Sobre Deus e a concepção de Camille Flammarion
Existe um Deus no Universo ou além dele? A importância dessa questão se faz sentir por qualquer pessoa habituada a reflexão. Há aqueles que, irrefletidamente, vão afirmar a sua existência, sendo isso uma afirmação de fé. No entanto, quando refletimos, passamos a pensar racionalmente o mundo e a nós mesmos, e é nesse momento que a questão da existência de Deus se torna infinitamente complicada. Não basta mais a simples crença ingênua, é preciso, como afirmava o filósofo René Descartes, por em dúvida tudo aquilo que acreditamos e que nos foi inculcado desde a infância. É um trabalho de demolição, mas que propicia uma reconstrução em bases mais seguras. Isso é pensar filosoficamente — e a filosofia está na base de todas as ciências.
Na concepção do astrônomo Camille Flammarion, em sua obra Deus na natureza, a inteligência do ser humano no estudo científico da natureza, mostrou que, diante de todo o progresso conquistado, a racionalidade com sua lógica e metodologia deve ser a base para a fundamentação das crenças religiosas. Flammarion se vale das ciências positivas para argumentar contra os seus cultores materialistas.
Ele considera ser o principal erro, daqueles que professam o materialismo, o fato de imaginarem Deus como um ser caprichoso em vez de perfeitamente sábio e imutável. De modo que Flammarion argumenta contra os materialistas Büchner e Moleschott, os quais afirmavam que as leis naturais mostravam que Deus não governava o Universo, pois do contrário essas leis não seriam imutáveis, mas sim alteradas a todo o momento pelo simples capricho de Deus. Entretanto, é justamente a imutabilidade das leis naturais que revelam a inteligência e sabedoria do Criador.
Por muitos séculos, no entanto, da ideia de Deus se fez uma concepção mesquinha, muito por conta do interesse material dos homens. Sendo assim até hoje, quando Deus é imaginado à imagem e semelhança de religiosos sedentos de riqueza e poder.
Segundo Flammarion, os homens de ciência percorreram a maior parte do caminho ao esclarecer as puerilidades e ideias fantasiosas a respeito de Deus e da finalidade do mundo que embalaram a humanidade por séculos, mas se esqueceram de seguir adiante, incapazes de enxergarem o fim da ciência e negando o Criador.
Em Deus na natureza, mostra Flammarion que existe no Universo, no mínimo, um significado espiritual conhecido por aqueles que estudam a suas leis naturais. É isso que possibilita as edificações racionais construídas pelo ser humano. A prática indutiva, no campo das pesquisas científicas, aplica-se sobre objetos reais. A generalização de alguns fenômenos observados frequentemente, como o nascer do sol a cada manhã ou o período propício para a colheita de certos grãos; e também a matematização dos fenômenos naturais, revela que o mundo tem uma ordem natural, que segue os ponteiros de um relógio habilmente construído por um relojoeiro.
A organização harmônica dos movimentos celestes em escala cósmica se rege por leis matemáticas cuja matéria inerte seria incapaz de compreender, revelando, sem dúvida, um espírito muito superior aos astrônomos que descobriram essas leis. Assim também a lei que rege as estruturas químicas, nas escalas atômica e subatômica, mostra que uma inteligência não conhecida ordena o mundo no céu e na Terra. Tudo o que há revela essa beleza e grandeza infinita.
Nessa bela obra, Flammarion argumenta pela existência do Criador de forma magnífica, dentro do seu vasto conhecimento científico.
Refletindo sobre essas páginas e pondo todas as minhas crenças em dúvida, sinto a minha fé mais fortalecida. Mesmo que o mundo secular pareça estremecer todas as bases da religião, a verdadeira fé não deve ceder às superstições ou aos dogmas avessos à razão. Em nossa era, a religião deve andar junto à filosofia e à ciência se não quiser ficar circunscrita ao campo da mitologia. Sendo Deus uma inteligência infinita, deve o cérebro/mente dos seres humanos ser o instrumento para compreender a natureza, que é a obra do Criador.
Referências
FLAMMARION, Camille. Deus na natureza. BL Garnier, 1878.