Os mangás yuri e os padrões heteronormativos
Muitos são os blogs, canais e páginas que problematizam os mangás e animes yaoi – de relacionamento entre homens – abordando aspectos como o estupro romantizado e os estereótipos do seme e do uke, mas ainda não se fala tanto sobre os mangás e animes yuri, que falam de relacionamentos entre moças, embora eles também tenham características que mereçam ser discutidas.
As histórias yuri costumam quase sempre retratar relacionamentos entre meninas em idade colegial, uma idade em que a sexualidade ainda não está totalmente definida. Se repararmos com atenção, as tramas do universo yuri, assim como as do universo yaoi, também contêm traços de heteronormatividade e, após acompanharmos um pouco as tramas, veremos que há uma moça que poderia ser definida como o homem e outra, como a mulher da relação. A que representa a figura masculina costuma ser mais alta e tem uma personalidade mais madura e contida e a que faz a parte feminina é mais baixa, com personalidade mais frágil, infantil e impulsiva. Mesmo que a parte masculina seja feminina, podemos ver muito bem que ela tem uma personalidade muito mais forte e dominadora, fazendo às vezes um tipo sedutor e misterioso.
Vemos bem isso em dois animes bem conhecidos: Strawberry Panic e Kannazuki no miko. Em Strawberry Panic, a trama se passa em um colégio interno católico para moças e, ainda que haja vários casais, o casal principal é composto por Shizuma e Nagisa. Shizuma é uma moça alta, de longos cabelos prateados, bastante bonita e misteriosa, com um estranho carisma e Nagisa, uma recém-chegada ao internato que tem um jeito muito infantil e muitas vezes se mete em confusão por causa da sua ingenuidade. Logo no começo, Shizuma demonstra interesse em Nagisa e a deixa fascinada com sua postura fria e a aura de mistério que emana de si. Não é difícil constatar quem é o “homem” e a “mulher” do casal, não?
Kannazuki no miko é um clássico yuri com temática sobrenatural que envolve figuras mitológicas e reencarnação, protagonizado por Himeko e Chikane. Himeko, como Nagisa, é recém-chegada a um colégio de elite e tem uma personalidade infantil e um jeito bastante atrapalhado, que lhe dá bastante charme. Ela quase cai da escada no primeiro capítulo e é salva de cair por Chikane, moça que é invejada e admirada por todos na escola. Assim como Shizuma, Chikane mostra imediato interesse em Himeko. As personalidades de ambas são bastante distintas. Himeko é infantil, insegura e ingênua e Chikane é segura, sofisticada e contida. Ela é inteligente, pertencente a uma família riquíssima, tem pretendentes de ambos os sexos e faz muitas coisas, como tocar piano, dançar, atirar com arco e flecha e montar cavalo muito bem. Ela não é masculina, entretanto, é óbvio que é a parte mais forte e dominante da relação.
Como podemos ver, até os mangás e animes yuri, que retratam relacionamentos entre mulheres, acabam seguindo à risca o típico modelo heteronormativo, que coloca a mulher como o lado mais frágil na relação. O sexo feminino é sempre colocado como o mais frágil, indefeso, infantil e o masculino, como o dominante, maduro e que sabe o que fazer.
As moças que representam a parte masculina exercem o papel de tomar decisões, seduzir e de “proteger” a parte feminina, a mais vulnerável. É uma pena que muitas vezes esses estereótipos acabem por nos dar a impressão que estamos sempre lendo ou assistindo à mesma história contada com personagens diferentes.
Um casal que merece ser mencionado, apesar de constar numa história shoujo e não yuri, é Haruka (Sailor Uranus) e Michiru (Sailor Neptune), de Sailormoon. É verdade que Michiru, como Sailor Neptune, era uma guerreira bastante eficiente, porém os papéis masculino e feminino são bem delimitados. Haruka, que chegou a ser confundida com um rapaz na sua primeira aparição, usa cabelos curtos, roupas de homem e se interessa por esportes de velocidade ao passo que Michiru é delicada, feminina e elegante, tocando violino e pintando quadros.
Enfim, tanto as histórias yaoi como yuri, embora falem de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, seguem os padrões típicos heteronormativos, em que a figura masculina é a mais forte e a feminina, a mais frágil e passiva.