O CANGAÇO E O AGRESTE PERNAMBUCANO
Recentemente a historiografia do cangaço se debruçou na produção de novos textos de variados gêneros no intuito da discussão acerca dos eventos da grota de Angicos, lugar do morticínio de Lampião e parte de seu bando.
O banditismo social existiu de forma multifacetada em várias partes do mundo. No Brasil não foi diferente. Os bandos nasceram sob aspectos diversos; uns porque eram vítimas de atrocidades do sistema de opressão e violência reinantes e outros surgiram por conta da pilhagem que poderiam promover nos grotões mais inóspitos e distantes de cada lugar.
Um dos primeiros bandoleiros - ainda não se dizia cangaceiro - de que fala a historiografia atende pelo nome de José Gomes de Brito, cognominado de Cabeleira. No século XVIII Cabeleira, um sujeito iniciado no mundo do banditismo pelo próprio pai, agiu em Pernambuco até ser preso e enforcado em meados da década de 1770. A situação do Brasil, tanto colônia quanto império, contribuiu muito para a formação desses bandos e seu consequente fortalecimento.
Muitos outros entraram no banditismo rural e depois de Cabeleira, Lucas Evangelista - o Lucas da Feira -, Adolfo Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e Sinhô Pereira antecederam a Lampião na vida bandoleira. Foram chefes de bando cada um com seu estilo peculiar. Uma mulher também se pode lembrar neste rol: Anésia Cauaçu, chefe de bando na Bahia e que é pouco lembrada, uma vez que o tema cangaço ainda é essencialmente do mundo masculino, misógino e profundamente patriarcal e patrimonialista, quando não, exclusivista.
O Cangaço proliferou em terras do Agreste e fortemente no Agreste Meridional de Pernambuco. As levas de cangaceiros surgidas destas paragens modificaram a paisagem da região e transformaram o cotidiano das pessoas para pior. E neste cenário vai existir a figura do coiteiro sem o qual o cangaceiro não existiria. Muitos foram os coitos na Região. Muita gente influente travestida de coronel vestia-se com a capa de coiteiro por inúmeras razões.
E das cidades da Região Águas Belas figura como palco lançando luzes sobre o movimento bandoleiro fortemente apoiado por autoridades e chefes políticos, a exemplo de Cel. Francisco Martins Filho, Audálio Tenório e Gérson Maranhão, para não se ir tão mais longe. Nos idos de 1852 Januário Antonio - proveniente das capoeiras de Manari - tentou invadir, com seu grupo de vinte bandoleiros a Vila de Águas Belas, sendo dissuadido pelo vigário cooperador que se achava em desobrigas, a não concretizar tal intento.
Lampião esteve intimamente ligado à região Agreste, principalmente pelo sequestro do cel. João Nunes assim como Corisco e Dadá descansavam na Fazendo Nova, em Águas Belas, segundo depoimentos da própria cangaceira em livro recente.
Os grupos bandoleiros eram muitos no Agreste. A ação de Paizinho Baio e seus comparsas infernizou a Região por duas décadas. Vicentão, Joaquim Pai d’égua e André tripa agiram igualmente e alguns destes tomaram parte na Hecatombe de Garanhuns em 1917. Antonio Germano salteou em Águas Belas entre 1919 e ano seguinte. Igualmente João Patriota, do bando de José Patriota, fez incursões na região águas-belense cometendo crimes até 1927, quando foi morto.
As forças volantes perseguiam a esses grupos. Contudo, infundiam medo na população por se mostrarem tão ou mais violentas que os próprios cangaceiros. Tocavam o terror nos pobres quando deveriam protegê-los da sanha violenta dos bandoleiros.
Ao final da década de 1930 o Cangaço já dá sinais de esgotamento, assim como o coronelismo. A chegada de tecnologia e dos transportes apressa a derrocada da ação criminosa dos bandos no sertão. Benjamin Abrahão Botto, de nacionalidade estrangeira, fora secretário de padre Cícero Romão, filma o bando de Lampião. Depois foi assassinado em Pau Ferro dias antes do rei do cangaço, fato controverso ainda hoje.
O Cangaço é fruto das caatingas, do Nordeste irascível, do mandonismo insano, assim como também o é Lampião, Virgulino Ferreira da Silva, o chefe caolho que feneceu, mesmo tendo reza braba, patoás e o corpo fechado; caiu com sua Maria, a quem chamava de santinha, sob as balas de João Bezerra e sua força volante dada à pilhagem e profanadora dos corpos finados.
As cabeças, seccionadas do corpo, em macabro festival, foram expostas na rua de Santana do Ipanema, escadaria da capela Nossa Senhora da Assunção. Era o fim de julho de 1938...