QUEM DIZ O QUE QUER, OUVE O QUE NÃO QUER

Wanda Cunha

Andaram questionando o resultado do concurso da Turma do Quinto para escolha do seu samba-enredo de 2020. Mais que isso: desrespeitaram a entidade, as propostas dos compositores que não são filhos de Bacabal e, de bandeja, ainda fizeram um julgamento à parte para escolher o samba de um compositor bacabalense como sendo aquele que deveria ganhar o certame. A matéria foi publicada no domingo (15), no Blog do Zé Lopes”, sob o título de “Ponto de Vista – Turma do Quinto – Um tiro em cada pé”. Foi realmente “um tiro em cada pé”. A pessoa que assinou o texto diz ser pedagoga, professora, poetisa com z, cantora, compositora, pesquisadora, historiadora e outros atributos dignos de aplausos. É lamentável, porém, que uma pessoa com tantos codinomes, tenha se esquecido de estudar o tema sobre o qual se manifestou. Bastaria ter lido o edital do concurso, mormente esta parte: “A decisão do júri é soberana, não cabendo aos participantes qualquer manifestação contrária, em juízo ou fora dele”. Mas, assim mesmo, resolveu manifestar-se fora do seu juízo.

Também, a poetisa com Z não percebeu que não está expresso, em artigo algum do edital, que o vencedor teria que ser um nativo de Bacabal. Assim, percebe-se quão maravilhoso é o ditado árabe: “há cinco degraus para se alcançar a sabedoria: calar, ouvir, lembrar, agir e estudar”. A poetisa com “z” não calou, não ouviu, não lembrou, não estudou; e, se agiu, agiu sem ética com os supostos colegas de classe, já que se intitula compositora. O mais triste é que tentou passar uma imagem ruim do povo de Bacabal, ao ser porta-voz de um discurso infantil, revanchista e rancoroso, ao dizer que os bacabalenses que já preparavam suas alas pra sair no Quinto não iriam mais sair na escola, porque o samba que queriam que ganhasse, não ganhou.

Quando passei no concurso do TRT-MA, em 1994, fui lotada em Bacabal. Foram três anos de convívio com aquele povo tão gentil e hospitaleiro, a exemplo de Maria das Graças Freitas, a querida amiga Lia. Foi uma bela história a minha com Bacabal! Contudo, nem seria necessário que eu tivesse lá vivido pra conhecer suas glórias. Como pode uma professora insinuar que os livros não servem para conhecermos a história de Bacabal? Com a globalização, então, todos nós conquistamos o mundo, imaginem nossa terra, nossa gente, porque Bacabal também é uma terra maranhense, é uma terra nossa. Mas a poetisa com “z” acha-se tão poderosa que se apropriou da terra de uma tal forma que tentou tolher o nosso direito à propriedade e o nosso direito à manifestação do pensamento; à manifestação de nossa poesia, de nossa melodia em favor de Bacabal, só porque lá não nascemos.

Ademais, em que artigo do edital está dito que o samba-enredo tem que ser grande ou pequeno? O samba-enredo é um subgênero do samba que de 1930 pra cá sofreu modificações, inclusive na sua estrutura. E o que nós (Carol, Selma, Isabel e eu) fizemos foi inovar, inclusive na estrutura do samba, que já não segue aquele ritual de Refrãos da cabeça e meio, como muitos ainda acreditam. Tamanho não é documento, mas o enredo, este, sim, tem que ir pra passarela pra encantar. A escola passa, aproximadamente, uma hora na avenida, tempo suficiente para o samba ser cantado e decantado. A mercê disso, o samba-enredo Memória do Carnaval: Dias de sonhos e festas, do grande poeta César Teixeira, composto por quinze estrofes e 67 versos, é um dos sambas-enredo mais bonitos do Carnaval Maranhense. Mas alguém soprou no ouvido da poetisa com Z que a nossa proposta, mesmo classificada pra final, já estava desclassificada, porque tinha 60 linhas...

As mentalidades retrógradas ainda trazem aquele ranço da década de 30, quando o samba-enredo surgiu no Rio, patrocinado pela era getulista e pela ditadura militar. Naquela época, o carnaval pautava seus enredos em troca de uma verba pública destinada às escolas de samba para enaltecer a república. Os estudiosos confirmam que, a partir da década de 60, os compositores passaram a ser fiéis à verdadeira história, a exemplo do samba Chica da Silva, do Salgueiro, em 1963. O que a poetisa com Z insinua é que a escolha do enredo não se deu pela importância do centenário da cidade, mas pela importância de um toma-lá-dá-cá que poderia haver entre as entidades. O que acham vocês: a Turma do Quinto desagradou esse contrato unilateral ou violou um suposto acordo que pode ter sido celebrado entre as partes?

Finalmente, convenhamos!... Os compositores estão em todos os lugares: dentro das escolas, nas comunidades, nas praças... E todos eles têm direito a concorrer, sejam eles do Quinto, da Flor ou de escola nenhuma. De onde foi Noel? De onde é Martinho da Vila? E Cartola? Que pesquisadores são esses que não se dão ao trabalho de fazerem uma pesquisa antes de se manifestarem sobre um assunto? A proposta dos vencedores é o samba-enredo da Turma do Quinto. E, isso ninguém pode tirar. Por isso, “Gira, baiana, hoje vai ter terecô/ O meu amor explode no Carnaval/A cor do manto é azul e branco/Sou Turma do Quinto e Bacabal”. O resto são dores de cotovelo que insistem em atravessar o rio Mearim. Mas, quando essas dores desembocarem na Baía de São Marcos, haverá a pororoca, e elas deixarão de ser dores; serão glórias da princesa, vestida de azul e branco, nos braços da Turma do Quinto.