As inverossimilhanças de Cavaleiros do Zodíaco

Quando olhamos para trás e pensamos em certas coisas das quais gostávamos, com certeza ficamos surpresos e nos perguntamos como não percebemos os seus defeitos. De quantos filmes, desenhos animados, novelas e gêneros musicais nós não gostávamos e hoje percebemos o quanto eram de qualidade duvidosa? Não é raro que nos perguntemos como pudemos ter gostado daquilo um dia. Claro que isso ocorre principalmente quando somos muito jovens e não temos o devido senso crítico. Muitas vezes, gostamos de um determinado tipo de filme e depois, ao revê-lo, vemos seus defeitos de inverossimilhança ou mesmo algumas mensagens subliminares sexistas ou racistas que causam um certo desconforto. Então, vamos falar de um anime(desenho japonês) que fez muito sucesso na antiga TV Manchete, Cavaleiros do Zodíaco ou Saint Seiya. Não falaremos do mangá, mas sim do anime e vale salientar que foram feitas muitas mudanças em relação à história original quando o mangá foi adaptado para se tornar um anime. Sabe-se que muitos personagens que aparecem no anime não constam no mangá, como os cavaleiros de aço e os cavaleiros fantasmas. Também devemos lembrar que a saga de Asgard, que aparece no anime, sequer existe no mangá.

É inegável que Cavaleiros do Zodíaco fez muito sucesso quando passou na TV Manchete e até hoje pessoas que assistiram à história lembram dela com nostalgia. Entretanto, ao olhar para trás, devemos reconhecer que a trama não é perfeita e apresenta inverossimilhanças, defeitos de coesão e alguns outros aspectos que o nosso senso crítico não pode deixar escapar. Assim sendo, vamos analisar minuciosamente os aspectos desse desenho que merecem ser discutidos:

1 – Problemas de verossimilhança: Na história, a principal personagem feminina é Saori Kido, reencarnação da deusa Atena. Ela veio ao mundo para combater o mal e os cavaleiros de ouro, prata e bronze têm a missão de protegê-la. Por que isto é um problema de verossimilhança? Simples. Não é necessário ser um profundo conhecedor de mitologia para saber que um deus é uma divindade com poderes extraordinários. E Atena era a deusa grega da guerra e da sabedoria. Soa muito estranho uma deusa encarnada ser frágil, precisar ser protegida e representar o tempo todo o papel de donzela em perigo. Além de não fazer o menor sentido, este é um argumento totalmente machista. Uma outra inverossimilhança do anime é o fato de Shun, o cavaleiro de Andrômeda, sempre precisar ser salvo por seu irmão, o Ikki de Fênix. Por que isso é inverossímil? Simples. Shun, para se tornar cavaleiro, passou por um duro treinamento, como todos os outros. Ele sobreviveu e teve que passar por um teste muito difícil para provar que era digno de usar a armadura. Alguém assim com certeza não poderia ser indefeso e tão dependente do irmão. Embora haja outras inverossimilhanças no anime vamos nos concentrar nessas duas para que o artigo não fique demasiado longo.

2- Personagens em excesso: o anime tem personagens demais, como os cavaleiros de bronze, de prata e ouro, além dos inimigos e tantos outros. Sabemos bem que, quando uma trama tem muitos personagens, não se pode desenvolver bem a todos e, devido a isso, muitos personagens que têm até potencial para crescer acabam não sendo bem aproveitados. Um outro anime com esse problema é Dragonball, no qual os personagens Yamcha e Kuririn parecem estar lá só para ocupar espaço. E Cavaleiros do Zodíaco tem muitos personagens que praticamente não têm outra função além de aparecer. Além dos principais cavaleiros Seiya de Pégaso, Shiryu de Dragão, Shun de Andrômeda, Ikki de Fênix e Hyoga de Cisne, podemos falar dos outros cavaleiros de bronze Geki de Urso, Jabu de Unicórnio, Ichi de Hidra, Ban de Leão Menor e Nachi de Lobo, que simplesmente não participam da história, só ficando mesmo na retaguarda. Também há os cavaleiros de aço (que não existem no mangá) que, após surgirem, simplesmente desapareceram como se houvessem evaporado já que ninguém diz qual foi o fim que tiveram. Outros personagens que parecem estar na história apenas para ocupar espaço são a amazona June de Camaleão (interesse amoroso de Shun), que desapareceu sem explicação, Shunrei, a namorada de Shiryu e Mino, uma amiga de Seiya dos tempos em que ele vivia no orfanato.

3- Personagens detestáveis: um personagem realmente abominável é Tatsumi, mordomo de Mitsumasa Kido, o senhor que adotou Saori e tirou os cavaleiros, ainda crianças, dos orfanatos em que viviam para que eles treinassem para um dia servir a Saori. Tatsumi só era leal a Mitsumasa e a Saori. De resto, ele tratou os cavaleiros com frieza e extrema brutalidade, ajudando Saori - que cresceu como uma menina mimada e arrogante - a maltratar os cavaleiros. Quem assistiu ao desenho com certeza não esquece da surra violenta que ele deu em Ikki quando este ainda era uma criança. E tudo isto porque Ikki só queria proteger o irmão ao achar que ele não sobreviveria ao treinamento na Ilha da Rainha da Morte. O próprio Mitsumasa Kido, embora retratado como um homem digno e sábio, não era um senhor tão exemplar, pois nada fazia ao ver Saori tratar os meninos como escravos. Aliás, no mangá, consta que todos os cavaleiros são filhos ilegítimos desse senhor. Ele os teve e, simplesmente, não os assumiu,deixando-os ser criados em orfanatos, só os tirando de lá para treiná-los para ser cavaleiros. Um homem que teve ao todo tantos filhos e não os assumiu, deixando-os ser maltratados por uma menina insuportável e metida e depois os mandando para lugares distantes onde eles enfrentariam duros treinamentos e colocariam as próprias vidas em risco não é um modelo de pessoa boa.

4- O pouco espaço dado às personagens femininas: Cavaleiros do Zodíaco é uma história shounen, isto é, para rapazes e, por causa disso, é natural que tenha protagonistas masculinos fortes. Entretanto, é lamentável que tenha dado tão pouca ênfase às personagens femininas. Além da principal personagem feminina ser fraca, vê-se que mesmo as personagens femininas fortes não tiveram o espaço que mereciam. Foi triste ver que nem as amazonas Marin de Águia e Shina de Cobra receberam tanto destaque quanto poderiam. Marin, sendo uma amazona de prata e tendo sido a mestra de Seiya, poderia ter um papel fundamental na série, sendo lamentável que, na Batalha das doze casas e em Asgard ela tenha se limitado a apanhar dos inimigos. E isso porque ela é uma amazona de prata, categoria considerada superior à dos Cavaleiros de bronze. June, a amazona de Camaleão apaixonada por Shun praticamente não tem função e outras personagens femininas que ora surgem são bastante apagadas, como Shunrei. Caso alguém fale que temos que lembrar que Cavaleiros do Zodíaco é uma história para rapazes, também não podemos esquecer que o Japão produziu heroínas bastante fortes e poderosas como as Guerreiras Mágicas de Rayearth ou a Mestra Genkai de Yu yu hakusho, que se torna mentora do protagonista Yusuke Urameshi. Vale salientar que Yu yu hakusho é uma história shounen e isso não a impediu de produzir uma personagem feminina marcante. Não é porque uma história é shounen ou seinen(voltada para o público masculino adulto) que ela não pode ter moças ou mulheres com presença significativa.

5- O protagonismo: Sabemos que Seiya é o protagonista da história e é natural que seja o que apareça mais, porém chega a ser irritante só ele ficar como o herói da história, até porque todos os outros, assim como ele, tinham que superar desafios mortais e se superar. Chega a ser injusto ver que os demais, muitas vezes, apenas serviam como escada para que ele conseguisse acabar com os inimigos, como vimos no final da Batalha das Doze Casas, em que os outros transferem seus cosmos para Seiya vencer definitivamente Saga ou em Asgard, no qual todos lutam arduamente para, no final, Seiya ser o único que é qualificado como o salvador do mundo e da inútil da Saori.

Não se está negando que Cavaleiros do Zodíaco tem suas qualidades. As lutas são empolgantes, há muitos personagens marcantes e as histórias de superação de cada um nos servem como estímulo, todavia temos que admitir que o anime tem muitos furos e inverossimilhanças. Claro que também não se está dizendo que é para alguém deixar de gostar do desenho que há anos tem encantado telespectadores. O que o artigo em questão pretende mostrar é que a história poderia ser melhor se tivesse sido mais bem trabalhada.