A Revolução do Amor
O advento do amor romântico constituiu uma grande revolução no seio das famílias modernas.
Antigamente, como explica Fustel de Coulanges em seu magnífico A Cidade Antiga, o casamento era um ritual de passagem da noiva para as mãos do noivo, onde a noiva abria mão dos deuses pessoais da família de seu pai e passava a cultuar os deuses da família do seu esposo. Na cidade antiga, acreditava-se que os mortos, após a morte, mantinham uma espécie de segunda vida debaixo da terra. Para cultuá-los, os povos antigos faziam oferendas de bebida à terra e acendiam um fogo num altar dentro da casa, chamado de "lar", no qual queimavam-se carnes para os mortos em troca de benesses.
Ora, o homem cultuava os deuses de seus antepassados por parte de pai. A mulher também cultuava os deuses de seu pai. O direito privado era delimitado pela área onde os mortos estavam enterrados. Desta forma, para a mulher ter "direito" aos bens do marido, ela devia deixar de lado os deuses do seu pai para cultuar os do marido. Essa troca de deuses era feita através de uma encenação na qual o marido "raptava" sua futura esposa na porta de casa, o que simbolizava que a partir desse momento a esposa perdia o direito aos seus deuses ancestrais, passando a cultuar, doravante, os deuses do marido. A esse ritual os antigos chamavam de "casamento". Quando o casamento era feito dessa forma, não havia amor, somente interesses. O casamento era apenas um acordo entre as famílias para conservar - e ampliar - sua propriedade privada.
Mais adiante, na Idade Média, o casamento seguia a mesma lógica. O casamento era escolhido pelos pais para conservar os bens privados, onde o amor não tinha nenhuma interferência. Se a mulher queria "amor", arrumava-se um amante.
Essa lógica do amor por interesse perdurou até, mais ou menos, a época da Revolução Industrial, na qual as mulheres puderam se emancipar das famílias através do trabalho, saindo do campo para o centro urbano. Saindo da vida campestre e com dinheiro próprio, além dos direitos naturais da família, as mulheres puderam escolher seus parceiros de acordo com a lógica do seu coração. Surge o advento do casamento por amor. E, com ele, também a instituição do "divórcio". Uma vez que o amor não é mais um acordo entre as famílias, e casa-se por um sentimento "volúvel" como o amor, é natural que, quando este falte, as pessoas se separem.
É claro que há relatos em todas as épocas de pessoas que se casavam por amor. Contudo, a literatura costuma retratá-los como tragédia. E também, é claro, que nos dias atuais, também há casamentos meramente arranjados, mas quero crer que não são a maioria.
Hoje em dia impera a lógica do casamento por amor, mas um amor líquido, que escorre pelos dedos.
A invenção da internet proporcionou a aproximação de pessoas com os mesmos gostos pessoais, mas que não necessariamente moram perto uma da outra. Ela também possibilitou a união de pessoas de diferentes universos, diferentes classes sociais até, que, de outro modo, jamais sequer se conheceriam.
Não obstante, o amor atualmente é cada vez mais volúvel, escorre pelos dedos, é um amor líquido, para usar a expressão cunhada por Zygmunt Bauman.
No entanto, as possibilidades de emancipação do homem através do trabalho e o advento da internet permitem que encontremos nossa cara-metade onde quer que ela esteja.
A meu ver, o sucesso do amor, como instituição do casamento, depende de uma questão moral e ética, posto que o amor é chama, portanto, sujeito a alterações. Mas os casamentos destinados a darem certo são justamente aqueles em que, mesmo em que não reside mais a chama do amor primeiro, os casais mantêm um respeito mútuo e passam a se amar de um jeito mais racional, ético, que faz brotar um sentimento outro até mais forte que o amor: a eterna ternura.
Como os casais começaram a se casar por amor, o fruto desse amor, que são os filhos, também são os bens mais cultuados no mundo moderno.
Antigamente, devido a problemas de saúde, a mortalidade infantil era muito alta. Por isso, um maior investimento afetivo dos pais para com as crianças não era muito viável, já que provavelmente a criança não vingaria. Também havia a crença de que a criança era um ser incompleto, por ainda não ter recebido educação, e com isso, sua vida valia menos do que a do adulto já formado.
Mas a revolução do amor, juntamente com o aprimoramento da tecnologia sanitária, resultou na "sacralização do humano", onde o ser humano, desde tenra idade, é considerado o bem maior da sociedade, criado para ser a imagem e semelhança dos pais, que se casaram por intermédio do amor. Eis a revolução do amor. Viva o amor! Eu adoro, pelo menos.
Basta agora desejarmos que esse sentimento seja infinito... pelo menos enquanto dure, né, poeta.
"Dedicado à pessoa que amo."