Bakhtin e os VideoGames
Hoje abordarei um assunto polêmico, arriscando perder o resquício de admiração que tenho da pessoa que gosto. Falarei sobre um tema que me acompanha ao longo de toda a minha trajetória de vida: os telejogos, ou simplesmente videogames, para aqueles que não são intelectualmente esnobes.
No entanto, uma vez que ainda desejo manter um mínimo de respeito da pessoa que admiro, vou estabelecer uma conexão entre os videogames e a teoria de Bakhtin sobre o que constitui um gênio, fazendo uma ligação mais específica com o jogo "UnderTale".
Em primeiro lugar, é importante deixar claro que eu não sou daqueles que consideram os videogames como uma categoria de arte. Na minha visão, os videogames são apenas uma forma de entretenimento. Há pessoas que enxergam os videogames como um equivalente ao cinema, por exemplo. O cinema, para mim, é uma verdadeira obra de arte, a quintessência da expressão artística. Um bom filme possui um roteiro bem elaborado, o que o torna uma forma de literatura; ele também deve apresentar uma boa fotografia, caracterizando-o como uma manifestação visual, assim como a pintura. E, por último, um bom filme necessita de uma trilha sonora envolvente, inserindo-o na esfera da música. Portanto, um bom filme é literatura, pintura e música, todos unificados em uma única arte. Sendo assim, cinema é arte por excelência.
Sobre o jogo "Undertale", a melhor definição que posso buscar para ele é afirmar que, se existe um jogo que pode ser caracterizado como cult, este é ele. O gênero do jogo não poderia ser outro: é um RPG. Contudo, não se trata de um RPG qualquer, mas sim de um RPG no qual é possível alcançar o final do jogo sem executar sequer uma ação violenta, sem desferir um único golpe. Isso é possível seguindo uma rota completamente "pacifista". Por outro lado, você também pode tomar a atitude oposta e destruir cada inimigo do jogo, trilhando o caminho "genocida" para chegar ao término da aventura. Cada rota acarreta suas próprias consequências. Na rota pacifista, você se depara com personagens extremamente carismáticos e situações de diálogo bem-humoradas. Na rota genocida, de modo inverso, tem-se uma experiência quase como uma punição para o jogador, na qual o prazer de jogar se esvai. Os enigmas são eliminados, os diálogos divertidos desaparecem e a trilha sonora adquire um tom sombrio. A batalha final se torna um desafio quase impossível, exigindo múltiplas tentativas para alcançar o vitória .
Em suma, "Undertale" é um jogo inspirador, com personagens bem construídos, uma história envolvente e bem-humorada, além de uma jogabilidade inovadora.
Mas será que ele é uma obra genial?
O jogo empresta tantos elementos de outro RPG chamado "Earthbound", também considerado cult, que chega a causar certo constrangimento.
Antes de prosseguir, vamos contextualizar o leitor sobre a importância de "Earthbound". Este jogo é responsável por um humor ácido que serviu de inspiração para os criadores de "South Park" e até mesmo influenciou a série "Stranger Things".
A trama é simples: crianças enfrentam situações extraordinárias para salvar a cidade. Em "Undertale", você controla uma criança que caiu no mundo dos monstros e tenta retornar à superfície habitada por humanos, de maneira semelhante à Alice no País das Maravilhas. Nos dois casos, a dinâmica gira em torno de crianças.
Não vou me aprofundar nos elementos que um jogo empresta do outro, mas é importante notar que são numerosos. Além disso, "Undertale" também incorpora vários elementos de outro RPG chamado "Moon: RPG Adventure, chegando quase ao ponto de plágio.
No entanto, isso compromete a genialidade do jogo como uma criação única?
Aqui é onde entra a teoria de gênio de Bakhtin. Segundo ele, um gênio é alguém capaz de sintetizar um universo polifônico de ideias (no caso, os jogos que influenciaram "Undertale") e reorganizá-lo em uma obra original. Consequentemente, "Undertale" pode ser considerado genial de acordo com Bakhtin.
Essa definição de gênio proposta por Bakhtin é cativante, pois nos permite até mesmo classificar Quentin Tarantino, um diretor considerado "kitsch" por alguns, como um diretor de cinema genial.
O que faz Tarantino, senão misturar todas as influências do cinema B que ele adquiriu durante as inúmeras horas que passou nas salas de cinema? Ele reorganiza essas influências de forma criativa, acrescentando seu toque especial por meio de seus diálogos idiossincráticos.
Portanto, devemos reconhecer tanto "Undertale" quanto Tarantino. Ambos absorvem suas referências e, à maneira da teoria de Bakhtin, sintetizam um universo polifônico de ideias. Isso resulta em criações que nos legam algo inédito, inovador e genial.