A Letra G
Diziam os discípulos de Pitágoras que o retângulo áureo tinha como principal propriedade o poder de decompor-se infinitamente em uma sucessão de quadrados e retângulos sucessivos, todos apresentando características singulares de individualidade e ao mesmo tempo conservando as propriedades do todo em que foram recortados. Ou seja: um diagrama do universo e do homem, concomitantemente, que contém, em si mesmos, o todo e suas partes, o indivíduo e a totalidade, o plural e o singular.
Daí porque nele se inscrevia a letra G, que lembra uma espiral e corresponde à inicial da letra Gamos, que em grego significa casamento e numericamente se interpreta como sendo o número cinco, representando as cinco pontas da estrela, que na Maçonaria é conhecida como Estrela Flamígera, ou Flamejante. Nesse simbolismo evocam-se as propriedades da Energia dos Princípios, que na sua característica de expansibilidade povoa o universo de formas, e na sua centralidade vai gerando a chamada “qualia”, que são as qualidades com as quais os objetos físicos são identificados em nossa consciência.[1]
Por isso é que se diz que no templo maçônico, ao mesmo tempo em que se constrói o universo físico através das obras que o maçom realiza, ele também aprimora o universo da sua espiritualidade através do conhecimento iniciático. E na nossa opinião, foi exatamente por esse motivo que os Irmãos da Arte Real elegeram a Cabalá como inspiração central da sua prática por que essa é uma ideia que vem dessa tradição, simbolizada na visão do profeta Ezequiel, conhecida na Cabalá como Merkabah, ou seja, a Carruagem de Deus, simbolo da Luz Infinita que povoa de formas o universo físico. Essa intuição, aliás está na origem da teoria da equivalência entre massa e energia, deduzida ´por Einstein em sua famosa equação E=mc², o que significa que toda a massa do universo é feita de energia em movimento. E como diz a Torá, em seu primeiro versículo, tudo que existe no universo só surgiu a partir do momento em que a luz foi liberada das trevas. Essa teoria é confirmada pelas modernas especulações científicas que afirmam que o universo nasceu de uma grande explosão de luz.(O big bang). Na Cabalá essa imagem é simbolizada pela séfira Kether, que está no topo da Árvore da Vida como origem de tudo que existe no universo.
Simbolicamente, a forma geométrica da Estrela Flamejante, com a letra G no centro, é, nada mais, nada menos, a representação do universo, no sentido de que ele, sendo o próprio corpo material do Criador, contém em si todos os seus atributos. Esses atributos se dividem pela singularidade das coisas do universo, mas conservam a propriedade do todo, pois Ele, em si mesmo, é o Todo existente. Por isso ele é representado pela letra G, de Geometria, pois essa é a ciência das formas, ou seja, o resumo linguístico de tudo que pode ser representado no universo físico.
Esse simbolismo é encontrado no teto dos templos maçônicos, e o que ali se vê é uma clara alegoria dessa visão, que é gnóstica no seu conteúdo e francamente cabalística no seu propósito. Por isso se diz que o teto do céu maçônico representa o universo composto pelos sete céus da tradição cabalística conhecidos como Ilon (וילון),Raki'a (רקיע), Shehaqim (שחקים), Zebul (זבול), Ma'on (מעון) Machon (מכון), Araboth (ערבות). Esses nomes, que também são referidos na filosofia gnóstica, são os chamados sete céus descritos no Livro de Enoque. Na Maçonaria esse tema é desenvolvido nos graus 13 e 14 do rito Escocês, que se refere à Procura da Palavra Perdida. [2]
No antigo Egito essa estrela era representada por um hieróglifo de cinco pontas, cujo nome em grego se grafava Sótis, e na escrita egípcia Spdt. O significado desse hieróglifo está conectado com a idéia de sabedoria, conhecimento, iluminação. Era conhecido como sendo a estrela de Toth, (Hermes em grego), o deus que legou aos homens a sabedoria e os conhecimentos com quais eles construíram a civilização. [3]
Por isso essa estrela é um símbolo tão importante na liturgia maçônica. Ela representa, não só o momento da iluminação que se apresenta ao neófito quando ele é iniciado, como também a própria luz que dá início à sua nova vida. Daí o fato de ela ser um símbolo obrigatório em todos os templos maçônicos, e para todo maçom, a contemplação da Estrela Flamejante, com a letra G no seu centro, representar o ápice da sua elevação de um mundo profano para o mundo sutil da espiritualidade.
[1] Qualia é um termo latino usado em filosofia para definir as qualidades subjetivas que a nossa mente atribui aos objetos. Algo como cores, medidas, peso, e também a intensidade dos sentimentos físicos como a dor e o prazer e os imateriais como o amor, a piedade, a coragem, a bondade, assim como os seus antônimos, como o ódio, a crueldade, o medo, etc.
[2] Veja-se a nossa obra Conhecendo a Arte Real- Madras, 2012, citada
[3] Bernard Rogers. Descobrindo a Alquimia. São Paulo, Círculo do Livro, 1994.