Dandismo, a Elegância e a Nobreza
A mim, me parece que nenhum movimento passou tão alheio à busca da verdade como o "Dandismo". Porque, no Dandismo, simplesmente, ela não é considerada de modo algum. Mas o que seria o Dandismo?
Baudelaire, em sua crítica ao quadro do pintor francês Costantin Guys, que retrata alguns dândis ao ar livre, refere-se a eles nos seguintes termos:
"O homem rico, dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação que a de correr atrás da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido; aquele, enfim, que não tem outra profissão que não seja a da elegância, sempre gozará, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte."
Esses seres não têm outra profissão senão cultivar a beleza em sua própria pessoa, numa espécie de culto a si mesmos. Um egocentrismo invulgar elevado à categoria de arte, cuja principal ocupação é pensar e sentir. Contudo, "enganam-se as pessoas insensatas que acreditam que o dandismo é um gosto imoderado pela toalete (vestimenta) e elegância material", diz Baudelaire. "Essas coisas não são, para o perfeito dândi, senão um símbolo da superioridade aristocrática de seu espírito. Assim, aos seus olhos, obcecado, acima de tudo, por distinção, a perfeição da toalete está na simplicidade absoluta, que é, de fato, a melhor maneira de se distinguir."
De acordo com Baudelaire, o dandismo surge numa crise entre épocas, onde a democracia não é tão forte e a aristocracia está ficando decadente: "Nessa confusão de épocas, alguns homens, deslocados de sua classe, descontentes, destituídos de uma ocupação, mas todos ricos de uma força inata, são capazes de conceber o projeto de fundar uma nova espécie de aristocracia, fundamentada na mais indestrutível faculdade e nos dons celestes que nem o trabalho nem o dinheiro podem conferir... É, antes de tudo, a necessidade ardente de se prover, dentro dos limites exteriores das conveniências, de uma certa "originalidade".
Desta forma, aparece uma nova casta de homens cuja superioridade parece residir na nobreza inerente ao seu próprio espírito, que não está fundamentada em renda, nem em hereditariedade, nem mesmo em classe social. Ainda nas palavras de Baudelaire: "é precisamente a suavidade nos gestos, essa segurança nas maneiras... esse modo de vestir uma casaca e de conduzir um cavalo, essas atitudes sempre tranquilas, mas reveladoras de uma certa força, que nos fazem pensar: 'Eis aqui, talvez, um homem rico; mais provavelmente, porém, um Hércules sem emprego'."
A elegância é uma característica que está presente em diversas áreas da vida, não só na vestimenta.
Podemos notá-la na literatura, no modo de escrita de alguns escritores, como Thomas Mann, por exemplo; no pensar, como no exemplo dado pela filosofia de vida de Oscar Wilde (apesar de eu achar o modo dele de se vestir extravagante; mas aqui meu enfoque é no pensar); até mesmo no esporte, como no exemplo de um Zinedine Zidane conduzindo uma bola, ou de um Beckenbauer organizando uma defesa, ou mesmo de um Paulo Roberto Falcão comandando um meio de campo - ou no jogo elegante de Luka Doncic executando uma bandeja no basquete; lá atrás, há o jogo clássico de Larry Bird; no futebol americano, a maneira simples e confiante que um Joe Burrow lança uma bola, enfim, mas divago um pouco...
O que quero enfatizar é que, a mim, me parece que se há alguma maneira de distinção, essa é alcançada pela nobreza inerente de alguns espíritos.
Na literatura, há uma miríade de exemplos de personagens pobres, mas que, no entanto, tinham nobreza de espírito.
Podemos citar em Dostoiévski diversos exemplos, como "Raskolnikov", "Razumikhin", "Ivan Karamazov", "O Homem do Subsolo", "O Homem Ridículo", entre outros...
Na literatura em geral, também consigo pensar em "Settembrini", de A Montanha Mágica, de Thomas Mann; "Quincas Borba", de Machado de Assis; "Fernando Seixas", do livro A Senhora, de José de Alencar; Stephen Dedalus, de Ulisses, de James Joyce; Bernardo Soares, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa; Antoine Roquentin, de Náusea, de Sartre; Julien Sorel, de O Vermelho e o Negro, de Stendhal, e por aí vai...
Bom, eu passei de uma explicação do Dandismo à elegância, para chegar à distinção do espírito.
No entanto, como fica explícito até nos exemplos acima de personagens da literatura, nem todos eles podem se definir como sendo "dândis", mas todos guardam a coincidência de, de certa forma, terem uma certa nobreza de espírito - mesmo aqueles que são notadamente ridículos, como o "homem do subsolo" dostoievskiano - conferindo-lhes uma certa originalidade.
Pela confessa falta de preocupação com a descoberta de "verdades absolutas", como diversos arautos do conhecimento atualmente, e por terem uma espécie de imperativo categórico da beleza (para falar como Kant), acredito que, ainda nos dias de hoje, o dandismo pode ser considerado um movimento intelectualmente honesto e digno, independentemente da era e contexto. Este que vos fala, inclusive, é um dos que gostariam de professá-lo.