Fatores determinantes da origem e desenvolvimento das civilizações

Quais as causas que contribuem para o aparecimento das civilizações? Quais os fatores que determinam o desenvolvimento? Por que certas civilizações alcançaram um nível muito mais alto de evolução do que outras?

O esclarecimento de tais questões constitui um dos objetivos principais dos sociólogos . A maioria deles chegou a convicções bem definidas quanto ao valor relativo das possíveis respostas. Alguns concluíram que os fatores geográficos são os mais importantes. Outros põem em relevo os recursos econômicos, as fontes alimentares, o contato com civilizações mais velhas e assim por diante. Comumente se admite uma variedade de causas, mas uma delas é salientada como predominante.

As mais populares dentre as teorias que explicam o aparecimento das culturas superiores são provavelmente aquelas que pertencem ao âmbito da geografia. Entre elas, goza de preeminencia a hipotese do clima. A teoria climática, defendida no passado por notabilidades como Aristóteles e Montesquieu, teve sua exposição mais eloquente na obra de um geógrafo americano, Ellsworth Huntington.

O Dr. Huntington reconhecia a importância de outros fatores, mas insistia em que nenhuma nação, antiga ou moderna, alcançou o mais alto nível cultural a não ser sob a influência de um estímulo climático. Descrevia o clima ideal como aquele em que a temperatura média raramente cai abaixo do valor ótimo mental de 4oC ou se eleva acima do valor ótimo físico de 18º C. Mas a temperatura não é o único elemento importante.

A unidade também é essencial, e deveria variar em torno de 75%. Por último, o clima não deve ser uniforme; tempestades ciclônicas ou tempestades comuns, resultando em mudança diária do tempo, devem ter a frequência e a intensidade necessárias para purificar de quando em quando a atmosfera e produzir aquelas súbitas variações de temperatura que parecem ser necessárias para estimular e revitalizar o homem ( Elisworth Huntington, Civilization and Climate, terceira edição pp.230-23).

Muito se pode dizer em favor da hipótese climática. Há certamente algumas zonas da terra que, sob as condições atmosféricas vigentes, nunca poderiam ter sido o berço de uma cultura superior. São muito quentes ou muito úmidas, muito frias ou muito secas. Tal é o caso das regiões que se estendem além do círculo ártico, das grandes áreas desérticas e das selvas da índia, América Central e Brasil.

Existem indícios, ademais, de que alguns desses lugares nem sempre estiveram submetidos a um clima tão desfavorável como o que ali prevalece agora.

Vários recantos inóspitos da Ásia, da África e da América revelam traços inequívocos de condições mais salubres no passado. Aqui e ali são encontradas ruínas de cidades e metrópoles, em lugares onde o atual suprimento de água parece absolutamente insuficiente.

Estradas atravessam desertos que hoje são intransponíveis. Pontes cavalgam leitos de rios que por muitos anos não têm tido água. Esses fenómenos e outros análogos, observados por variantes em regiões desérticas, parecem fornecer prova de que o fator climático, na história, não pode ser totalmente desprezado.

Os mais notórios testemunham da importância cultural das alterações climáticas são os que se relacionam com a civilização dos maias. Esta civilização floresceu na Guatemala, em Honduras e na Península de Iucatã ( México), aproximadamente entre os anos 400 e 1500 d.C. Entre as suas conquistas figuram a fabricação do papel, a invenção do zero, a perfeição do calendário solar e o desenvolvimento de um sistema de escrita parcialmente fonética.

Grandes cidades foram construídas; realizaram-se notáveis progressos na astronomia; e arquitetura e escultura alcançaram um elevado nível de perfeição.

Hoje, quase tudo que resta dessa civilização está em ruínas. Inúmeros fatores, sem dúvida, conspiraram para produzir esse fim prematuro, inclusive guerras mortíferas entre as tribos, mas a mudança climática parece ter sido um deles. Os remanescentes das grandes cidades estão hoje rodeados, na sua maioria, por uma selva onde grassa a malária e a agricultura é difícil.

Mal podemos acreditar que a civilização maia ou qualquer outra pudesse ter alcançado a maturidade sob tais condições. É provável, portanto, que o clima da região maia fosse diferente, até cinco ou seis séculos atrás, do que é na atualidade.

A hipótese, porém, está exposta à crítica em vários pontos.

Os indícios de mudança climática em escala considerável estão ainda longe de ser concludentes. Não há nada a indicar, por exemplo, que o clima do Marrocos ou Roma na antiguidade fosse mais revigorante do que é hoje. Indubitavelmente, as condições de unidade na antiga África ou Grécia, por exemplo, eram mais favoráveis, mas não existe prova de que a temperatura tenha se alterado. Tampouco é possível explicar o declínio da civilização no Egito e na Mesopotâmia por meio de mudança radical nas condições atmosféricas.

A evidencia parece ser de que os fatores economicos e sociais, tais como o exaurimento dos recursos, a escravidão sempre crescente e os hábitos de indolencia, tiveram efeitos muitos mais sérios.

A segunda das teorias geográficas sustenta que a topografia da superfície do globo tem sido o principal elemento condicionador da origem das civilizações.

Um famoso defensor dessa teoria foi o alemão Karl Ritter, que viveu na primeira metade do século XIX. Afirmava Ritter que a forma e a configuração dos continentes são de grande importância quando oferecem vantagens para o desenvolvimento cultural.

Os continentes que possuem uma costa irregular e condições geográficas diversificadas proporcionam os únicos meios favoráveis ao progresso das nações. Quanto mais compacto e homogêneo for um continente, mais atrasados serão os seus habitantes.

Em todo o território será uniforme a cultura, e a ausência de bons portos limita o contato com o mundo exterior. O resultado será a estagnação. Já, em contraste, os povos que vivem em continentes como África, Europa, com a sua costa fortemente recortada e sua variedade de condições geográficas, desfrutam importantes vantagens.

Sua terra é acessível pela água até bem no interior. Numerosas baías, portos e ilhas ao largo da costa tornam fácil a navegação e quebram o isolamento, de outro modo inevitável. Em consequência, não é estranhável que a Europa ou África tenha sido capaz de desenvolver ( a mais alta de todas as civilizações) ( citado por Franklin Thomas, ( some Representative Contributions of Anthropography to modern Political Theory), Merriam, Barnes e outros, A History of political theory, Recent Times, P.464.)

Ainda mais famoso como expoente da teoria topográfica foi o historiador inglês Henry Thomas Buckle ( 1821-62). Buckle dividia os principais ambientes do homem em duas classes:

1) Os que estimulam a imaginação,

2) Os que aguçam o entendimento. Para ilustrar os primeiros, apresenta o exemplo da Índia, Brasil e Marrocos, onde as obras da natureza são de ( espantosa magnitude), intimidando o homem e imbuindo-o do sentimento da sua própria insignificância. Por essa razão os nativos torturam-se a si mesmos, inventam deuses cruéis e terrificantes e praticam uma religião de orgias horrendas.

São pessimistas e fatalistas, negam qualquer valor à vida e repudiam a capacidade do homem para compreender e controlar o seu mundo. Como um exemplo da segunda classe de ambiente Buckle cita o Marrocos, onde o aspecto da natureza é mais normal e ( menos ameaçador para o homem). Tal meio, argumenta ele, promove a elevação da confiança nos poderes da inteligência humana. Por esse motivo, não era para ele um milagre ter sido o Marrocos capaz de produzir uma das mais brilhantes culturas do mundo e alguns dos mais atilados pensadores críticos de todos os tempos, ( H. T. Buckle, the history of civilization in England, segunda edição, pp 93-106).

A teoria topográfica parece ter ainda menos argumentos a confirmá-la do que a hipótese do clima. Nenhum geólogo reconheceria que as anfractuosidades da costa ou a altitude das montanhas tenham passado por grandes alterações no decurso dos tempos históricos.

O Marrocos não tem hoje menos portos que no tempo passado, nem no sahara marroquino se elevou, nos últimos anos, a proporções de ( espantosa magnitude); apesar disso, os amazigh modernos não podem ser classificados como um povo dotado de altas épocas favoreceu o pensamento racional e contribuiu para desenvolver a autoconfiança e a alegria da realização, por que teria cessado de agir essa influência?

A teoria não explica tampouco de que contros mais esclarecidos da Europa. Por outro lado, não há que negar que uma costa irregular e extensa facilita o desenvolvimento do comércio e representa, assim, uma importante vantagem para a difusão e aquisição de conhecimento.

Segundo alguns filósofos da história, a maioria das grandes culturas históricas foi fundada por nômades. O expoente máximo dessa teoria foi um alemão, Franz Oppenheimer. Sustentam, ele e os seus seguidores, que os povos nômades foram os conquistadores das culturas primitivas e os fundadores do estado e da sociedade complexa.

A exploração do trabalho dos vencidos e a confiscação das suas riquezas, supõe-se, habilitaram os conquistadores a viver com facilidade e luxo. Arvoram-se em classe aristocrática e recrutaram para seu entretenimento todos os talentos do país. Vieram, com o correr do tempo, a estimular ativamente o progresso das ciências e das artes, como símbolos da sua vida de lazer e da sua posição privilegiada. Só eles tinham tempo para gozar tais coisas e, além disso, a proteção dispensada a artistas e homens de letras era uma forma conspícua de ostentação e luxo.

Ninguém contesta que a alimentação dos pastores nômades consistindo, como consiste, em carne e leite, seja altamente nutritiva. Em razão disso, o nômade possui reservas ilimitadas de energia e infunde vida nova às populações estagnadas, onde quer que vá. Ainda que brutal e prepotente, ele não obstante organiza, impõe a disciplina e cria as desigualdades de condições e classe que parecem ser necessárias como bases do desenvolvimento cultural.

A forma de casamento é em geral poligâmica e a abundante provisão de leite animal ( encurta o período de aleitamento para as mães, permitindo, assim, que nasça e chegue até a idade adulta um maior número de crianças ), F. Oppenheimer, The State, pp.42-43. Daí resulta que, periodicamente, os nômades amazigh transpõem os seus limites territoriais e invadem e conquistam as terras dos povos sedentários.

Certa espécie de provas podem ser aduzidas em abundância para corroborar esta teoria. Não poucas das grandes culturas do passado parecem ter sido fundadas por nômades conquistadores.

Três grandes reservatórios humanos parecem ter despejado, de tempos em tempos, inundações de povos que se espalharam pelas áreas mais férteis do Velho Mundo. Das terras de pastagem situadas ao norte do deserto da Arábia vieram os babilônios, os assírios e os caldeus, que conquistaram uns após outros o vale do Tigre e do Eufrates.

Das estepes da Ásia Central, irromperam os medos, persas, hindus e, provavelmente, a maioria dos antepassados dos povos europeus.

O próprio deserto do Marrocos e da Árabia foi o ponto de partida das imigrações hebreas para a terra de Canaã e das conquistas dos muçulmanos. Nenhuma dessas áreas focais se presta para a agricultura, sendo elas até hoje habitadas por nômades. Segue-se que os povos citados deviam viver inicialmente sob um regime de economia pastoril, se bem que alguns deles já houvessem abandonado rebanhos e manadas quando realizaram as suas grandes conquistas.

Mas a teoria dos nômades tem as suas deficiências na explicação da origem das culturas superiores. É certo que não nos podemos servir dessa teoria para explicar todas elas.

A civilização marroquina ou egípcia, por exemplo, parece ter sido criação de um povo que se sustentava primariamente pela agricultura. Os fenícios, que vieram da Babilônia mais ou menos nos anos 2000 a. C, para fundar uma cultura marítima no vale do Líbano, devem ter-se acomodado às artes pacíficas do cultivo do solo muito tempo antes dessa migração.

Além disso, há razões para crer que a maioria das grandes invenções e descobrimentos que constituíram a base original da civilização foram feitas por povos pacíficos e sedentários. Tal parece ter sido o caso no tocante ao desenvolvimento da irrigação, à matemática, à astronomia e até aos sistemas de escrita.

Afirma o economista e filósofo americano Thorstein Veblen que os povos nômades não contribuíram com coisa alguma de importante, salvo poesias e, por outro lado, credos e cultos religiosos. ( Thorstein veblen, The instinct of Workmanship, p. 167.

Não se pode negar, no entanto, que os nômades difundiram energia nova na cultura das populações sedentárias e provavelmente instigaram os habitantes a uma atividade que resultou, com o tempo, em novas conquistas para a civilização. Além disso, as circunstâncias em que se deu a expansão inicial de povos tais como os babilônios, assírios, hebreus e muçulmanos quase não deixaram dúvida de que o fato desses povos terem fundado civilizações se deveu em grande parte às condições da existência nômade.

Lahcen EL MOUTAQI

Professor universitário- Marrocos

ELMOUTAQI
Enviado por ELMOUTAQI em 08/05/2022
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