As construções sociais

Está na hora de aprendermos a nos desvencilhar dos padrões estéticos e comportamentais que há anos nos têm sido forçados. Toda pessoa deve ser seu próprio padrão de beleza, comportamento e de outras coisas mais. Não adianta sufocarmos nossas tendências naturais numa tentativa de nos “enquadrarmos” para sermos socialmente aceitos. Somos seres humanos únicos, formados pela cultura, educação, ambiente e valores nos quais estamos inseridos. Não saímos de uma forma única. Assim, não faz sentido tentarmos corresponder a padrões ditados por modas ou valores que há muito se provaram ultrapassados.

O que são construções sociais? Podemos aceitar como uma resposta razoável que são padrões socialmente estabelecidos que há muitos anos são impostos como “corretos”. Entretanto, se os analisarmos e contestarmos, eles não possuem sustentação lógica. São aceitos simplesmente porque nos acostumamos a aceitá-los como se fossem verdades absolutas. Façamo-nos uma pergunta: por que sempre temos a ideia de uma pessoa gorda como alguém engraçado, ridículo, grotesco e que só pensa em comer? Porque é uma ideia que nos foi transmitida. Então, devido a isso, achamos natural ridicularizar quem está acima do peso. Claro que se tem combatido a gordofobia, mas essa construção social está muito arraigada na nossa cultura. Engraçado é que nem sempre se teve essa imagem de quem é gordo. Antigamente, gordura era até um padrão de beleza e ser gordo dava status, porque significava que a pessoa era abastada, tinha opulência.

Uma outra construção social é a de que filhos mais velhos – principalmente as filhas – têm de ser responsáveis pelos irmãos mais novos. Por um bom tempo, filhas mais velhas viveram com a ideia de que tinham de ser como segundas mães para os irmãos menores. Talvez muitas odiassem e reclamassem, mas ouvissem: mas é assim mesmo. E por que tem de ser assim mesmo? Porque isso foi socialmente estabelecido. Podem dizer de algo que sempre foi assim ou é cultural, só que o fato de alguma coisa ser antiga ou fazer parte da cultura não significa que é correta. Vejamos países onde se pratica a mutilação genital feminina. Existe há muitos anos e é um costume. Porém, significa que é correto? Claro que não. Além de causar muita dor, poder levar à morte por infecção e/ou hemorragia e ainda fazer com que muitas mulheres nunca tenham uma vida sexual normal, deriva de uma crença errônea: a de que mulheres são imundas e possuem partes impuras entre as pernas que devem ser extirpadas para que não sintam prazer sexual e não venham a se tornar libertinas. É um costume que provém da ignorância e do preconceito.

Ainda lembro de quando ouvi minha mãe dizer: “quase todo homem é cafajeste, você tem que tomar cuidado”. Anos depois, refletindo, vejo que é uma frase sem bases lógicas, herdeira de nossa herança cultural machista, que desculpa as atitudes cafajestes masculinas como se fossem naturais, dizendo :”Ah, mas homem é assim mesmo.” A gente ouve certas coisas por tanto tempo sem refletir que as aceita passivamente. Precisamos parar de aceitar essas explicações sem pensar. Ser cafajeste não é uma qualidade natural do sexo masculino. É uma falha do caráter. Se há homens cafajestes, também há homens de caráter. Infelizmente, aceitar que a cafajestice é natural nos homens e que a mulher só tem como defesa ser recatada ajuda a perpetuar valores machistas. Aceitamos que “todo homem é cafajeste”. Chega a ser uma pena que nós, mulheres, acabemos por aderir a esses valores machistas que nos desrespeitam. Quando uma mulher é suspeita de não ser “direita”, nós a apontamos, dizendo que ela é fácil, não se valoriza. Será que alguém lembra do Renato Gaúcho, ex-jogador? Era realmente deplorável como a mídia exaltava seu comportamento cafajeste e o fato de que ele traía e humilhava sua mulher Maristela, exibindo suas conquistas. Ele chegava a dizer: “As mulheres de hoje são muito fáceis, não se valorizam.” Uma frase dessas, além de grosseira, exime os homens de qualquer responsabilidade. E temos de ficar atentos porque, da mesma forma que se culpa a mulher pelas atitudes cafajestes dos homens, tenta-se justificar o estupro. Quantas mulheres não culpam as vítimas de estupro, afirmando que “moças direitas não são estupradas”? Deveriam ir à Índia ou esses países muçulmanos, onde as mulheres andam cobertas dos pés à cabeça e os índices de estupro são altíssimos.

Tentar viver de acordo com padrões pode nos prejudicar, sufocando nossos potenciais e criatividades. Por que os negros apenas agora estão aderindo à representatividade e o cabelo crespo está sendo aceito? Porque por muito tempo as características da raça negra foram tidas como “feias”. Quem consegue esquecer as piadas sobre o “nariz chato”, “cabelo ruim”, “negro beiçola”? Isso levou muitas pessoas negras ou mulatas a alisar o cabelo e até a não se assumirem como negras, mas afirmar que eram morenas. Hoje, tem havido movimentos de orgulho negro. Como vemos, se não rompermos padrões, iremos sofrer, pois iremos negar nossas características e individualidade.

Por causa de padrões que não têm nenhuma sustentação lógica além da imposição social, vemos jovens violentarem a saúde do seu corpo desenvolvendo distúrbios alimentares como anorexia ou bulimia por tentarem ser magros e etéreos. Isso é mais grave entre as meninas, que querem ficar parecidas com modelos magras, altas, de pernas longas, cintura exígua e seios volumosos.

Precisamos lutar contra essas construções sociais que limitam a nossa liberdade individual. Somos muito mais do que esses padrões opressores. Uma pessoa não é simplesmente sua cor, idade, altura, peso, gênero ou orientação sexual. Ela é um todo, um ser feito de sentimentos e características que a tornam única e especial.