CLITOFONTE - tradução de fragmentos

CLITOFONTE

Tradução comentada de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”

Além da tradução ao Português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei oportuno abordar pontos polêmicos ou obscuros. Quando a nota for de Azcárate (tradutor) ou de Ana Pérez Vega (editora), um (*) antecederá as aspas.

(*) “Clitofonte defende que, ainda que ninguém se equipare a Sócrates na exortação das virtudes da vida filosófica, na prática não há pessoa mais inútil que um filósofo ou moralista e, portanto, que o próprio Sócrates, no convívio social, em que pese o próprio Sócrates estar convencido do contrário. O diálogo termina em monólogo, i.e., depois de uma breve pergunta de Sócrates há um discurso de Clitofonte de mediana duração e então um fim abrupto. A tradição antiga nunca pôs em questão a autenticidade desta que é a obra mais curta do cânon de Platão, sendo que sua autoria é corroborada por nomes como Olimpiodoro, Apuleio, Hipólito e Alcino. A primeira suspeita sobre o Clitofonte foi levantada na Renascença, quando Marsílio Ficino escreveu: hic liber non est Platonis na cabeceira de sua tradução do diálogo, muito contrariado, sem sombra de dúvida, pelo inusitado da forma e a falta do remate socrático. Mas muitos dos escoliastas mais modernos continuam a considerar o Clitofonte como obra íntegra, incluindo as pesquisas de Mark Kremer, David Roochnik, Clifford Orwin, Jan Blits e S.R. Slings.” – A.P.V. – O diálogo Mênon pode, além disso, ser considerado a “continuação” deste, senão pelos personagens envolvidos, pelo menos quanto ao conteúdo. Será ele o último diálogo traduzido em nosso ciclo de Platão, que finalmente se fecha com êxito na próxima postagem (não sem um pequeno bônus, uma ligeira tradução de prefácio de Virgina Woolf a comentar Platão e sua contribuição ao Ocidente)!

“Qual arte se destina a educar a alma na virtude? Responde-me, Sócrates.”

“Mas não basta com que me digas o nome desta arte. A medicina é uma arte, mas tem um duplo propósito: primeiro, formar novos médicos mediante os cuidados dos que já o são; segundo, curar. Um destes dois não é a arte em si mesma, mas o produto da arte ensinada ou aprendida, i.e., a saúde. De igual forma, em arquitetura é preciso distinguir o produto da arte mesma. De um lado estão os princípios que se comunicam, de outro a obra, i.e., as casas. Agora com respeito à justiça, sabemos que há a formação de homens justos, exatamente como cada arte forma o artista, e, em contrapartida, a justiça mesma. Mas de que falo eu? Onde se encontra esta justiça, ou a obra a ela equivalente? Qual é o produto executado pelo homem justo? Como é que se chama, anda, responde!

Um de teus discípulos disse-me: eu creio que a justiça é o vantajoso; outro respondeu-me que era o conveniente; um terceiro, o útil; mais um, finalmente, que era o proveitoso.”

“Digo que, com referência a essa proclamada justiça, não se conhece nem seu próprio objeto nem a obra que ela realiza. (…) Tu me disseste que a justiça consiste em fazer mal a seus inimigos e bem a seus amigos. (…) ou bem tua capacidade não excede esta mesma afirmação assaz simplória (o que não seria inusitado: por exemplo, sem ser piloto, pode-se exaltar as habilidades de um e elogiar a técnica da pilotagem, provando como ela é imprescindível ao gênero humano; tu mesmo poderias, sem sequer conhecer a justiça, exaltá-la ao ponto máximo, embora reconhecendo, sem contradição alguma, que não conheces o quê é a justiça – mas ainda que o afirmes com humildade, em ti eu não creio, Sócrates!–), ou bem não desejas comunicar-nos o conhecimento que possuis. Eis a razão que me compele, depois de expor-te este dilema, a ir diretamente a Trasímaco, ou qualquer outro competente, na esperança de aprender o que é a justiça, a menos que tu mesmo o faças, e já.”

“Supõe que Clitofonte te concede que é ridículo ocupar-se de tudo o mais e desprezar a alma, objeto verdadeiro de todas as preocupações (…) e repito-o: para aquele a quem jamais fôra exortada antes a virtude, tu és o mais precioso dos homens, ó Sócrates!... Mas, para quem já foi alertado de que a virtude é a principal questão na vida, tu serias, o mais das vezes, mero empecilho, pois não vais além disso, e como que impedes o indivíduo interessado de chegar ao verdadeiro objeto da virtude, i.e., a felicidade!”