“SÓ” EM MEIO A TANTOS: RELAÇÃO HOMEM-TELA

O avanço da tecnologia não só trouxe benefícios e facilidades para o cotidiano, desde um tênis mais adaptável para esportistas até implante de partes do corpo humano, mas também trouxe significativas mudanças na forma de pensar e agir dos indivíduos. Diante disso, é fundamental discutir sobre como a tecnologia, especificamente a utilização da internet, influencia a mudança na vivência social e principalmente nas transformações das formas de relacionamentos da geração vigente.

Destacando a faixa etária dos adolescentes, eles têm por característica intrínseca a necessidade de pertencimento a determinado grupo. E é nesse espaço que é propiciado o desenvolvimento de cumplicidade, vivência dos conflitos e dúvidas, onde se busca compreensão ao invés de julgamento. E só é possível a sensação de pertencimento a determinado grupo a partir da identificação de características em comum, seja psicológica ou social ou biológica (FEIXA, 1988).

Prensky (2001) utiliza o termo “nativo digital” para se referir àqueles que possuem cinco ou mais anos de experiência online e que estão constantemente conectados e integrados às “redes”, diferenciando-se daqueles chamados de “imigrantes digitais”, que são aqueles que tiveram dificuldade de se adaptarem ao “mundo virtual” e aos comportamentos recorrentes desse novo estilo de socialização.

A partir de mudanças na sociedade, decorrente de fatores como o avanço tecnológico, também observa-se uma instabilidade e fragilidade dos vínculos sociais, diante disso, as relações tornam-se fluidas e passageiras (JUSTO, 2005). “(...) As realidades da vida moderna implicam uma relação tão íntima entre as pessoas e a tecnologia que não é mais possível dizer onde nós acabamos e onde as máquinas começam” (TADEU, 2009, p.22).

Tadeu (2009) traz que há um entrelaçamento de redes, que ao mesmo tempo que são humanas também já se transformou sutilmente partes “em máquinas”. Essa rede também transformou o homem de dentro para fora, do mesmo modo que se constrói circuitos integrados também ocorreu essa inerente transformação a partir da tecnologia.

Com relação a utilização de telefones móveis, eles se tornaram indispensáveis para a sociedade e mais ainda quando se fala dos adolescentes pós-modernos, pois esses cresceram no mesmo período da implantação das novas tecnologias. Desse modo, os aparelhos móveis se tornaram a extensão do próprio indivíduo. Essa geração conhecida como Geração Z (àqueles que nasceram após 1998) é caracterizada pelos adolescentes que possuem alta capacidade de assimilação e convivência digital (TAPSCOT, 2000 apud SOUSA et al, 2014).

É possível dizer que a internet também é um espaço social, no qual as pessoas buscam relacionamentos, pertencimento e também “que permitem fundar comunidades reais, no sentido em que existe interatividade entre os indivíduos, mas também virtuais, na medida em que não existe presença física” (PONTES, 2000, p. 69).

“A tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões – e é importante saber quem é que é feito e desfeito” (TADEU, 2009, p.32). E nesse dilema, a internet é uma tecnologia que proporciona novas formas de relacionamentos, no qual possibilita a pessoa do outro lado da tela a criar perfis virtuais, tornando sua identidade real mutável.

Nesse contexto de imersão nas redes sociais, existem alguns riscos que são necessários pontuar. Como posto por Turkie (1997), nesse meio de redes sociais não se sabe “quem é quem” de fato, tão pouco as intenções de quem está por trás das telas, também é por meio das redes sociais que há uma cobrança mais acentuada e o desejo de expor vidas de “felizes para sempre”, seja por meio de relacionamentos sempre felizes, vida saudável ou corpo perfeito.

Matos (2009), no que se refere as redes sociais, diz que possibilitam a falsa sensação da ausência de solidão. Pois, uma pessoa está conectado por determinado tempo, há uma sensação de aceitação mútua. Mas isso pode trazer sérias consequências: “quanto mais intensos são os relacionamentos virtuais, mais se sentem sós no meio físico, o que os leva a aumentar ainda mais a troca de mensagens, compulsivamente (...) pelo medo de sentirem-se sozinhos” (MATOS, 2009, p.17).

Com isso, é possível evidenciar o “mal-estar pós-moderno”, no qual as relações são buscadas “quando necessário”, tornando-se cada vez mais superficiais e descartáveis e onde se foge de “compromisso a longo prazo” (BAUMAN, 2004, p. 10). Sendo assim, ao invés da busca por “relação”, busca-se “conexão em redes”, pois “uma ‘rede’ serve de matriz tanto para conectar quanto para desconectar”. Diante disso, “as conexões [são] rompidas (...) muito antes que se comece a detesta-las” (BAUMAN, 2004, p. 12).

Rocca (2000) considera que a cultura pós-moderna, caracteriza-se pelo domínio da imagem e velocidade e massificação da informação. Consequentemente, torna-se possível um acesso mais rápido e completo do conhecimento global e uma conscientização cada vez maior da inexistência de verdades definitivas e completas.

(...) Os ganhos e perdas mudaram de lugar: os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual (BAUMAN, 1998, p. 10).

A expressão “ninguém se preocupa contigo” torna-se um “cruel veredito equivalente à prova de que somos uma não pessoa. (...) Num mundo de busca desesperada de atenção, a indiferença torna-se um fracasso”. (BAUMAN, 2014, p. 146). Pois no mundo pós-moderno, as regras “postas” são: “não se prender a um lugar, por mais agradável que a escala presente possa parecer. Não se ligar a vida a uma vocação apenas. Não jurar coerência e lealdade a nada ou a ninguém (...) (BAUMAN, 1998, p. 3).

Nesse contexto, o que as redes sociais transmitem é a ideia de “nunca mais vou ficar sozinho”. Observando as transformações psicossociais, no qual as pessoas buscam atenção por meio da tentativa de se tornar uma “celebridade” ou uma “vítima” com o intuito de ganhar visibilidade, é o que Bauman (2004) chama de “tempos líquidos modernos”. E nessas novas formas de se relacionar “determinados tipos de vigilância estão rotineiramente envolvidos na mediação digital dos relacionamentos” (Bauman, 2014, p. 41.).

Por outro lado, Bauman (2000 apud ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009), mostra que em algum momento posterior será possível compreender a pluralidade e diversidade do mundo. Sendo assim, é importante também a ruptura com preconceitos que o termo pós modernidade traz e “passar a enxergá-lo como a possibilidade de um novo ponto de observação no interior da própria modernidade, capaz de permitir a reflexão sobre o projeto da ordem como tarefa e julgar sua (in)congruência, seus ganhos, perdas e os efeitos da turbulência que ele provocou” (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 29). “A arte de viver num mundo hipersaturado de informação ainda não foi apreendida. E o mesmo vale também para a arte ainda mais difícil de preparar os homens para esse tipo de vida” (BAUMAN, 2010, p. 60).

Diante disso, torna-se evidente que, o avanço da tecnologia, mais propriamente o uso das redes sociais, se por um lado pode propiciar a facilitação da comunicação, o seu “mau uso” pode afetar a convivência social e levar a ruptura do mundo real em decorrência do mundo virtual. Além disso, a busca por aceitação e por relacionamentos fluidos é uma outra questão que se destaca nesse novo contexto social, pois as consequências de tal fato afeta os aspectos psicossocial e biológico das pessoas imergidas neste novo mundo (...) e esse sim é o mundo real.

REFERÊNCIAS

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TADEU, Tomaz. “Nós Ciborgues: o corpo elétrico e a dissolução do humano”. & KUNZRU, Hari. “Genealogia do Ciborgue”.In: TADEU, Tomaz (org). Antropologia do Ciborgue. as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. pp. 7-16; pp. 119-126.

Elisângela Coelho
Enviado por Elisângela Coelho em 05/08/2020
Código do texto: T7027068
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