Em defesa de Heloísa
“Cuidado com o ciúme. É o monstro de olhos verdes que zomba da alma que o alimenta.”
Shakespeare
Quem assistiu a Mulheres Apaixonadas, com certeza lembra da tresloucada Heloísa, magnificamente interpretada por Giulia Gam – atualmente sumida das novelas – e de como seu amor e seu ciúme doentio do marido Sérgio (Marcello Antony) rendiam cenas realmente antológicas. A personagem era tão possessiva que ligou as trompas para não engravidar e dividir o amor de Sérgio com outra pessoa, deu uma facada no marido, teve um acidente de carro após um surto psicótico em que o via com outras mulheres, jogou o carro em cima de uma rival e tentou o suicídio várias vezes, tendo de ser internada em uma clínica. Se o personagem houvesse sido representado por uma atriz menos talentosa, talvez houvesse ficado caricato. Porém, Giulia Gam fez de Heloísa um tipo inesquecível.
Manoel Carlos – que depois de Páginas da Vida não fez mais sucesso – sempre criou personagens femininas intensas, como a Branca de Por Amor, a Marta de Páginas da Vida, a Débora de Felicidade e a própria Heloísa, que roubava a cena sempre que aparecia e rendeu mesmo piadas na Internet e uma sátira no extinto Casseta e Planeta, em que era chamada de Helouquiza. Muitos comentavam como ela era desequilibrada e insuportável, tornando a vida de Sérgio um inferno com seus ciúmes. A personagem também fez muitos conhecerem o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas) e chamou a atenção para o problema do ciúme e do amor doentio.
Realmente, não podemos negar que ela era difícil de aturar. Os cunhados e as próprias irmãs, Helena e Hilda, ficavam cheios dela e todos se queixavam de como ela era grudenta e não deixava Sérgio em paz. Porém, sejamos sinceros. A novela tem alguns furos em relação ao desenvolvimento do personagem. O que a tornou assim? Não se fala de episódios no passado que expliquem seu comportamento. Afinal, nada vem do nada e com certeza os problemas de Heloísa derivam de alguma carência afetiva e falta de autoestima que a fazem ser incapaz de viver bem consigo mesma e achar que sua felicidade depende completamente do seu marido. Um outro furo da novela foi não enfatizar que Sérgio tinha sua parcela de culpa no desequilíbrio de Heloísa.
Não se está dizendo que ele não estava certo em ficar cansado dela, que chateava com sua possessividade. Entretanto, qualquer um podia notar que Sérgio dava motivos para que ela ficasse enciumada. Bonitão e aparentando mesmo ser mais jovem que Helô – embora Giulia Gam tivesse apenas 35 anos à época da novela, estava bastante envelhecida – ele jogava vôlei na praia, chamava a atenção das moças e gostava de que flertassem com ele, fazendo isso muitas vezes na frente de Heloísa. Mesmo uma mulher que não seja ciumenta não vai gostar disso, não é? E a situação piorou quando quem começou a dar em cima dele foi Vidinha –interpretada pela filha de Manoel Carlos – que o fazia de forma descarada, para todos verem. Heloísa era a única errada na história?
E ninguém dizia nada contra a menina, que, além de agir de forma errada e mal-educada, paquerando um homem casado, ainda era imprudente, provocando uma mulher insana como Heloísa. Houve uma cena que merece ser comentada. Nela, Heloísa vai até Lorena (Suzana Vieira) – mãe de Vidinha, para queixar-se do comportamento desavergonhado da moça, ouvindo como resposta: “Heloísa, a Vidinha é apenas uma menina. Você é uma mulher feita.” Como se idade justificasse um procedimento errado desses ou o tornasse menos errado, não? E ela nem era tão menina assim, devia ter uns vinte anos. Mas, ainda que fosse apenas uma adolescente, deveria ter idade de entender que não se paquera homem casado, mesmo que o casamento esteja se desfazendo. A atitude de Lorena é a mesma de uma mãe que, ao ser procurada pela diretora de uma escola que foi se queixar que o filho dela fazia bullying contra outras crianças, roubando lanches e batendo nelas, disse que ele era apenas uma criança.
Como quem assistiu à novela sabe bem, Heloísa e Sérgio se separaram. Era um final óbvio, visto que, desde o começo da novela, podia-se ver que o casamento estava na corda bamba. Onde há excesso de ciúmes – seja da parte do marido ou da esposa – não há espaço para uma relação saudável. Pena que o autor da novela não se preocupou em mostrar que o ciúme é resultado de inseguranças internas que não foram bem trabalhadas. A pobre Heloísa é um personagem que merecia ser mais bem explorado. Seria ótimo que o autor a colocasse trabalhando para resgatar sua autoestima, aprendendo que ela podia se fazer feliz sozinha.
Notamos bem que os personagens masculinos ficam em segundo plano nas novelas de Manoel Carlos e o Sérgio de Marcello Antony, que não foge à regra, não foi bem desenvolvido, parecendo mais um típico adultoscente , esses adultos que insistem em agir como se ainda estivessem na adolescência. Havia horas em que tínhamos pena dele, por viver sob pressão ao lado de uma mulher ciumenta mas também havia outras em que se podia ter raiva. Ele adorava ser paquerado, fazia questão de agir como se não fosse casado, insistindo em ter um comportamento de solteiro, era vaidoso e não dava muito apoio emocional quando outros personagens chamavam Heloísa de louca. E, no final, Vidinha, que agiu errado, foi recompensada ficando com Sérgio.
Certamente, muita gente deve ter ficado com raiva da atitude de Vidinha, que foi totalmente errada.