AS NOSSAS TRADICIONAIS NOVENAS SERTANEJAS
AS NOSSAS TRADICIONAIS NOVENAS SERTANEJAS
Manoel Belarmino
A casa, quando amanheceu, já estava enfeitada com bandeirolas e fitas coloridas. Enfeites na sala e no terreiro. Na varanda da casa, bem no lugar mais vistoso, um oratório vestido de enfeites. No centro do oratório está o Santo da novena. O Santo ou a Santa da novena sempre ladeado ou ladeada pelo também santo Padre Cícero do Juazeiro e outros santos.
Nas primeiras horas do alvorecer, antes de o Sol mostrar o rosto, escuta-se os primeiros estampidos dos fogos e os sons dos pífanos e zabumbas dos Vito. É a alvorada da novena. Na cozinha, ou sob uma latada, logo cedinho, as delícias de comida estão sendo preparadas pelas mãos mágicas das mulheres, para o almoço e para a janta dos participantes.
Sentados em um banco de craibeira, longo, comprido, colocado ali na varanda, estão os Vito tocando os pífanos e os zabumbas. E cantando aquelas belíssimas cantigas dos tempos mais antigos.
As primeiras pessoas começam a chegar; todos trazem um prêmio para o leilão, um litro de vinho, um queijo, um perfume, uma bebida, um capão, uma goiabada. Tudo doado para o leilão que acontece no fim da novena. O dia continua animado. E os tocadores continuam tocando e cantando.
O dono da novena oferece aquele mais delicioso almoço sertanejo. Carnes de carneiro, de bode, de peru e buchada. As vezes sarapatel. Uma boa cachaça também sempre aparece ali. No jantar também é a mesma coisa.
No fim da tarde tem o acompanhamento (procissão) do Santo da novena pelas estradinhas do lugar. Geralmente, o Santo da novena vai visitar outro Santo ali numa casa próxima. O acompanhamento é acompanhado de rezas, fogos e os toques dos pífanos e zabumbas.
Depois chega a noite. E a Festa religiosa continua noite adentro. Mais e mais moças e rapazes, bem vestidos, começam a chegar. Chego o momento dos lenços e das bandeiras. É o momento mais esperado pelas moças e rapazes. No terreiro, ali sob o clarão da Lua e do lampião de gás, doze rapaz esperam as doze mocinhas sertanejas entregarem as bandeiras. Embalado pelos sons do pífanos entoa-se aquela modinha sertaneja:
"Bandeira vermelha
É sinal de guerra;
Verde é esperança;
Branca é a flor da terra".
Ou então quando das entregas dos lenços:
"Oi lenço, oi lenço,
Oi lenço de Yayá,
Menino receba o lenço
Que a morena mandou dar.
Todo mundo me pergunta
O que foi que eu perdi.
Porque é que eu choro tanto.
Eu também não respondi".
Depois da entrega das bandeiras ou dos lenços, os rapazes recebem o abraço e o beijo das lindas caboclas sertanejas. As palmas, os vivas, os estampidos dos fogos e o som encantado dos pífanos, culminam aquele momento animado. Depois o silêncio dos pífanos e todos se concentram ali para a reza.
É o momento sangrado de beijar o Santo. Nesse momento, todos as pessoas, de um a um, se ajoelha na frente do oratório, benze-se fazendo o sinal da cruz na frente do Santo e "beija o oratório". Momento forte de devoção ao santo ou à santa da família.
Depois da Reza do Beijar o Santo e da queima de fogos, começa o outro momento: o leilão tradicional. Este é o momento mais bonito de solidariedade. A reza e o leilão tradicional são os dois momentos mais importantes da novena tradicional no sertão. A reza fortalece a fé e o leilão fortalece o valor da solidariedade, da ajuda mútua e comunitária.
Sempre foi e é assim nas novenas dos Vito no Monte Alegre Velho, nas novenas de Dona Zefa da Guia, nas de Zabé na Serra Negra Velha, na novenas de Dona Êta, como tive a felicidade de rever e reviver parte de tudo isso há pouco tempo lá no Alto Bonito.
Assim são as nossas novenas tradicionais no sertão: cultura, solidariedade, religiosidade e fé.