Shun: o cavaleiro injustiçado
Recentemente, a Netflix se tornou alvo de polêmicas ao lançar sua versão de Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya) por transformar Shun em uma mulher. Qual foi a intenção do estúdio? Não sabemos, porém é quase certo que a aparência andrógina de Shun, bem como sua armadura rosa influenciaram em decisão tão controversa. Decisão que desagradou aos fãs da série e reacendeu as muitas polêmicas que sempre cercaram esse personagem.
Shun é talvez o cavaleiro que mais desperta comentários, sendo alvo de piadas e chamado de homossexual, fraco, efeminado, chorão e dependente de seu irmão Ikki de Fênix. Se por um lado ele é bastante popular – especialmente entre as moças – por outro são muitos os que fazem brincadeiras maliciosas por causa de sua suposta “falta de masculinidade”. Porém, se examinarmos bem sua pessoa e a história, veremos que ele é injustiçado e merecia ser melhor trabalhado.
Para compreender melhor o porquê de se dizer que Shun não tem sido tratado com a devida justiça, analisemos as muitas características que possui e chamam a atenção:
1- Sua aparência e armadura – à primeira vista, é realmente fácil pensar que ele é uma mulher e muitos devem ter pensado ao vê-lo pela primeira vez, pois ele possui rosto de traços delicados e sua armadura cor-de-rosa também destoa da vestimenta dos seus companheiros, de tons mais sérios. Quem assistiu a He-man também deve ter achado a roupa do príncipe Adam(rosa e lilás) muito suspeita. Entretanto, personagens andróginos são bastante comuns em animes e mangás e não são necessariamente homossexuais. Basta pensar no Kurama de Yu yu hakusho, Suzuya de Tokyo Ghoul e Griffith de Berserk. Todos eles se enquadram no perfil do “bishounen”, algo que poderíamos traduzir como rapaz bonito. No Japão, rapazes com feições delicadas fazem muito sucesso, principalmente entre as moças, pois teriam o padrão de beleza ideal. Como vemos, rapazes com aparência mais feminina são uma questão cultural. E Shun não é o único personagem andrógino. Além dele, há o cavaleiro Misty, de Lagarto e Afrodite, de Peixes. E ter rosto de moça não significa ser gay. Muitos personagens andróginos de mangás e animes não são homossexuais.
2- Ele não é efeminado – achamos natural que os homens sejam rudes e machões e vemos com maus olhos os de personalidade gentil, achando-os molengas e indecisos. Mas se prestarmos atenção a Shun, ele não tem nada de efeminado. Ele apenas é mais sensível, possui demasiada empatia, não gosta de machucar as pessoas. Isso não é fraqueza, mas traço de sua personalidade. Claro que sua bondade e coração gentil o fazem ser visto com maus olhos até por outros cavaleiros. No entanto, isso não faz dele alguém efeminado e covarde. Basta vermos que, nas horas difíceis, ele é capaz de enfrentar o perigo e arriscar a vida por quem é importante para ele. Na história, o único efeminado é Misty, que tem uma vaidade exacerbada. Afrodite também não é efeminado, ainda que pareça usar batom e use rosas para lutar. Acrescentemos que o fato de um homem não ser efeminado não quer dizer que não seja homossexual e que ser homossexual não significa ser fraco e covarde.
3- Shun não é homossexual – primeiramente, deixemos claro que o artigo não pretende dizer nada contra os homossexuais, apenas esclarecer certos equívocos quanto a Shun. Comecemos falando da polêmica cena em que ele se deita sobre Hyoga na Casa de Libra. Esta cena rendeu piadas e até fanarts e fanfics retratando Hyoga e Shun como um casal. Entretanto, tal cena – que foi desnecessária – não existe no mangá. Sabemos muito bem que houve muitas mudanças ao se adaptar o mangá para o anime, e uma delas foi essa cena, que foi desnecessária e parece ter sido feita apenas com a intenção de causar polêmicas, até porque sabemos que todos os cavaleiros são meio-irmãos, - detalhe do mangá que não consta no anime - filhos ilegítimos de Mitsumasa Kido, o senhor que adotou Saori. Se Hyoga e Shun formassem um casal, isso seria incesto. Não seria um problema se Shun fosse homossexual, porém a verdade é que ele não é. Vemos bem isso ao observar como ele se comporta com June, amazona de Camaleão que treinou com ele na Ilha de Andrômeda. Não há gestos explícitos, mas os olhares revelam muito sobre o que eles sentem um pelo outro. É uma pena que a relação entre ambos – como as dos demais cavaleiros – não tenha sido melhor explorada porque June, como muitos personagens, pareceu evaporar do anime, nesta trama que tem vários defeitos de coesão. O único cavaleiro cujo relacionamentos é relativamente bem desenvolvido é o Shiryu de Dragão, que tem uma namorada de infância, Shunrei.
4- A extrema dependência de Ikki – já se tornou piada que Shun, ao se ver em problemas, sempre chama por Ikki, que parece surgir do nada para salvá-lo. Vamos ser sinceros. Esta situação é repetitiva, inverossímil e forçada. Shun passou seis anos treinando duramente, precisou aprender a se virar sem Ikki enquanto treinava para cavaleiro e, ao voltar, precisou passar por desafios como enfrentar o próprio irmão e depois outros inimigos, alguns deles bem poderosos. Em todos eles, ele precisou dar o melhor de si, mostrando que tinha um cosmo poderoso e era capaz de enfrentar os perigos sem recuar. Alguém assim não podia ser tão dependente do irmão. Claro que não se esperava que ele se tornasse cruel e insensível como chegou a acontecer com Ikki – já que a sua sensibilidade é seu traço mais forte – mas ele ser mais independente, pois seu valor foi provado em muitas batalhas. Já na Guerra Galáctica, venceu Jabu sem muito esforço e, após muitos desafios, venceu Afrodite de Peixes na Batalha das Doze Casas. Os criadores da história deveriam lhe fazer mais justiça. Ele tem poder e é corajoso. Caso fosse mesmo homossexual, como tantos insistem em insinuar, poderia até provar que homossexuais podem ser grandes guerreiros.
Transformá-lo em mulher foi a injustiça máxima. Será que o teriam feito com Seiya, Shiryu, Hyoga ou Ikki? Por que o fizeram justo com o considerado mais frágil? Se queriam dar mais espaço às mulheres, poderiam ter feito com que personagens como Marin e Shina tivessem mais espaço ou então ter feito a Saori menos indefesa. Um dos outros defeitos de Cavaleiros do Zodíaco é o pouco destaque dado às personagens femininas. Mesmo mulheres fortes, como as amazonas Marin de Águia e Shina de Cobra, tiveram pouco destaque. Talvez isso se deva ao fato do Japão ser um país machista e da trama ser dirigida ao público masculino. Mas fazer Shun virar uma garota não foi uma atitude acertada, provando que certas coisas não precisam ser mudadas.