Os Princípios de Psicologia de William James.

Universidade de Pernambuco. UPE.

Bacharelado em Psicologia.

Cadeira de História da Psicologia.

Resumo.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a personalidade de William James(1842-1910) e a sua indiscutível influência sobre a psicologia e a filosofia americana, bem como apresentar suas principais contribuições a essas áreas do conhecimento. Através da principal obra de William James, Princípios de Psicologia[The Principles of Psychology], serão demonstradas suas principais contribuições à psicologia dos séculos XIX e XX bem como as principais diferenças entre a psicologia de James(mais tarde conhecida como “psicologia funcional”) e a psicologia de Wundt e Titchener(na época conhecida como psicologia estrutural ou abordagem do estruturalismo).

I. Vida e Obra de William James.

William James(1842-1910) nasceu nos Estados Unidos, filho de uma família abastada e rica. Seu pai, um filósofo e teólogo, conhecia a importância de uma formação crítica e em detrimento disso, deu a seus filhos uma educação ampla e cosmopolita, de tal forma que, logo cedo, o pequeno James já tinha feito diversas viagens à Europa a fins de estudo.

Depois de inúmeras viagens, percorrendo diversos lugares da Inglaterra, França e Suíça por 3 anos, James retorna aos Estados Unidos aos 18 anos e decide seguir carreira artística. Passou a estudar no ateliê do pintor William Hunt, em Newport. 6 meses depois convencem James de que, apesar de sua técnica avançada na pintura, ele não tinha o dom e a criatividade necessários que fazem um bom artista. Seus estudos em pinturas e cores mais tarde influenciaram seu trabalho sobre as sensações e as percepções da mente humana.

Desistindo de sua carreira artística, James se matricula na Lawrence Scientific School, em Harvard, onde retoma o interesse pelas ciências positivas que apresentava quando criança, sobretudo a química. Pouco tempo depois de Harvard começou a perder sua autoconfiança e a saúde, tornando-se uma pessoa extremamente neurótica pelo resto da vida, que seria acometida por diversas doenças. A pressão exigida através da precisão nos laboratórios e estudos de química fazem-no se desinteressar por essa matéria. Tenta prosseguir, portanto, com a medicina, mesmo que essa área não lhe despertasse tanto interesse, como afirmou o próprio James.

Ele interrompeu seus estudos em medicina para acompanhar o zoólogo Louis Agassiz numa expedição ao Brasil, conhecida como a Expedição Thayer. Permaneceu 8 meses no país tropical, principalmente na Amazônia e no Rio de Janeiro. James retornou aos Estados Unidos pois sua saúde frágil não permitiu que ele se dedicasse ao árduo trabalho de campo exigido na expedição. Com essa experiência, James teve um vislumbre do ofício dos biólogos, além de perceber que não tinha a menor vocação para trabalhos experimentais, convicção que o acompanharia pelo resto de sua vida.

Seus estudos foram interrompidos por mais um ano, devido a problemas com a sua saúde física e mental. James terminou o curso de medicina em 1869, embora nunca tenha exercido a profissão de médico. Ele descobre a psicologia no seu período depressivo de 1868 a 1869, que passou na Alemanha, período onde se viu obrigado a desenvolver uma filosofia de vida que o ajudasse a passar pelos problemas que estava vivenciando. Nessa época ele leu muita filosofia, principalmente os ensaios de Charles Ranouver sobre o livre-arbítrio. Aparentemente seus estudos em filosofia realmente o ajudaram com a depressão, pois em 1872 ele passa a lecionar fisiologia em Harvard. Mais ou menos nessa mesma época James revela seu interesse pelo psiquismo humano, ao estudar o efeito de substâncias químicas na mente. Ele decide experimentar tais substâncias, para conhecer ele mesmo seus efeitos sobre a mente, tal experimento se torna o primeiro de muitos que ele faria acerca da mente e do psiquismo humano.

No ano letivo de 1875-1876 ele lecionou seu primeiro curso de psicologia, chamado de “As relações entre a fisiologia e a psicologia”. Deste modo, Harvard foi a primeira universidade dos Estados Unidos a oferecer o curso de psicologia experimental, uma contribuição gigantesca por parte de William James ao desenvolvimento da psicologia nos Estados Unidos.

Durante muito tempo continuou a lecionar em Harvard, em 1885 ele foi promovido a professor de filosofia. Não muito tempo depois passou a ter o título de professor de psicologia. Nessa época havia conhecido vários psicólogos europeus, dentre os quais estava Wundt. A princípio James considera o psicólogo alemão um gênio da ciência, porém, pouco tempo depois discordaria das ideias de Wundt e criaria seu próprio arcabouço teórico acerca da ciência psicológica. Isso se daria através do seu grandioso livro “Princípios de Psicologia”, publicado como um estrondoso sucesso em 1890.

II. Princípios de Psicologia.

Lançado após 12 longos anos de escrita, Princípios de Psicologia foi uma obra pioneira, que reunia conhecimentos de filosofia, fisiologia e psicologia de maneira leve e concisa. A obra de James foi um sucesso imediato, e se tornou a mais importante referência em psicologia para as próximas gerações de estudantes da área. Princípios de Psicologia pôs em xeque a hegemonia estruturalista e wundt-titcheneriana sobre a ciência psicológica, lançando críticas a essa abordagem e fundamentando o que mais tarde se tornaria a abordagem ou escola conhecida como “Psicologia Funcional”.

O psicólogo MacLeod declarou: “O livro Principles de James é sem sombra de dúvida a obra mais culta e provocante, e ao mesmo tempo, o livro de psicologia mais compreensível escrito até hoje em inglês e em qualquer outro idioma”. Diversas teorias, temas e métodos são abordados no livro de James, dentre os quais podemos citar o fluxo de consciência, a introspecção, a teoria das emoções, o pragmatismo e a divisão do Eu.

O livro também aborda visão que se tornaria a doutrina central da psicologia funcional norte-americana: a ideia de que a psicologia não tem como meta a descoberta dos elementos da experiência(como afirmavam os estruturalistas), mas sim o estudo sobre a adaptação dos seres humanos no meio ambiente e o papel da mente nesse processo. Desse modo, o funcionalismo afirma que a função de nossa consciência é guiar-nos aos fins necessários para nossa sobrevivência, o que leva a concluir que a consciência é vital para as necessidades dos seres complexos em um ambiente complexo, visto que, de outra forma, a evolução humana não aconteceria.

O Fluxo de Consciência.

Para James as experiências conscientes são simplesmente experiências conscientes, e não elementos mínimos da consciência, como afirmava Wundt. De tal maneira que a análise introspectiva, não demonstra a existência de elementos mentais no psiquismo humano independentemente de um observador treinado. A investigação que os estruturalistas fazem sobre a mente humana através do método da introspecção, concluía James, era artificial e tendenciosa.

O psicólogo norte-americano afirmava, na contra-mão do estruturalismo, que “Ninguém jamais experimentou uma sensação simples por si próprio. A consciência, desde o dia do nosso nascimento, gera uma imensa multiplicidade de objetos e relações e o que os denominamos sensações simples é resultado da atenção discriminativa, levada a um grau muito alto”. James propõe um novo modelo, que escapa da análise artificial e do reducionismo. Em seu programa de psicologia, James afirma que a vida mental consiste em uma unidade, em uma experiência total que se modifica. A consciência, segundo o psicólogo, é um fluxo constante e qualquer tentativa de dividi-la em fases temporalmente distintas pode distorcê-la. A essa ideia, James deu o nome de “fluxo de consciência”.

A Função da Consciência.

James ainda destaca o “fim” ou o “propósito” da consciência. Como antes mencionado, ele acreditava que a consciência desempenha algum papel no processo evolutivo humano, caracterizado por uma função biológica. Caso contrário a consciência não teria sobrevivido à seleção natural. Para desenvolver essa ideia, James fazia a distinção entre a escolha e o hábito: os hábitos são involuntários e não conscientes. Quando estamos diante de um novo e complicado problema e temos que escolher como enfrentá-lo, o ato da escolha consciente entra em ação.

Algo muito parecido com o conceito de “zona de indeterminação” de Henri Bergson, filósofo que interagiu intelectualmente com James. Ambos os pensadores foram muito influenciados pelas teorias evolucionistas de Charles Darwin e Herbert Spencer.

Os Métodos da Psicologia.

Outro aspecto particular da psicologia de James em detrimento da hegemonia corrente do estruturalismo se dá no caráter multi-metodológico que James adotou. Enquanto o estruturalismo de Wundt e Titchener privilegia a introspecção como o principal método de investigação psicológica, no modelo de James percebemos a introspecção como somente um dos muitos métodos disponíveis para investigar a complexidade da mente humana. James ainda chamava a atenção para os estudos em psicofísica, bem como chamava a atenção para o método comparativo e o método funcional. Esse tratamento eclético ampliou consideravelmente a área de estudo e atuação da psicologia experimental norte-americana.

O Pragmatismo.

Charles Sanders Peirce foi um matemático e filósofo, que desenvolveu na década de 1870 uma escola filosófica conhecida como pragmatismo. Teoria que só passou a ser reconhecida a partir da publicação do livro de James(amigo de longa data de Peirce) Pragmatism [pragmatismo].

Segundo o pensamento pragmatista as teorias científicas e filosóficas devem ser usadas como instrumentos a serem julgados por seus resultados ou fins. Assim sendo, o valor do método da teoria científica ou filosófica está em seus resultados práticos. James enfatizava em sua obra a necessidade de um pensamento pragmático na psicologia. Segundo o próprio James: “se funcionar, é verdadeiro”.

A Teoria das Emoções.

Um dos capítulos mais influentes de Princípios de Psicologia é aquele onde James explora uma nova perspectiva sobre as emoções humanas. Nele, o psicólogo expõe a teoria de que as emoções são consequências, e não causas, das reações fisiológicas as quais estão associadas: “O senso comum diz, nós perdemos algo, ficamos tristes e choramos; nós encontramos um urso, nos assustamos e corremos; somos insultados por um rival, ficamos bravos e atacamos. A hipótese a ser defendida aqui é que essa sequência está incorreta... que nós nos sentimos tristes porque choramos, bravos porque atacamos, e com medo porque trememos”.

O Eu em Três Partes.

James também formula uma teoria do “Eu em três partes” segundo a qual o Eu de uma pessoa seria formado por três principais aspectos: o eu material, que consiste de tudo o que é pessoal pro indivíduo, isso é, seu corpo, sua família, seu lar, seu estilo de vestir e etc. Logo em seguida haveria o eu social, que se refere ao reconhecimento que obtemos por meio de outras pessoas. Segundo James, o eu social é multifacetado, se expressando e se apresentando de diferentes formas, a depender do contexto social em que se insere. Por fim há o eu espiritual refere-se ao eu interior ou subjetivo do indivíduo.

Conclusão.

Uma análise da Psicologia Geral, publicada em 2002, classificou James como o 14º mais eminente psicólogo do século XX. Uma pesquisa publicada no American Psychologist em 1991 classificou a reputação de James em segundo lugar, atrás apenas de Wilhelm Wundt, que é amplamente considerado o fundador da psicologia experimental. O fato é: A clareza, o pioneirismo e o brilhantismo de William James o imortalizou na história da psicologia. Suas interlocuções são diversas e abrangentes, a influência de seu pensamento atravessa os séculos, e ainda hoje muitos dos aspectos de sua psicologia permanecem como atuais e implicam questionamentos necessários.

É incrível como uma pessoa, acometida de tantas doenças e fatalidades, conseguiu desenvolver de maneira tão grandiosa uma ciência emergente. Podemos citar uma miríade de pensadores que foram influenciados pela obra de William James, dentre os quais merecem destaque: Émile Durkheim, Edmund Husserl, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein, Hilary Putnam, Richard Rorty, Henri Bergson, John Dewey, Edward L. Thorndike, Mark Twain, Carl Jung, Sigmund Freud, Theodore Roosevelt e Jimmy Carter.

Referências.

FREIRE, Izabel R. Raízes da psicologia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. 9.ed. São Paulo: Cengage Learning, 2009