A Morte de Godard
Eu recebi a notícia da morte de Godard com certo atraso e muita consternação. Ele, talvez o meu cineasta predileto, exerceu muita influência nas minhas preferências estéticas até os dias de hoje.
Godard escolheu morrer. No dia 13 de setembro de 2022, ele recorreu ao suicídio assistido.
Abaixo, compartilho um link com as últimas imagens de Godard, filmadas por ele mesmo. O sobrinho dele afirmou que este foi o último filme feito por Godard em vida.
Link: https://pipocamoderna.com.br/2022/09/veja-o-ultimo-filme-de-jean-luc-godard/
As imagens mostram um Godard bem apresentável, para não dizer até elegante, apesar de seus mais de 90 anos de idade.
Durante sua vida, Godard tudo obteve. Prestígio, namorou belas mulheres, foi bem-sucedido... Nascido em berço de ouro, isso não o impediu de manter um olhar voltado para os menos favorecidos. Convictamente de esquerda, em certa fase de sua carreira, ele deixou de lado sua arte e, junto com seu amigo Jean-Pierre Gorin - na época um jovem teórico marxista que ele admirava muito - montou o grupo chamado Dziga Vertov, uma homenagem ao cineasta russo de mesmo nome. Passou a fazer apenas filmes, conforme ele mesmo dizia, de política com uma estética revolucionariamente política.
O filme "O Formidável", estrelado por Louis Garrel como Godard, retrata com muito bom humor essa transição: de um artista que era amado pela jovem Anne Wiazemsky para alguém que deseja apenas fazer um cinema político, perdendo assim a admiração do público e até mesmo de sua própria amada.
Na minha opinião, essa escolha representou a primeira "morte" de Godard. Na década de 80, ele reavaliou essa decisão e voltou a fazer um cinema mais artístico, sem deixar de lado suas raízes políticas. Até seus grandes clássicos, como "O Demônio das Onze Horas", "Masculino-Feminino", "O Pequeno Soldado" e, claro, "A Chinesa", já continham mensagens políticas.
Essa opção pela politização da arte fez com que ele rompesse a amizade que mantinha com Truffaut, outro grande expoente da Nouvelle Vague, que sempre viu o cinema como arte. Assim como Hitchcock, Truffaut acreditava que o cinema deveria ser um "pedaço de bolo, não um pedaço de realidade".
Quanto à segunda morte de Godard, acredito que a escolha pela morte assistida, na qual todos os seus parentes e amigos podem testemunhar como uma grande homenagem, é uma opção muito bela. Além disso, é um privilégio viver até os 92 anos mantendo a saúde. Percebe-se que a velhice fez muito bem a Godard. Em alguns homens, a velhice assenta-se de forma muito elegante. Acredito que em mim, inclusive, ela também irá assentar-se muito bem. Pessoalmente, almejo envelhecer com elegância e beleza, assim como ele. Percebo que estou ficando mais belo com o passar do tempo. Apesar de ser novo na arte de ser velho, desde agora já exerço a velhice. Certamente, manterei muitos hábitos semelhantes aos atuais, mas na velhice eles se apresentarão de maneira mais adequada.
Espero alcançar a mesma idade de Godard, embora com uma história diferente, mas pelo menos com a mesma classe.