A Felicidade Vista Por Epicuro
Quando mencionamos Epicuro, um dos mais importantes filósofos do período helênico da Grécia Antiga, normalmente as pessoas atribuem o seu “modus vivendi” à boa vida, de luxúria e dos prazeres imediatos. Por exemplo, a quem gosta da boa mesa, de bebidas de qualidade e de aproveitar as coisas consideradas boas, atualmente, é-lhe aposto o adjetivo de “epicurista”.
De fato, Epicuro praticava uma vida prazerosa, gostava de risos, de estar com amigos, gostava de sexo. Mas esta qualificação é uma distorção perante o pensamento de Epicuro sobre a felicidade, que vai muito além disso. Para ele o prazer é meio para um fim, não um fim em si mesmo. Assim como a filosofia de Epicuro é bem mais ampla do que somente a abordagem da felicidade, de todo importantíssima e fundamental para o ser humano.
No período helênico, quando a comunidade grega teve suas fronteiras ultrapassadas e a convivência com outros povos, devido à obra de Alexandre, o Magno, trouxe junto com o cosmopolitismo uma crise moral e um certo ceticismo e fatalismo, a abordagem de Epicuro para a felicidade e sua busca possível foi uma resposta ao pessimismo que grassava em boa parte da sociedade. Por isso, até os dias de hoje é estudada a herança deixada por Epicuro sobre este tema tão importante para as pessoas, que é a busca da felicidade.
Epicuro acreditava que toda pessoa podia achar um meio de ser feliz. E que essa busca era suportada por três pilares. O primeiro era a busca de uma vida prazerosa e divertida, com amigos. Não havia nada de errado nisso e era um fundamento nesse caminho, mas não o único. O segundo era a liberdade, que para ele significava uma vida auto-suficiente, sem a necessidade da subjugação à vida comercial da cidade ou mesmo à tirania governamental para o seu exercício. E o terceiro era que a pessoa tivesse a sua vida bem analisada e bem refletida, no sentido de ter as suas questões e desejos bem equacionados.
Vejamos que nada disso tem relação com a capacidade financeira do indivíduo ou de suas posses. Com efeito, Epicuro achava que, independente da situação econômica ou financeira da pessoa, as suas possibilidades de buscar a felicidade eram as mesmas. São esses seus três requisitos iniciais o ponto de partida. No pensamento epicurista, não há nada de errado em se ter dinheiro que, assim como não é um mal em si, também não trará, por si só, a felicidade.
Ora, observemos, então, a visão atual para um grande número de pessoas da nossa sociedade contemporânea para essa questão tão intrínseca para o indivíduo, ou que deveria ser, que é a felicidade. Vivemos numa sociedade de consumo. Dá-se enorme valor para as posses, para os artigos de luxo, para o conforto material, de que tudo tem por trás o dinheiro para a sua obtenção.
A esse enorme valor se conecta a avidez pelo dinheiro e sua busca torna-se uma obsessão, pois para essas pessoas este é o caminho para a felicidade. Quando ela não vem associada aos produtos, há uma frustração e, muitas vezes, vem a depressão, doença moderna e tão comum nos dias atuais. Quantas pessoas não abandonam ou negligenciam os seus desejos mais internos em troca de uma vida financeira confortável, com coisas que jamais serão levadas consigo quando cessar esta etapa da existência?
Vê-se que por trás das propagandas dos produtos e seu marketing estão, subliminarmente, os conceitos de prazer com os amigos, de liberdade e de uma vida bem resolvida. Os produtos, de per si, não lhes trazem o que a propaganda sugestiona. Justamente os alicerces já defendidos por Epicuro há mais de dois mil anos. O que mudou, realmente, na essência do ser humano?, cabe-nos perguntar.
É importante destacar que ter muito dinheiro não faz ninguém infeliz. Justamente porque, tampouco, não é o dinheiro um fator preponderante para ser feliz. Se alguém não tiver dinheiro ou se, por algum motivo, o perdeu, ter o três requisitos – amigos, auto-suficiência e boa análise de vida – terá uma boa base para a busca da felicidade.
Se pudéssemos dar atributos de poder de síntese à filosofia de Epicuro neste tema em particular, poderíamos afirmar: a felicidade é um estado, não é um bem material.