Pais opressores e religiosos

Nem todos os pais opressores são religiosos e muitos pais religiosos não são opressores, mas quando os pais são ao mesmo tempo opressores e religiosos, a combinação será fatal, resultando em filhos angustiados, oprimidos e emocionalmente perturbados que sofrerão por se ver privados de uma vida normal, assombrados pela ideia de que podem estar pecando, imaginando Deus como um ser que fica o tempo inteiro a vigiá-los e pronto a condená-los ao inferno.

Um bom exemplo que temos na ficção é Margaret White, de Carrie a estranha, romance de Stephen King (que depois ganhou versões cinematográficas). Terrivelmente fanática, louca e abusiva, Margaret White vê o poder paranormal de sua filha Carrie como uma manifestação do demônio, proíbe-a de fazer tudo que as adolescentes fazem, considera que Carrie foi fruto do pecado porque o marido e ela não haviam resistido à tentação de fazer sexo no passado, gerando a jovem e tem ideias absurdas, como a de que as espinhas da filha são “castigo de Deus” e que seios são uma manifestação do mal. Margaret espanca a filha quando esta menstrua pela primeira vez. Ela nunca havia conversado com a menina sobre menstruação e, quando Carrie tem sua menarca (inacreditavelmente aos dezessete anos), ela a espanca, dizendo que a menstruação é o “pecado do sangue”.

Já na vida real, vemos casos assombrosos, como os de pais que espancam os filhos, obrigam-nos a orar e decorar versículos bíblicos como punição, oprimem-nos e até os mantêm em cárcere privado, como no caso de um casal dos Estados Unidos, que mantinha os filhos acorrentados. Também houve o caso de crianças que morreram vítimas de maus-tratos, ás vezes simplesmente por não saber versículos da Bíblia.

Ainda que nem sempre cheguem a extremos como os citados nos parágrafos acima, pais opressores e religiosos costumam ser bastante controladores e manipularão os filhos. Dependendo da crença dos pais, muitas crianças se sentirão alienígenas no meio das outras. Crianças Testemunhas de Jeová muitas vezes se sentem excluídas porque não podem fazer coisas como ter festas de aniversário, visto que os que seguem essa religião não comemoram Páscoa e Natal, por exemplo, por dizer que não são festas realmente cristãs, mas pagãs.

Um aspecto comum a esses pais é que eles, para convencer os filhos, usarão os argumentos de que estão agindo “em nome de Deus”, como se Deus em pessoa houvesse lhes dado procuração para agir em nome Dele. Esses pais agem como se fossem donos da verdade e, quando querem que os filhos façam algo ou desistam de um intento, usam afirmações como: “será que o que você quer está nos planos de Deus?”; “talvez isso seja o que Deus quer para você” ou “a gente faz nossos planos e tem nossas vontades, mas Deus tem coisas melhores para nós”. Engraçado é que, se notarmos bem, muitas vezes esses pais, como qualquer ser humano, não parecem saber o que Deus quer para eles próprios, mas sabem muito bem o que o Todo Poderoso deseja para outras pessoas, como se Deus lhes falasse pessoalmente.

Filhos criados por esses pais costumam sofrer bastante, especialmente quando se comparam às outras crianças e jovens criados com mais liberdade. Uma moça ouvia dos pais que não devia namorar, que Deus a queria solteira, que a missão de vida dela era ficar com os pais e o mundo era muito perigoso para uma mulher sozinha. Ela chorava ao ver suas colegas namorando. Estranhos que esses pais não pareciam pensar que um dia eles iriam morrer e que, querendo que a filha não casasse nem fosse embora, estavam contribuindo para destiná-la a uma vida solitária. Muitos são os pais que proíbem as filhas de usar maquiagem, cortar os cabelos e pintar as unhas. Uma outra moça, criada pela avó, não podia brincar com as outras crianças.

O fanatismo dos pais piorará quando os filhos atingirem a adolescência e, consequentemente, despertarem a libido. Para pais moralistas e religiosos, o desejo sexual é pecado. Imagine você, um rapaz com os hormônios em ebulição, ouvir que olhar com desejo para uma mulher é pecado grave, uma tentação do diabo que pode arrastá-lo à perdição. Lembro de um caso que li no livro Nutrição Orientada( acho que o autor é Adventista do Sétimo Dia), no qual o autor diz que a masturbação é um “polvo maldito” que causa doenças e leva as pessoas à perdição. Ele diz que uma mãe o procurou, reclamando que seu filho se masturbava várias vezes por dia. Penso no constrangimento que esse rapaz não deve ter sentido com a mãe a expô-lo assim e o autor a admoesta-lo, dizendo que ele estava levando a mãe ao sofrimento.

A opressão à libido será maior no caso das filhas mulheres ou filhos que manifestarem tendências homossexuais. Como se acredita que foi a mulher que trouxe o pecado ao mundo e, por séculos, o desejo feminino foi negado, tendo-se como ideal feminino a Virgem Maria, a libido feminina é considerada um sinal de pecado. A filha mulher normalmente ouvirá que tem que ser recatada, “direita”, casar virgem e não serão poucos os pais que farão as filhas ter medo de qualquer homem que as olhar com desejo. Claro que não se deve dizer às filhas para não ter cuidado só que isso não deve ser uma paranoia. Entretanto, é horrível para uma filha ouvir que a moça que não é “direita” é “pecadora.”.

No caso de filhos que se revelarem homossexuais, o tormento será muito maior, pois os religiosos veem a homossexualidade como uma abominação, um pecado gravíssimo, caso até de possessão demoníaca. Uma mulher transexual que conheci me contou como a mãe, fiel da Assembleia de Deus, forçou-a a ir ao culto, no qual o pastor o “exorcizou”, alegando que ela estava possuída por dez demônios. Pouco tempo atrás, conheci um homem transexual, a quem chamarei Mateus, que antes de se tornar um homem transexual, era uma mulher lésbica. Mateus é filho de pastor evangélico e me revelou que sofreu bastante rejeição por parte da família e que o pai sequer responde a suas mensagens, limitando-se a citar versículos bíblicos que dizem que a homossexualidade é uma abominação. Ele também já ouviu que estaria endemoninhado. Pais religiosos fanáticos chegam a espancar, torturar, mandar que esses filhos sejam submetidos a rituais de exorcismo, expulsar de casa ou mesmo matar.

Entre as maiores sequelas que esses pais causam, podemos citar a ansiedade e depressão. Muitos filhos levam anos para se libertar desses pais e alguns relatam que viviam com medo de Deus castiga-los quando eram crianças ou jovens. Uma moça falou que, quando era criança, o pai a assombrava dizendo que Deus ia castiga-la porque ela era ruim e que ela seria possuída pelo mesmo demônio do filme O exorcista. A mesma mãe dessa moça, uma vez, disse que quem era maldoso iria ao inferno onde o diabo iria espetar os condenados com o tridente. As pressões psicológicas são muitas. Os pequenos ficam aterrorizados ao ouvir: “Deus castiga as crianças más, Ele vê tudo o que fazemos.” Algumas dessas crianças se sentiam vigiadas o tempo todo e cresceram amedrontadas, pensando que Deus as castigaria até por seus possíveis pensamentos pecaminosos.

Pais religiosos e opressores transformam a vida dos filhos num verdadeiro calvário, levando-os a um estado de constante inquietação. Quantos filhos não vivem com medo de pecar e desagradar a Deus e não duvidam do seu discernimento e capacidade de tomar decisões porque os pais dizem sempre que suas vontades podem não estar de acordo com os “planos de Deus” ? Esses pais agem como se fossem o próprio Deus ou tivessem com Ele uma relação tão íntima que soubessem tudo que Ele pensa e deseja para os outros. Valendo-se do velho argumento de que todos os pais só querem o melhor para os filhos e sempre devem ser obedecidos, esses pais doentios irão oprimir seus filhos, impedindo-os de viver suas vidas com liberdade.

Libertar-se deles é penoso. Quem vive muito tempo sob o jugo desses pais acaba com o entendimento afetado pelos argumentos, pressões psicológicas, ameaças e chantagem emocional adotados por esses pais, que são mestres em fazer seus filhos se sentirem culpados, ruins, errados e indignos.

Não são poucos os filhos que dizem que chegaram a ter crises de identidade, perdendo a noção de quem eram, sentindo-se ruins e pecadores e demorando muito tempo para se recuperar dos anos de abusos psicológicos e/ou físicos proporcionados por seus próprios pais, pessoas que deveriam ensiná-los a se sentir dignos e valiosos mas que os levaram a se sentir sujos e errados.