a eles são: reinversão em seu contrário, formação de afetos simétricos - opostos ou complementares - e inibição ou supressão de afetos. Além disso, de acordo com Green (1998b), a clínica psicanalítica remete às falhas da atividade representação, à estase da análise e ao irrepresentável. A esse respeito, Freud (1920) afirma que o trauma não pode ser representado. Porém, a temática do trauma ultrapassa as fronteiras da teoria freudiana, situando-se nas origens do psiquismo, nos limites do analisável e da representação (Lejarraga, 1996).
No tocante ao trauma do absoluto, sua irrepresentabilidade inicial dá lugar às suas representações e afetos, mediante a análise. As falhas representativas do sistema representacional - devido a esse trauma - retratam os desafios da psicanálise quanto à representabilidade. Porém, com a análise, a vivência do horror tende a dar lugar à repulsa - estado afetivo mais elaborado que o horror. Com a evolução da análise, o horror pode ser substituído pelo sublime (Almeida, 2021).
Diferenciação entre as vivências do sublime e do horror
Dando continuidade à reflexão sobre essas vivências no mundo mental, faz-se necessário pensar o horror e as diversas situações que o provocam. De modo geral, infortúnios que atingem o corpo humano geram horror: ver alguém ser queimado vivo; ser queimado vivo; perceber a decadência do corpo ao longo dos anos; ficar preso a uma cama, no caso de uma doença crônica; observar as alterações brutais das funções do corpo, como no caso de se vomitar fezes; ver uma deformidade física grave; presenciar uma tortura; ser torturado e trair os próprios princípios, entre outros. Obviamente, adversidades que atingem o cérebro e a mente também podem produzir horror: Alzheimer, Parkinson, demência, transtornos psiquiátricos graves, entre outros.
Ao se enfocar o sublime, retoma-se sua relação com a sublimação a partir da segunda teoria pulsional - dada sua complexidade. Conforme Freud (1915), a sublimação consiste num destino da pulsão, que permite o desvio das pulsões sexuais para um alvo não sexual, abarcando as atividades valorizadas em sociedade.
Perante essas ideias freudianas, a noção do sublime não está ancorada numa visão simplista da sublimação. Não se trata de pensá-la exclusivamente como substituição de uma satisfação sexual por outra não sexual, de modo a se adequar às exigências civilizatórias. Para além de sua adequação à cultura, o sublime e seu valor na psique abrange a elevação dos sentimentos, das atitudes e do comportamento.
Feito esse esclarecimento, propõe-se uma leitura do sublime, que ressalta a ideia de valor do sujeito e de seu objeto.
Para ser consolidada no horizonte psíquico, a vivência do sublime depende de sua aliança com outros elementos mentais. Dentre eles, encontra-se: o reconhecimento de seu próprio valor, por parte do sujeito; o reconhecimento do valor do objeto; a capacidade de se admirar e de se orgulhar de si mesmo; a admiração do objeto - em oposição à inveja dele - e a capacidade de lidar com diferenças entre si e os objetos em vários planos - beleza, idade, posição social-financeira - sem se desvalorizar.
A capacidade humana de reconhecer e expressar o valor, o mérito e a competência de seus pares pode ser retratada por meio do elogio. O reconhecimento do valor do outro, sem que o sujeito se sinta destituído do seu valor, depende de seu narcisismo construtivo, de seu orgulho saudável quanto às suas habilidades, da aceitação de seus limites e da ligação amorosa com o objeto. Em oposição a isso, a crítica destrutiva ao outro pode evidenciar, no sujeito, desejo de superioridade como compensação de sua inferioridade, necessidade de depreciar o objeto e desejo de destruí-lo. Por outro lado, a admiração de certo atributo do objeto que o sujeito valoriza - mas não detém ou detém em um grau menor do que gostaria - depende do reconhecimento consciente desse desejo, de sua dedicação para realizá-lo, da elaboração da possível frustração e de sua compreensão de limites - próprios ou da realidade - para efetivá-lo. A habilidade de se lidar com as diferenças - entre si e as demais pessoas -depende da consciência clara de seu valor e de sua estabilidade psíquica, que lhe permite perceber o valor do outro. Assim, a vivência do sublime se manifesta quando se valoriza o objeto, ainda que ele seja melhor dotado que o sujeito, em certos aspectos psíquicos, físicos ou materiais. Para tanto, o amor e a cooperação devem imperar sobre o ódio e a competição com o outro - na psique. Com relação a esse aspecto, a fusão pulsional que se refere à primazia do amor sobre o ódio - proposta por Freud (1920) - bem como os derivados do amor - dignidade, cooperação, altruísmo, doação, entre outros - favorecem essa vivência.
Como tal, o sublime diferencia-se da bondade absoluta, bem como da pureza absoluta. Desse modo, o sujeito capaz de vivenciá-lo, numa situação, pode sentir raiva e ficar indignado com o objeto, noutra ocasião. Além do mais, o sublime não é sinônimo de ingenuidade frente à raça humana. Porquanto, a capacidade do sujeito de experimentar o sublime, num dado momento, pode conviver com sua capacidade estratégica de, noutro momento, pensar a melhor maneira de lidar com certa circunstância, buscando o melhor para si, sem lesar o outro.
A experiência mental do sublime se apresenta para além da riqueza, visto que uma pessoa muito rica pode estar tão impregnada de processos, pensamentos e afetos primitivos e destrutivos, que não o saboreia. Por outro lado, o sublime do ponto de vista material-sensorial proporcionado pela riqueza - o sabor luxuriante de uma iguaria, o aroma de um perfume inebriante, a suntuosidade de um tapete - pode ser diluído pelo desejo do rico de depreciar, sobrepujar, humilhar o outro e causar inveja nele - ao exibir esses objetos para um adversário. Essas vivências carregam tal carga de ódio, de narcisismo destrutivo e de competitividade aguerrida, que mantêm seu sofrimento mental e garantem sabor de vitória com derrota.
No que diz respeito ao narcisismo destrutivo, Rosenfeld (1988) descreve a confusão entre impulsos libidinais e destrutivos, de tal forma que os impulsos destrutivos se exacerbam. À medida que eles predominam, a inveja é mais violenta e o desejo de destruir o objeto como fonte de vida é muito intenso.
Igualmente, o sublime se encontra para além das vivências altamente narcísicas do sujeito frente às honrarias imponentes e às homenagens grandiosas a ele. Nestas, ele pode receber um grande prêmio decorrente de importante reconhecimento público, em sua área de atuação. Porém, essa situação pode estar saturada por uma competitividade ácida e por uma comparação entre ele e o objeto, na qual está em jogo sua superioridade e sua inferioridade sobre ele. Essa forma de relação favorece que o sujeito ora se sinta superior ora inferior ao rival, numa constante oscilação interna entre seu valor e seu desvalor pessoal. Nesse caso, a possibilidade de vivenciar o sublime - do prêmio - é distorcida por sua raiva e sua inveja do objeto. Dessa forma, a experiência do sublime no mundo pode não se coadunar com a vivência interna do sujeito quanto a ele.
Quanto a isso, certa artista obtém um importante prêmio internacional em sua categoria, depois de longos anos de carreira. Comparada à outra grande artista - em termos de beleza e de excelência profissional - ela se reputa superior profissionalmente àquela, numa entrevista. Contudo, a outra artista detém uma projeção internacional bem maior do que a dela. Assim, apesar de ser vencedora na premiação, questões quanto a seu valor/desvalor não lhe permite vivenciar o sublime - em sua dimensão profunda.
Em contrapartida, o sublime se desvela no caso do perdão profundo, resultante de longa elaboração psíquica da dor - causada pelo outro ao sujeito. Nessa trilha, o perdão constitui uma profunda elaboração da fixação no ódio, independentemente de qualquer exortação religiosa para fazê-lo. Assim, depois de muito odiar um homem bêbado, que matou toda a sua família em um acidente de carro, uma mulher vai visitá-lo na prisão. Ele a lembra das mais de trinta cartas - que escreveu a ela - e lhe diz: ‘sinto muito’, várias vezes, enquanto conversam. Ela responde: ‘eu acredito e sei que sua maior prisão é a de dentro: de depender do meu perdão’. E acrescenta: ‘eu te perdoo e, com isso, me liberto da minha prisão’.
Ademais, o sublime aproxima-se da vivência do êxtase - em suas variantes. O êxtase intelectual pode ser experimentado por aquele que tem paixão no exercício da intelectualidade, o êxtase sexual pode emergir quando da relação com o objeto amado e muito desejado sexualmente e o êxtase religioso pode ocorrer perante a profunda comunhão do sujeito com o divino.
Essas diferenças e aproximações entre a presente concepção acerca do sublime e aquelas do ideal judaico-cristão - sobre ele - demandam precisar outras ideias. Nesse universo da experiência humana, a categoria do sublime pode ser entendida como a grandeza interior da alma, na relação com Deus. E, ainda, o sublime denota um sentimento quanto ao mistério da natureza e da criação (Hazan, 2006). Diferenciando-se dessa concepção, o sublime - considerado nesse estudo - convive com a raiva e com a capacidade estratégica do sujeito, que não se coadunam facilmente com os ideais judaico-cristãos. E, ainda, o sublime se assenta na seara da psicanálise, na qual se associa, inclusive, com o ódio e o horror.
O sublime e o horror no cotidiano
Ainda que essas vivências tenham sentidos eruditos nos campos da arte e da teologia, para pensá-los no cotidiano, recorre-se a seus significados no dicionário. Conforme o Michaelis online (2021), sublime designa: estilo nobre nas produções literárias e artísticas; grande perfeição intelectual; elevação excepcional nos sentimentos, nas palavras e nas ações. Por sua vez, o horror denota a agitação causada por algo espantoso; que causa medo, pavor, aversão e repulsa; que é medonho e sinistro.
A partir disso, novas considerações sobre o tema devem ser referidas.
O sublime no sentido de nobreza pessoal e elevação excepcional nos sentimentos, atitudes e ações - dignidade, solidariedade, generosidade, doação, entre outros - pode ser contemplado a partir de recortes de situações corriqueiras. Estas visam ilustrar essa vivência psíquica na vida cotidiana, a despeito da citação de Pellegrino (1988) de que ‘a condição humana não tem cura’. Alguns exemplos permitem ilustrá-lo.
Uma senhora muito rica recebe, para um almoço, uma prima distante - que não via há anos. O almoço transcorre em meio aos elogios dessa prima quanto à qualidade da refeição, à beleza da decoração, à beleza dos filhos da anfitriã e, ainda, quanto a um bolo delicioso, que logo acabou e que ela/prima mal pode comer. No dia seguinte, a anfitriã manda fazer o mesmo bolo e manda entregá-lo na casa da prima. Em meio ao almoço, essa prima percebe, algumas vezes, que o marido da anfitriã a está olhando e, de modo deliberado, baixa os olhos. Cerca de doze anos mais velha que a anfitriã e ainda tendo prazer de ser bonita e de ser olhada por um homem, não incentiva os olhares dele. Valoriza o possível amor entre o casal e preserva sua dignidade, ao não corresponder aos olhares e à aproximação de um homem casado. Da parte de ambas as mulheres, aparecem vivências do sublime em suas reações e seus comportamentos.
Num concurso internacional de música, apresentam-se inúmeros cantores. Em uma de suas etapas, a formação de grupos de três cantores é fundamental para permanecer no concurso. Frente a uma situação em que duas cantoras perderiam a oportunidade de continuar competindo, por falta de um terceiro membro, uma cantora de outro grupo se junta às duas. Elas podem, então, prosseguir na disputa. Numa fase posterior - mais seletiva e de maior importância no concurso - há uma vaga para a cantora referida e outra cantora. Ela vence, mas abraça a outra garota e elas saem juntas, abraçadas. A perdedora diz-lhe: ‘amo você’ e a vencedora diz-lhe: ‘continue cantando, vou ajudar você’. Além disso, a cada vez que a cantora em questão vence uma etapa, ela se dirige à família e beija sua filhinha. Sua capacidade de disputar a competição com brilho e, ainda assim, ajudar as companheiras se destaca em meio à sua historia de vida. Essa mãe solteira está se separando do companheiro. Após muitas agressões verbais e físicas, mudou-se para um abrigo de mulheres ameaçadas pelos seus consortes.
Posto isso, cabe pensar a relação entre o desamparo, o sublime e o horror. A despeito de a produção freudiana acerca do desamparo ser extensa, para os fins desse trabalho, selecionaram-se artigos efetivamente pertinentes à temática.
Quanto a isso, Freud (1895) propõe que a imaturidade biológica e psicológica do bebê leva-o a precisar do outro, de modo que o desamparo se torna central na psique humana. A fragilidade do bebê - diante das ameaças do mundo - coloca-o na total dependência de seu semelhante, responsável por cuidar dele. Anos mais tarde, Freud (1927) considera que o desamparo - na infância - desperta a necessidade de proteção -através do amor - proporcionada pelos pais. Esse protótipo infantil dessas relações nos primeiros tempos da vida é reeditado em suas relações com a civilização.
Levando em consideração que o desamparo é uma condição intrínseca ao sujeito, move-o na formação dos laços afetivos e sociais. Sendo assim, o objeto - que cuida do bebê - favorece suas representações no tocante às suas experiências de prazer/desprazer e de satisfação/frustração, associadas a amor e ódio. Dessa maneira, o desamparo coloca o sujeito diante de duas possibilidades. Por um lado, pode constituir uma condição para a autossuperação e o crescimento psíquico; por outro, ele pode paralisá-lo, enfraquecendo seus recursos internos. Na autossuperação, a potência do desamparo reside na possibilidade de o sujeito se constituir como senhor de seu desejo. Na paralisia, o desamparo é vivenciado como uma organização patológica desse desejo. Nesse caso, o sujeito não consegue responder a esse elemento constitutivo da psique, visto estar fixado na polaridade psíquica amparo/desamparo. Seu teor traumático pressupõe seu assujeitamento ao desejo do outro, dada o legado psíquico na família.
Em virtude dessa herança, o sujeito pode estar fixado ao horror do desamparo.
Nessa via, certa profissional trabalha com usuários de drogas e se envolve com um deles. Aos quarenta anos, ele não tem emprego fixo, faz trabalhos eventuais e depende sobremaneira de seus pais. Nessa sequência, seus pais acabam pagando as compras do supermercado para ele e a namorada. Em meio às suas recaídas constantes, ela o ampara dentro do possível. Contudo, eles brigam muito em face dos problemas que vivenciam. Por sua vez, ela paga uma casa financiada, mas recorre constantemente aos pais do rapaz, para pagá-la. Nessa conjuntura, ela sai de um emprego em que era concursada, apesar da grave crise do país. Não tem outro emprego nem outra fonte de renda, seguros e fixos. Deseja trabalhar com festas e voltar ao consultório, nos fundos do consultório do ‘sogro’. Sua dependência patológica dos sogros é flagrante.
Essa adulta desamparada, supostamente, ampara desamparados/usuários de drogas - dada sua profissão e racionalização de ela ser empática e solidária. Não obstante, ela está fixada no horror do desamparo, que gera, nela, atração e repulsa. Esse horror implica que ela - desamparada na infância - produza e repita continuamente o desamparo, fique sem saída, à mercê do outro, mas, paradoxalmente, ela o explora. Seus sogros deveriam estabelecer limites diante do desamparo patológico dela.
Outros recortes do cotidiano põem em relevo três histórias, nas quais o sublime, o horror e o desamparo se entrelaçam nas vivências traumáticas das pessoas.
Num certo casal, o desamparo traumático consiste em um dos elos da relação.
Na família do marido, há algumas gerações, a figura paterna desampara seus familiares. Assim, seu avô ajudava várias pessoas, em condições precárias de saúde e de dinheiro. Segundo sua filha, conquanto ele fosse muito bom com essas pessoas, esquecia-se da esposa e dos filhos. Ao se casar, ela repetiu o desamparo vivido junto a seus pais: seu marido bebia, jogava e tinha amantes, largando os seis filhos com ela. Assim, o filho desse casal - marido em questão - cresce desamparado emocionalmente por seus pais. A despeito disso, há várias facetas do sublime em sua capacidade de amparar os desamparados - crianças, idosos e animais. Traz pessoas desamparadas para uma edícula atrás de sua casa. Por um lado, desampara-se, confunde seu desamparo com o do outro a quem ajuda, tem dificuldades de impor limites a ele e sofre muito com isso. Tem dificuldades de cuidar de si e do outro, de forma amadurecida. Por outro lado, ao se casar e ter uma filha - da qual é bastante próximo - ele busca ser o oposto de seu pai.
Na família de sua esposa, pais imigrantes trabalharam muito e amealharam um patrimônio considerável. Todavia, eles mal cuidavam das filhas, faltando-lhes expressar amor e cuidados delicados para com elas. Uma delas casa-se com o rapaz recém- referido. Busca ser uma mãe bastante presente nos cuidados em relação à filha do casal, em oposição a sua mãe. Uma amiga psicóloga alerta-a quanto a essas questões.
Nesse entretempo, o desamparo do marido irrompe e desestabiliza a família. Uma antiga namorada - com uma doença grave - pede-lhe que doe seu sêmen, para ela ter um filho. Durante alguns anos, ela cuida sozinha da criança, até ser despejada. Então, ela liga para ele e ele lhe oferece a edícula para ficar, no mesmo terreno em que mora com a família. Essa decisão revolta toda a família. Porquanto, a princípio, ele projeta seu desamparo na filha pequena e na ex-namorada, tendendo a desamparar a esposa e a filha mais velha. O casal original briga muito, mas acaba se entendendo. Em meio a isso, quando a menina vem até sua casa, sua esposa cuida dela com amor e ela ama sua ‘tia’. Esta diz que a criança nada tem a ver com a situação e, como foi desamparada pela mãe, não vai deixá-la desamparada. Esta decisão ocorre, apesar dela ter ouvido a mãe da criança dizer para visitas: ‘eu ainda vou tomar tudo que é dela’. Sua inveja e seu triunfo maníaco sobre a esposa ficam evidentes, apesar de ela e a criança estarem abrigadas na edícula do quintal do casal. Assim sendo, apesar de seu desamparo na infância, a esposa revela várias facetas do sublime para com a menina.
Em contraposição ao sublime da esposa, na intrusa, o horror ao desamparo - em sua criação - se articula a seu desejo de posse e de domínio da menina. Filha da empregada com o patrão, ela foi criada pela esposa dele - em meio a gritos, ameaças de castigo, tapas e privilégios a seus filhos legítimos. Quando adulta, ela repete o desamparo com sua filha, visto estar doente e poder não trabalhar. Sua proposta inicial consciente era cuidar sozinha da criança, sem a ajuda do doador de sêmen. Ao ser despejada-desamparada, seu trauma é reeditado e ela o enreda na função paterna. Muito culpado pelo desamparo anterior da criança e imbuído do desejo de ser oposto ao seu pai-desamparador, ele é enredado por seu próprio desamparo, pelo dela e da criança. Esta gosta muito mais da ‘tia’ do que de sua mãe e prefere ficar na casa daquela. Porém, a mãe impede a criança de ir à casa do casal, fazendo dela, objeto de seu controle. A intrusa grita: ‘eu é que mando aqui e você cala a boca’. Seu narcisismo destrutivo engloba a criança e seu pai. Pois, ela revive o horror de não ser amada e não ser importante para o outro, em sua vida adulta, tal como não o foi em sua infância. Em sua paralisia, vivencia o desamparo como organização patológica de seu desejo.
Essas histórias do cotidiano suscitam reflexões específicas acerca da intrusa.
Segundo Klein (1996), para escapar da perseguição do objeto mau e da dependência do objeto bom, o indivíduo recorre às defesas maníacas: onipotência, negação da realidade, domínio e controle sobre os objetos, depreciação e triunfo sobre o objeto e/ou à reparação maníaca, tentando fugir do sentimento de perda e de culpa. A inveja é a manifestação de impulsos destrutivos do bebê com relação ao seio materno. A mãe invejada seria possuidora do objeto bom, sendo que na inveja visa-se tomá-lo ou destruí-lo. O triunfo maníaco sobre o objeto impede o sujeito de sentir gratidão e compaixão por ele. O controle onipotente do objeto nega seu medo dele. A negação da realidade é usada ante ao medo dos perseguidores internos e externos. Na ‘intrusa’, o horror ao desamparo se liga aos objetos perseguidores internos. Incapaz de gratidão e compaixão pela esposa do doador do sêmen, ela tem inveja e visa triunfar maniacamente sobre aquela: ‘eu ainda vou tomar tudo dela’. O doador - movido por reparação maníaca de seu desamparo - no início visa amparar as duas ‘desamparadas’, desamparando sua esposa e sua primeira filha. O domínio e o controle onipotente de sua filha - pela intrusa - desvela seu medo da garota gostar mais da ‘tia’ que dela. Com o tempo, sua exploração do doador vai ficando evidente.
Estas histórias de sofrimento psíquico são perpassadas pelo desamparo, pelo horror e pelo sublime. O horror é herdado de suas famílias originais e perpetuado em suas relações familiares posteriores. Frente a isso, faz-se importante elaborar o horror do desamparo - de não ser amado, de não ser cuidado, de não ser protegido na infância - para se experimentar formas mais sofisticadas de relação com o outro, mediante o sublime. Uma análise favorece, em muito, essa elaboração.
Nesse quesito, Zimerman (2009) considera que ao final de análise, algumas mudanças psíquicas devem ocorrer. Dentre elas: mudanças na qualidade das relações objetais, integração de partes cindidas do eu, capacidade de fazer desidentificações patogênicas e realizar neoidentificações, capacidade de lidar com frustrações, elaborar perdas e fazer o luto delas, senso de identidade, autonomia e autenticidade, capacidade de reconhecer o outro como sujeito livre, com desejo próprio e diferenciado do sujeito.
O sublime e o horror na clínica psicanalítica
Nesse paciente, o trauma do absoluto atinge seu sistema representacional, de modo intenso. O método clínico psicanalítico desvela os impactos em seu funcionamento. Como esse caso clínico foi abordado anteriormente, mantem-se tão somente as informações essenciais para pensar o sublime e o horror.
Nessa narrativa, as aspas simples servem para destacar as falas do paciente. Por sua vez, o itálico ressalta suas representações e suas mudanças na análise.
Após a separação de seus pais, o paciente se sentiu profundamente abandonado, desamparado e rejeitado pelo pai, junto com ódio e horror aos vínculos afetivos. Desse modo, ser desamparado, ser abandonado e ser rejeitado foram sobre-investidas por ódio e horror em seu sistema representacional. Em contraponto a isso, seu avô paterno - ‘um grande homem com nobres valores, feminino e terno’- amenizou a aridez emocional e a distância afetiva de seu pai. Daquele, herdou os ‘melhores valores: justiça, integridade, caráter, tolerância à condição humana’. Seu orgulho de si e do avô diluía seu ‘horror à condição humana’- como em: ‘detesto ser humano’, ‘queria ser uma máquina’ e ‘tenho horror de estar preso eternamente na miséria da condição humana’.
Com certa namorada, ele reeditou seu profundo sofrimento com seu pai, prevendo ser desamparado, rejeitado e não amado por ela. Quando ele estava muito envolvido, ela desaparecia e o traía. Quando ela se machucava com outros homens, voltava para ele. Paradoxalmente, com ela, ele vivenciou fascínio - pela quebra de limites quanto a prazer sexual - e horror - ao se submeter ao seu sadismo, depender e se fixar a ela. Ser supra-humano, ser invulnerável ao amor e ser super intelectualmente visavam defendê-lo de seu horror às relações intersubjetivas (Almeida, 2021).
Nesse processo, ele sentia ‘horror ao meu desejo de ser amado’, ‘horror de estar exposto à vontade de meu pai’ e ‘horror de ser desamparado por ele’. Dado seu ‘horror infinito e inescapável’, desejava ‘ser um sábio distante e isolado numa montanha inexpugnável’. Assim, seu horror às relações intersubjetivas se desdobrou no desejo de ‘ser um clone’, ‘ser descendente de uma linhagem superior ou divina’ e ‘ser o resultado operacional de um tubo de ensaio’ - sem ligação com as células de origem. Assim, seu desejo de se autoengendrar tinha como cerne seu desejo de ser oriundo de uma geração assexuada, por não se conceber como filho de seus pais: negação de suas origens. Ele havia amaldiçoado o ato de sua geração, expulsando seu afeto sublime - amor - e vigoroso - tesão. Ao acreditar que o amor fragilizara seu eu, ele investiu de ódio a cena primária. Com isso, atingiu sua geração como ser único e elo das gerações da família (Almeida, 2021).
No final da análise, seu desejo de ser invulnerável ao amor foi superado por seu desejo de ser permeável ao ‘sublime’ das relações. Portanto, seu ‘fascínio pelo sublime’ superou seu horror às relações ruins. A integração dos conteúdos benfazejos da cena originária - amor, prazer sexual e entusiasmo com a vida - reorganizou seu sistema representacional. Na mudança do ódio e do horror para o amor e o sublime, ser desamparado, ser abandonado e ser rejeitado foram substituídas por se amar e ser autossustentado. Ser invulnerável e ser inatingível se verteram em: amar e ser amado, acolher e ser acolhido e, ainda, envolver e ser envolvido. O ódio nas representações deu lugar ao investimento de amor em novas representações (Almeida, 2011).
Por conseguinte, um importante ponto de virada na mudança psíquica do horror para o fascínio pelo sublime - no trauma do absoluto - envolveu o trabalho com a cena primária e com a fantasia de auto-engendramento. A esse respeito, Ribas (1991) diz que certos pacientes negam a cena primitiva, sua concepção por seus pais. Desse modo, contestam sua origem e lançam mão da fantasia de auto-engendramento.
Discussão
Tendo-se apresentado um conjunto de proposições acerca dessas vivências, cabe debatê-las nessa seção, de modo a se obter um amplo panorama sobre elas.
Com relação ao sublime, vários autores o relacionam com aspectos positivos. Longino designa fontes do sublime: a elevação do espírito para se formular concepções elevadas; o afeto veemente e cheio de entusiasmo, que provoca paixões inspiradas e a composição de forma magnífica, digna e elevada. Civitarese (2017) afirma que o processo intersubjetivo de elevação rumo ao pensamento conceitual, sem se separar do pensamento ligado ao corpo, justifica definir os seres humanos como sujeitos sublimes.
Gaitanidis (2020) advoga que o sublime evoca uma resposta humana, cujos elementos interpsíquicos e dos meios de comunicação tem potencial terapêutico e político. O sublime é imanente à vida cotidiana, fonte de energia e inspiração, que fornece suporte para a saúde mental - permitido recriar e curar a nós mesmos. Entretanto, dois autores se diferenciam desse enfoque. Burke associa o sublime ao infinito, à obscuridade, à solidão e ao terror, apontando a relação entre o sublime, a morte e o prazer. Em Kant, o sublime mistura prazer e dor frente a algo de grande magnitude.
A experiência mental do sublime foi definida como nobreza pessoal e elevação excepcional nos sentimentos, atitudes e ações - dignidade, solidariedade, generosidade, doação, entre outros. Nessa medida, aproxima-se da vivência do perdão profundo, assim como do êxtase intelectual, sexual e religioso. Por outro lado, ele se diferencia do mero gozo da opulência da riqueza, das vivências altamente narcísicas - honrarias e homenagens portentosas - e, ainda, da bondade e da pureza absolutas. O sublime coexiste com a raiva e o pensamento estratégico ético. Além disso, o desamparo intrínseco à condição humana coloca o sujeito diante da possibilidade de autossuperação ou de paralisia. Na autossuperação, a potência do desamparo leva o sujeito se afirmar como senhor do próprio desejo e favorece a vivência do sublime. Na paralisia, o desamparo é vivenciado como assujeitamento ao desejo do outro e propicia a vivência do horror (Almeida, 2021).
Nessa esteira, o horror se insere entre os sentimentos repulsivos e desagradáveis, diferencia-se do belo e do grotesco, tem relação com determinado material, que provoca medo e horror e, inclusive, com material psíquico familiar: conhecido e desconhecido (Freud, 1919). Surge, ainda, como horror ao feminino (Freud, 1922). Noutra leitura, situa-se para além do prazer e da ordem social, abarca grupos sociais marginalizados e atua sobre o sujeito sob a forma contraditória de atração e repulsa (Kristeva, 1980). Igualmente, situações catastróficas que atingem a mente e o corpo humanos suscitam profundo horror (Almeida, 2021).
Considerações finais
De modo geral, a vivência do sublime manifesta-se em relações em que a grandeza e a delicadeza de alma dos participantes estão presentes. No que se refere a isso, pode ser vivenciado pelo sujeito, a partir de sua capacidade de amar a si e ao outro; de se valorizar e valorizá-lo, de se identificar saudavelmente com ele, de administrar as diferenças entre si e o outro, de transcender sua visão de mundo e compreender a do outro; de prestar cuidados às várias formas de vida. E, mais, a fruição de uma obra de arte, a maestria no domínio de certa habilidade ou atividade, a devoção espiritual ao divino, a reverência e o fascínio diante da natureza permitem vivenciá-lo.
Além disso, o sublime nas relações humanas se manifesta mediante certas capacidades do sujeito: sensibilidade frente às diferenças sutis entre pessoas; reconhecimento do valor do outro, em detrimento da crítica a ele; visão global de uma situação ou processo, ao invés da atenção a um aspecto específico; foco na trajetória do outro em oposição ao foco numa falha pontual cometida por ele, ainda que grave; tendência ao bom humor, dada a elaboração de seus impulsos destrutivos; discriminação entre ideias, impulsos e situações construtivas e destrutivas; escolha consciente de um direcionamento construtivo para eles; disposição para analisar impressões, emoções e vivências internas, dissolvendo sua carga negativa; fertilidade de ideias em seu campo de atuação, com a melhora de sua produtividade e criatividade; estabilidade do sistema representacional, a despeito dos estímulos internos e externos que o impactam.
Quando resulta da análise do trauma do absoluto, o sublime tende a ser experimentado próximo ao seu final. No sujeito, ele se apresenta como profunda elaboração do horror; evidencia a superação de defesas mentais primitivas contra o ódio. Retrata novas modalidades de relações objetais; deriva de novas formas de se lidar com perdas, frustrações e lutos. O sobre-investimento de ódio e horror em certas representações é dissolvido e o investimento de amor naquelas coerentes com o desejo do sujeito torna-se possível. O sublime - em sua profundidade e amplitude - decorre da profunda elaboração do sofrimento psíquico e de importantes mudanças psíquicas do paciente. O sublime passa do nível da possibilidade para o da realidade psíquica, quando o sistema das representações é amplamente reorganizado mediante a análise.
Do horror ao outro, o sujeito pode cultivar relações sublimes. Para tanto, ele percebe a forma de ser e de se relacionar do outro. Assim, ele decide se o sublime pode ser cultivado de forma mais profunda ou mais rasa, nela. Superando o egocentrismo, o sublime alcança maior densidade e profundidade, quando cultivado numa parceria. Enfim, ele não tem a ver com perfeição, mas envolve a integração entre amor e ódio, com a prevalência do primeiro sobre o segundo. Posto isso, o sublime assimila-se a uma vivência próxima da maturidade e da saúde mental. Ao se (re)constituir representações de estados psíquicos primitivos, o sublime faz-se possível nos domínios psíquicos.