DANIELA MERCURI CANDIDATA A PRESIDENTE

Não sou professor de Português e não tenho qualquer formação em Linguística, mas procuro, dentro de meus conhecimentos, escrever e falar o mais correto possível, para isso leio diariamente, estudo gramática e busco mais conhecimento sobre nossa amada língua, tão maltratada e desprezada por nosso povo, do mais pobre ao mais rico, do letrado ao iletrado. Os letrados, muitos, por modismo; os iletrados por ignorância.

Por conta disso, não leio jornais, o nível intelectual dos jornalistas é baixíssimo e o pouco que sei posso desaprender. A televisão tradicional não vejo, não só por isso, mas por causa do conteúdo imprestável da programação. Notícias busco, com certo critério, e somente vindas de jornalista com credibilidade e conhecimento acerca de nossa língua que não a maltrate tanto. Estou fazendo esta pequena introdução, que talvez seja até maior do que o que vou escrever, para dar uma noção a quem ler, no sentido de ver como as palavras e seu emprego estão sendo deturpadas.

Pois bem, estava vendo uma reportagem sobre a apresentação da cantora Daniela Mercuri em São Paulo no dia 1º de maio de 2022, quando o repórter ou jornalista, pré-candidato a deputado federal por São Paulo, Felipe Lintz, no yuotube disse que dita cantora havia, no palco, pedido votos ao Lula.

Quando ele falou aquilo (ele não tem culpa do nome Felipe, mas o correto é Filipe.) me arrepiei todo, ou seja, “Daniela pediu votos ao Lula”, pelo que sei o candidato é ele e não ela; se ela estava pedido votos para a eleição do Molusco, ela pediu votos para ele e não a ele; ela pediu votos ao público para ele. Mas, como Felipe Lintz estava se referindo a votos para o Molusco, ele empregou a contração totalmente errada, pois o sentido é outro. Justamente, o que disse acima, ou seja, a cantora (sic) pediu ao público votos para o “Descondenado”; e não pediu ao público votos ao Cachaceiro de Nove Dedos

Ao usar o termo incorreto, comecei a imaginar coisas. A desconfiança nas urnas eletrônicas é muito grande e se se pede votos para um candidato usando o termo ao, logicamente, que o TSE tem uma justificativa plausível para afastar a suspeita. Ou seja, o TSE pode muito bem alegar que o Molusco pediu votos ao Bolsonaro; como Molusco é candidato, não seria maluco de pedir votos para o adversário, pediu ao e os votos do Bolsonaro foram parar onde? Na conta do Molusco. Isso claro, como disse foi coisa da minha imaginação, pois jamais, em tempo algum posso desacreditar de tão alta corte eleitoral.

Quando estudava no curso ginasial, lá na minha querida Baturité, no Ginásio Salesiano Domingos Sávio, já se aprendia, - com nossos saudosos professores de Português seu Robério e padre José Roberto -, o uso das preposições para e a, com alguns verbos. Na realidade, as preposições são palavras insuficientes, ou seja, isoladas não têm sentido completo, servem para declarar a relação gramatical de substantivos, adjetivos, verbos e advérbios, a transitividade das palavras, a regência.

Alguns verbos têm sentidos diferentes, embora escritos da mesma forma, consequentemente, pedem complementos diferentes. Por exemplo, assistir pode ter sentido de: 1) ver – assistimos ao filme -; 2) prestar assistência, ajudar – o enfermeiro assistiu o paciente -; 3) caber direito – assiste a todo empregado ter carteira assinada. - No primeiro caso, o verbo é transitivo indireto; no segundo, transitivo direto e no terceiro intransitivo.

O verbo pedir, nosso caso, pode ser 1) transitivo direto: pedir algo – os alunos pediram informações sobre as provas -; 2) transitivo direto e indireto – os alunos pediram informações ao professor sobre as provas -; 3) transitivo indireto – pediu ao professor para ser dispensado da aula -

Por sua vez, determinados verbos pedem certas preposições, e dependendo da preposição o verbo adquiri outro sentido, como vimos acima no caso de assistir, além da preposição também dar dimensão temporal. O verbo ir, quando se usa as preposições para ou a, ele assume outra conotação, ou seja, com a preposição a significa que a pessoa vai e voltou logo – vou ao Rio de Janeiro – quer dizer vou e não tenho intenção de ficar muito tempo, logo estarei de volta. – Com a preposição para significa que tenho intenção de permanecer por lá muito tempo ou não voltar mais – vou para o Rio de Janeiro. – Isso aprendíamos lá atrás quando o ensino era melhor e não havia a interferência de esquerdistas dizendo que não há certo ou errado.

Hoje, passou a se usar tanto a como para com o mesmo sentido no emprego das preposições com o verbo ir. Nos jornais, é comum, quando um time contrata determinado jogador, os jornalistas dizerem: fulano vai ao Vasco, ao invés de fulano vai para o Vasco. Assim, nosso Felipe Lintz (sic) resolveu transformar Daniela Mercuri em candidata a presidente da República, pois ela estava pedindo votos ao Molusco; se o candidato fosse ele, ela estaria pedindo votos para ele.

Finalizando, e para mostrar que não nos damos mais conta do significado das palavras, qualidade, por exemplo, virou sinônimo de bom, excelente, ótimo. Os jornais, principalmente na parte esportiva, costumam falar: jogador fulano tem qualidade, o time tem qualidade. Como se estivesse dizendo que o jogador é bom ou que o time também é bom. Mas qualidade é uma palavra transitiva, ou seja, ela pede um complemento boa, má, péssima, ótima. Assim como diferença também deve ter complemento. Voltando ao futebol, costuma-se dizer que jogador A faz a diferença. Eu costumava dizer que o Chicão, quando jogava no Fortaleza, também fazia a diferença; era tão ruim que os adversários ficavam alegres se ele entrasse em campo.

Numa aula de Português o professor nos entregou um texto e o título era: Fazendo a Diferença, se não me engano. Ele leu, comentou e ao final, como no texto diferença era usada como uma coisa boa, ponderei com o professor dizendo: o texto começa com um erro, diferença em meu entender não quer dizer que seja uma coisa para bom ou melhor, pois pode ser também má ou ruim. Ele meio sem graça, pois entendia diferença como uma coisa boa, deu um sorriso e desconversou. Aí, vemos que as pessoas não observam, não leem e muito menos consultam dicionários, deixando-se levar pelo modismo, pelas conotações que as palavras vão assumindo de acordo com o interesse da imprensa.

'Em Portugal, o Dicionário Onomástico de José Pedro Machado regista apenas Filipe com dois ii.

N.E.: Conforme o dicionário de José Pedro Machado, o moderno Filipe provém do francês "Philipe", ou daqui pelo espanhol. Tem origem remota no grego "Philippos" (que gosta de cavalos); e daqui passou ao latim "Philipu(m)", donde o português Filipe (ou Felipo), que encontramos no séc. XV.'

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, MAIO/2022