O ATO DE ESCREVER - Reeditado
Expansão da alma, polimento da personalidade, tempero da vida. Penso que escrever representa muito mais ainda. É o ato de dar que vem em seguida ao ato de receber. Pois, quem recebe é porque tem o coração aberto para isto. Deus nos dá a sabedoria, mas o que fazer com ela é uma questão individual, mas de suma importância. Viver a vida, usufruir os bons momentos, isto é para todos. Deixar algo na terra, além da lembrança e da saudade. É para aqueles que se dispõem a isto. Parece um ato simples o de escrever; e de fato o é. Basta tomar de uma caneta ou de um teclado de computador e começar. Aí, porém é que está a questão: começar. Todo ato parte da vontade interior, sem ela somos simples máquinas. Isto é o primeiro passo, penso que o mais importante, por ser o começo de uma mudança. Dentro de nós existe um conteúdo a ser expresso; uns, por meio da fala; uns, por intermédio das emoções desgovernadas e aqueles, desgovernados, que entregam à vida o seu comando sem procurar comandá-la; a esses um copo viciado do álcool ou uma substância escravizadora domina suas expressões de vida.
Podemos, se quisermos de fato, deixar um conteúdo um pouco mais salutar a servir de exemplo às gerações futuras. As razões que levam os homens a escrever são as mais variadas possíveis; eu mesmo desconheço 100% das minhas. Pensa-se na imortalidade da alma e na não extinção da individualidade após a morte do corpo físico e sente-se, bem lá no fundo, aquela incerteza, aquela insegurança do que seremos e de onde estaremos após nossa morte. Para muitos o ato de escrever representa uma fuga de seus tormentos existenciais, pois que na raiz de sua fé andam a dúvida, quando não a descrença; mas querem ser lembrados e encontram nas letras essa oportunidade. Isto não deixa de ser válido, contanto que não se torne a razão precípua do ato de escrever. Deixar, sim, precisa ser o sonho não egoísta do ato de escrever, mas não como fuga. Querer ser reconhecido pelo trabalho, muito mais, pelo talento, é um maravilhoso começo; daí surge o esforço do aprimoramento.
Escrever o que? Escrever para quem? À medida que escrever se torna um vício, o estudo, a pesquisa tomam o lugar do simples entusiasmo. Penso que o maior empecilho para a boa escrita é o individualismo, ou seja, não acreditar que será lido por outros, escrever só para si ou pensar que se escreve para si, somente. Isto tolhe o ânimo do aperfeiçoamento; já que ninguém vai ler, não precisa haver esforço. O oposto a esta postura mesquinha é o pensar constante no outro que lerá o que se está escrevendo. Só este fato capacita a, naturalmente, procurar a constante melhora do próprio trabalho. É o foco no outro que faz com que a escrita melhore a cada dia. Escrever sem revisão, um texto destituído de rebuscamento é trivializar o ato, desvalorizando a arte; considerar como arte tudo que se escreve seria ir além do simples ato. Que o digam os mestres e os apaixonados pela arte da caligrafia. Se uma simples letra torna-se um perfeito molde da criação literária, podendo ser melhorada, variada e embelezada, o que não dizer então de um texto magnífico? Entenda-se daí a razão de ficar a memória dos que deixaram grandiosas obras impregnada nas rochas do tempo.
Comparada com qualquer outra profissão, a de escritor vai anos luz na dianteira, pois que o que é construído jamais se perde. Deitados na virtuosidade da comunicação e do encurtamento das distâncias, o que se escreve agora, agora mesmo é lido, analisado e opinado no outro lado do mundo. O conforto no apreciar, escolher e deleitar-se com este tipo de arte é hoje falto de adjetivos. Comparada com o poder de divulgação que possuía uma obra Shakespeariana, escrita há meio milênio, uma obra atual pode levar o seu criador a altura de uma centena de Shakepeares. A explosão demográfica fez explodir as criações literárias. Encontrar, dentro desta miríade estonteante, o joio da arte pura e de valor eterno torna-se tarefa hercúlea, não pela escassez de talentos, mas pela quantidade imensa deles. Nossa vida, corrida e estressante, carregada hoje de opções de lazer e distração, nos impede de triar o joio do trigo. É impressionante o surgimento de escritores desconhecidos, carentes de uma oportunidade isenta da primazia do lucro. É uma grande pena que nossas editoras, na sua ampla maioria, ao verem-se abarrotadas de tantos trabalhos por serem analisados, não possam focar uma atenção maior nos que realmente merecem. Quem tem fama hoje e vende como água já foi desconhecido um dia, portanto a oportunidade pode e deve ser dada, sem restrição ou apego às formalidades de impressão, tiragens e custos, o que só prejudica aquele cujo capacidade, criatividade e fôlego literário superam a conta bancária. Tudo o que ele precisa é de um apoio e uma chance de divulgação das obras.
A visão de um mundo em que teremos na leitura e na expansão do conhecimento um hobby, já é presente em quase todos os setores da mídia educativa. O conforto de um poltrona e o manusear das folhas que descansam os olhos e enriquecem a mente não tendem, como muitos acreditam a se extinguir ou decair com a expansão da tecnologia virtual, pelo contrário, este conforto aumentará em função da própria tecnologia. O futuro trará para dentro das casas trabalhos passíveis de serem executados à distância, dada a urgente necessidade de espaço e normalidade dentro do caos social externo; a tecnologia, neste ponto, só irá contribuir com todas as condições necessárias, como já vem ocorrendo com o celular e a Internet. Assim, o lazer nas horas vagas virá em forma de relaxamento de uma mente estressada pelo trabalho moderno. Aí, nada melhor do que uma poltrona e um bom livro. Escrever é, portanto, proporcionar, ao outro, chances de crescimento. São tantas a situações da vida e tantas as necessidades das pessoas em busca de conhecimento que não há hoje, dentro do universo literário, um tema que não atraia a atenção do apreciador das letras. Da ficção ao didatismo, da criança ao idoso, ler é crescer e se aprimorar como pessoa. E escrever seria colocar o conhecimento, que já existe, de forma clara, objetiva e, acima de tudo, bela, pois a vida é uma arte.