Clarice Lispector - Crônicas Sobre Chico Buarque
Clarice Lispector
Introdução
As crônicas “Chico Buarque de Holanda” e “Oi, Chico”, de autoria da escritora Clarice Lispector, se nos apresentam num interstício mínimo de tempo, em relação às respectivas publicações e o encontro no Bar do Antônio's, - que era frequentado pelos compositores/escritores da época.
Enquanto estive fazendo esta pesquisa não soube se Clarice contou a história sobre o “jantar em casa de Clarice”, conforme nos conta o Chico, quatro ou cinco décadas depois.
Que ela era uma mulher “estranha”, - conforme Chico cita na entrevista do link abaixo, é verdade.
Mas uma mulher linda, escritora já de renome, cheia de carisma, que frequentava bares sozinha, - era e continua sendo uma cena bem inusitada. Da mesma forma que causava “temor” em homens como Chico Buarque, Vinicius de Moraes e outros (ainda jovens), causaria nos dias de outros.
Nossas noites “são tão carentes...”. Necessitamos de mais Clarices.
Meu intuito em postar essas Crônicas, - que fazem parte do meu diário, é o de mostrar os fatos ocorridos entre essas pessoas que amamos e suscitar o interesse de eventuais leitores(as) na leitura dessa escritora, - ora mulher inspiradora, ora Senhora do Lar, ora a escritora que conversa amenidades com a sua cozinheira, ora contando história de criança que cria galinhas.
Até lembrei-me da nossa escritora do Recanto das Letras, - a garota Clara das Ideias, - ao ler "Uma História de Tanto Amor", publicado em 10.08.1968.
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1. Chico Buarque de Holanda
Entrei num restaurante de uma amiga e logo deparei com Carlinhos Oliveira, o que me deu alegria. Olhei depois em torno. E quem é que eu vejo? Chico Buarque de Holanda.
Eu disse para Carlinhos: quando meus filhos souberem que eu o vi, vão me respeitar mais. Então Carlinhos, que se sentara na nossa mesa, gritou: Chico!
Ele veio, fui apresentada. Para minha surpresa, ele disse: e eu que estive lendo você ontem!
Chico é lindo e é tímido, e é triste. Ah, como eu gostaria de dizer-lhe alguma coisa - o quê? - que diminuísse a sua tristeza. Contei a meus dois filhos com quem eu estivera.
E eles, se não me respeitam mais, ficaram boquiabertos. Então eu tive uma ideia e não sei se ela irá adiantes se for, contarei vocês.
Era chamar Chico e Carlinhos para me visitar em casa. Eu os verei de novo, e sobretudo meus filhos os verão.
Falei dessa ideia e um de meu filhos disse que não queria. Perguntei por quê.
Respondeu: porque ele uma personalidade. Eu lhe disse: mas você também é, aos sete anos de idade ouvia tudo de Beethoven que tínhamos e pedia mais, tanto gostava e sentia e entendia.
Mas quero respeitar meu filho. Disse-lhe: se eu convidar Chico, se ele vier, você só aperta a mão dele e, se quiser, sai da sala.
Também achei Carlinhos triste. Perguntei: por que estamos tão tristes?
Respondeu: é assim mesmo. É assim mesmo.
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Crônica: Chico Buarque de Holanda
(*) A Descoberta do Mundo - Clarice Lispector
Chico Buarque em 1968
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Oi, Chico!
Clarice Lispector
Oh, Chico Buarque, pois não é que recebi uma carta de uma cidade do Rio Grande do Sul, Santa Maria, a respeito de você e de mim?
É o seguinte: a moça me lê num jornal de Porto Alegre. E, muito jovem, diz que sente grande afinidade comigo, que eu escrevo exatamente como ela sente.
Mas que sua maior afinidade comigo vem do fato de eu ter escrito sobre você, Chico.
Diz: "Eu, como você, tenho uma inclinação enorme por ele.
Achava eu que esta inclinação (que é motivo de troça de meus amigos) era um pouco de infantilismo meu, talvez uma regressão à infância, mas lendo seus bilhetes descobri que não, que a razão é justamente conforme suas palavras: ser ele altamente gostável e possuir candura.
Você também tem candura, que se percebe ao ler uma só linha sua." Ela, Chico, não entendeu que você não é meu ídolo; eu não tenho ídolos.
Você para mim é um rapaz de ouro, cheio de talento e bondade. Inclusive fico simplesmente feliz em ouvir quinhentas vezes em seguida "A banda", e um dia desse dancei com um de meus filhos.
Mas é só, meu caro amigo.
E ela continua assim: "Para mim seria maravilhoso ter um encontro com você e o Chico. Por isto peço-lhe: se um dia ele aparecer na sua casa, convide-me - mesmo eu morando longe.
Pois se eu e você nos sentimos inclinadas por ele, e eu e ele por você, talvez desse certo."
Mas, oi, Chico, você já imaginou eu passando um telegrama para Santa Maria: "Venha urgente Chico vem amanhã casa minha."
Ela tomando o avião e vindo toda alvoroçada, e você sorrindo, sorrindo. Olhe, moça simpática, sua carta é um amor, e tenho certeza de que Chico ia gostar de você, é impossível não.
Pois se Chico tem candura, e você acha que também tenho, você, minha amiguinha, é mil vezes mais cândida do que nós.
Mando-lhe um beijo e tenho certeza de que Chico lhe manda outro beijo - não, não desmaie.
Vou lhe contar um segredo a propósito de beijo.
Numa quarta-feira, às 11 e 30 da noite, dei um beijo hippy em cada face de Chico Buarque, nas dimensões de 7x4 centimetros, com batom cor de carmim.
Trata-se de uma explicação para meu amigo Xico Buark dar em casa.
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Crônica publicada originalmente no Jornal do Brasil, de 23/03/1968 e, posteriormente, no livro Todas as Crônicas, 2018 pp 85-86
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Ps.: A história da crônica, contada cinco décadas depois, bate em parte com o depoimento do Chico, mas a Clarice, até onde vi, não escreveu a crônica da visita dos amigos boêmios. E a crônica trata a todos com muita delicadeza.
Imagino a cena: uma mulher "diferente", recebendo em sua sala três boêmios de carteirinha... De tudo que li e vi, não tinha violão e ninguém cantou.
Mas se ela era esquisita, - eu já nem sei.
https://youtu.be/7iTUa5lBPf0?si=JwpPHklv_fmcEp9S
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Clarice Lispector, nascida Chaya Pinkhasivna Lispector, foi uma escritora e jornalista brasileira nascida na Ucrânia. Autora de romances, contos, e ensaios, é considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX. Wikipédia
Nascimento: 10 de dezembro de 1920, Chechelnyk, Ucrânia
Falecimento: 9 de dezembro de 1977, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Filhos: Pedro Gurgel Valente, Paulo Gurgel Valente
Influenciado por: Virginia Woolf, Fiódor Dostoiévski, Franz Kafka, Jean-Paul Sartre, Katherine Mansfield, mais
Pais: Pinkhas Lispector, Mania Krimgold Lispector
Peças: Près du cœur sauvage, Near to the Wild Heart
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