O LIVRO, DOIS CANGACEIROS E UM PADRE

Em excepcional viagem no tempo, na antiga Ribeira do Panema - atualmente Santana do Ipanema, no sertão alagoano – foi publicado o livro Memórias e Reflexões de um Filho dos Cangaceiros Corisco e Dadá, autoria de Sílvio Hermano de Bulhões.

O professor Sílvio de Bulhões, em tenra idade, foi acolhido pelo ínclito cônego José Bulhões, vigário de senhora Santana por longos anos, forjado e testado nas agruras do Sertão árido das Alagoas e que não tergiversou quando do recebimento do pequenino Sílvio, filho de Christino e Sérgia, àquela altura já receados em todo a caatinga, cangaceiros que eram.

A apresentação do livro de memórias encerrou uma extensa viagem e revisita a um passado em dias difíceis num Brasil rural onde imperava a lei de quem bradava mais forte, de botas e látego na mão, quando o coronelismo ditava todas as regras e o coronel com seu séquito de jagunços distribuíam o terror aos menos afortunados dos sertões empoeirados, conforme nos relata Victor Nunes Leal no seu Coronelismo, Enxada e Voto.

Retratando a trajetória numa terra inóspita o Livro proporciona entrar no universo do outrora desconhecido mundo do cangaço, especificamente, nos tempos posteriores a Jesuíno Brilhante e mais aproximado de Virgulino Ferreira e Christino Cleto, este Curisco e pai biológico do professor Silvio.

Tais escritos possibilitam a que algumas visões distorcidas sejam corrigidas e outras confirmadas a partir da historiografia do cangaço, tema bastante em voga hodiernamente e que vem despertando as mais diversas pesquisas para o aprofundamento desses estudos que revelam a face de um País mergulhado na violência de caudilhos, bandoleiros, coiteiros, beatos e jagunços ambientados na República Velha e meados do getulismo.

O fato histórico proporciona o entendimento de realidades desconhecidas até o momento que esses fatos passam a análises e se firmam como objeto de estudo. E a proposta que o professor Sílvio Bulhões oferece é que o conhecimento de uma realidade distante, na ambiência da terra árida, se torne presente a partir do compartilhamento de informações, seja da história oral ou da historiografia existente fulcrada em documentos probos e incontestes.

Para Michel de Certeau, historiador francês, a história está submetida a uma ordem cronológica do discurso e neste aspecto Silvio Hermano, quase nonagenário e muito lúcido em sua narrativa não foge à regra, proporcionando o conhecimento às gerações vindouras carentes de informação relativa à fase da História do Cangaço até mesmo nos tempos do baiano Lucas Evangelista, o famoso Lucas da Feira.

A temática abordada no Livro em alusão suscita questionamentos, discussões acaloradas e até posturas equivocadas a partir de julgados anacrônicos de um Brasil marcado por pessoas estereotipadas, a exemplo do que foi o movimento cangaceiro e também do beatismo, este, elemento forte nas hostes bandoleiras.

Inúmeras foram as localidades no Nordeste do Brasil arena de muitas batalhas e a que o livro Memórias e Reflexões de um Filho dos Cangaceiros Corisco e Dadá se reporta começa no Sertão, às margens do extenso Ipanema quando da chegada do pequenino Silvio nos braços do velho cura padre Bulhões e sua irmã, dona Liquinha, a mãe adotiva.

Um mundo se descortina agora a partir da leitura atenta desse e outros escritos acerca do tema cangaço. Um mundo que se confunde a partir do Beato Sebastião a imitar o Conselheiro de Canudos e de Antonio das Mortes, matador a mando da Igreja Católica e dos latifundiários, conforme nos traz Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 26/02/2023
Código do texto: T7728332
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