A TÁTICA DA TERRA ARRASSADA
Os romanos, com sua notabilíssima política e sistema judiciário, adotaram uma postura diferente de outros impérios antigos que, como os assírios e os babilônicos, destruíam as terras conquistadas, deportavam seus moradores e espelhavam o terror. Ao invés disso, os romanos mantinham os povos conquistados em seus territórios e preservavam suas culturas e religiões, assim como os persas e Alexandre fizeram anteriormente. Enquanto o Império ainda se expandia, os deuses cultuados pelos povos conquistados eram colocados no Panteão Romano e reconhecidos como mais uma divindade do Império, como mais uma religião válida. Os romanos ainda ampliaram a malha viária de modo que todos os cantos do Império tinham um acesso em linha reta à Roma, o que acabou dando origem à famosa frase “todos os caminhos levam à Roma”. Além disso, os conquistados passavam pela romanização, ou seja, absorviam a cultura, as leis, a língua e os costumes romanos, processo esse que, inclusive, permitiu o surgimento das línguas românicas originadas do latim, como o Italiano, o Português e o Francês.
O que era exigido dos povos conquistados se resumia ao pagamento de impostos e ao reconhecimento da soberania do Imperador de Roma. Quando Roma expandiu seu Império a ponto de ter o controle de um vasto território que se estendia da Escócia até a Pérsia, o Imperador Augusto determinou o fim das guerras civis. Foi exatamente em um momento em que os romanos já estavam cansados de tantas guerras que, oportunamente, Augusto instaurou no Império a chamada “pax” romana, no ano 28 antes de Cristo.
Uma postura inversa à aculturação é a tática da terra arrasada. Observando a conduta romana diante dos povos e territórios ocupados, fica claro que os objetivos que todos os conquistadores realmente miram são os espólios da guerra, eles buscam como fim último, ainda que indiretamente, a tributação das populações submetidas para alimentar suas tesourarias. Não há vantagem nenhuma em destruir um território e aniquilar sua população se isso não trouxer nada em troca, é uma despesa desnecessária que só traz prejuízos, tanto materiais quanto humanos. É preciso ter o que conquistar e sobre o que imperar.
Foi pensando nisso que os russos permitiram que Napoleão e seu exército de mais de seiscentos mil homens invadissem seu território enquanto recuavam para o interior sem batalhar, destruindo tudo que não pudessem levar, desde casas, plantações e até animais, deixando um monte de escombros e ruínas para serem conquistados. Depois de entrar centenas de quilômetros para dentro da Rússia, e de se afastar largamente de suas linhas de suprimento, Napoleão se deu conta de que o que conquistara até então não passava de areia e cinzas. Mais ainda, percebeu que o simples retorno para casa, distante centenas de quilômetros, dizimaria tantos homens de sua tropa quanto uma batalha. Vendo-se sem abrigo e sem comida, o retorno para o ponto de partido foi caótico e desastroso para Napoleão, as tempestades de neve e os ataques oportunos dos russos pela retaguarda consumiram o que tinha restado da moral de seus soldados.
Napoleão foi humilhado pela tática russa, voltando com apenas cento e vinte mil soldados, depois da maioria deles morrer, desertar, fugir para os confins da Rússia ou morrer congelada pelo gelo do implacável inverno russo.
A tática da terra arrasada, já conhecida pelo seu sucesso, seria usada mais uma vez pelos russos na Segunda Guerra Mundial, quando o inimigo que se aproximava era o exército nazista, eram pelotões da SS nazista marchando para o interior da então União Soviética, eram divisões Panzer avançando impiedosamente, pondo em ação a operação Barbarossa. Os russos permitiram que os alemães avançassem para dentro de suas terras deixando para eles pilhas de tijolos como recompensa pelos esforços de guerra, enquanto isso, preparavam um contra-ataque fulminante no extremo oriente de seu território. Mais uma vez a tática deu certo, o exército nazista de mais de trezentos mil soldados se viu isolado, ocupando uma área de mais de mil e quinhentos quilômetros quadrados, distante das fontes de suprimentos, combatido pelo frio extremo do inverno russo de trinta graus Celsius negativos. Acabou cercado e rendido.
Os nazistas que não morreram de fome (depois de terem comido todos os cavalos e até cachorros e gatos), ou devido aos ferimentos, ou congelados, ou pelas balas russas, foram feitos prisioneiros. Foram contabilizados mais de noventa mil prisioneiros nazistas, incluindo dois mil e quinhentos oficiais e vinte e quatro generais. Deu-se início a uma marcha até Berlim. Pouco mais de cinco mil prisioneiros alemães sobreviveram à marcha. Quando o Exército Vermelho encontrou os exércitos aliados que vinham de suas campanhas pelo oeste da Europa, o combinado foi de que Berlim seria um prato a ser devorado pelos russos. O Exército Vermelho logo se pôs a organizar o cerco a Berlim, cerco que se estendeu por semanas. Enquanto a vingança era preparada, era preciso, ao mesmo tempo, controlar a expectativa e a ansiedade dos soldados: a barriga dos russos roncava como a de um faminto que espera com água na boca pela refeição que está sendo preparada.
O banquete era preparado ao som dos órgãos de Stalin, como eram chamados pelos alemães os foguetes russos Katyusha, que produziam um barulho estridente e foram ouvidos por toda a Berlim durante o cerco soviético. Não era só o barulho constante dos katyushas que trazia pavor aos habitantes de Berlim, mas também o fato de o foguete ser de curto alcance e de pouca precisão. Se não bastasse isso, o pavor foi ainda mais intensificado quando perceberam que para os russos pouco importava se os alvos atingidos fossem militares ou não. Com uma gana de vingança que fazia espumar pela boca os soldados soviéticos, qualquer coisa que o foguete atingisse dentro de Berlim fazia o disparo valer a pena, pelo simples fato de atingir Berlim, capital do regime nazista. A terra a ser arrasada pelos russos agora não seria mais a sua própria, mas a capital da Alemanha.