À MODA ANTIGA

Prefácio

Oito é o número do infinito. São oito as formas verbais que Mardilê Friedrich Fabre apresenta no terceiro volume de sua trilogia sobre formas poéticas. Mardilê tem o talento raro de reunir profundidade e simplicidade. Essa é a qualidade do bom professor, essa mesma que a autora coloca à frente das outras que possui. O modo de tratar a teoria é leve, direto, claro; os exemplos, isto é, a produção poética de Mardilê são poemas originais, belos e perfeita comprovação da teoria como se pode ver no desfecho desta trova:

Ante a imensidão do mar,

invade-me dor imensa.

Na areia ponho-me a andar,

choro tua indiferença.

Seguindo uma ordem alfabética ao revés, depois das trovas, a autora de “À moda antiga” nos apresenta o triolé. E novamente podemos nos encantar com os exemplos cheios de poesia, como neste trecho:

Voa tristeza! Vai embora!

Desiste de me atormentar.

Refugia-te me outra. É hora.

Voa tristeza! Vai embora!

Em seguida ela nos fala do rondó e do rondel, formas fáceis de definir, mas difíceis de produzir com qualidade, visto que o poema só ganha beleza quando o verso repetido harmoniza-se com o conjunto. Para evitar a repetição mecânica e monótona é preciso ter sensibilidade. E Mardilê a tem de sobra. Vejamos o lindo final do “Rondó do alvorecer”...

Centelhas brincam em redemoinho,

Lampejos de calor em burburinho.

Evaporam-se os véus enganadores,

O alvorecer apaga os amargores.

E eu afinal reajo ao torvelinho...

A lua despede-se...

... ou este trecho de “Palavras encarceradas”:

O cérebro encaminha, então,

As poesias e toadas,

Que denunciam sua paixão,

Mas elas ficam encerradas

No pensamento, um turbilhão...

Depois temos o pantum, uma forma elaborada, em que as idéias vão se combinando de forma a fechar-se num círculo, que no fim é a qualidade de todo poema; abrir-se em significados e depois fechar-se sobre si mesmo. Deixamos ao leitor a fruição dos poemas diretamente no corpo do livro, para que possa envolver-se e deliciar-se com a poesia. O gazel, uma forma poética que tem atraído a atenção de alguns autores recentemente vem a seguir. Note-se que Mardilê Fabre descomplica as explicações. E isso de forma natural, tranquila, espontânea, deixando ao leitor e ao aprendiz uma senda límpida por onde ele pode caminhar sem receio. O que ocorre de fato é que “À moda antiga” é um convite para experimentar essas formas. Destacamos um trecho de “Morro de Amor” que evidencia os sentimentos de cunho amoroso que predominam no gazel:

É calvário minha paixão.

Desola-me tal sentimento.

Soluços bramam nas estrelas

Que veem meu isolamento.

O meu peito arfa em desespero,

Meu corpo cai com um lamento.

Em seguida, Mardilê Fabre nos apresenta a esparsa, outra forma lírica, rimada, sobre o amor e a tristeza. Destacamos este belo exemplo, “Quando o amor vacila”, para aguçar o interesse dos leitores:

O poeta estonteado

À noite lança seu brado.

Quando seu amor hesita,

Alquebra-se o coração.

Como lavar-se em paixão

Na luz da lua bonita?

Emaranha-se em seu peito

Sentimento temerário

Que contém o verso feito,

E torna-se seu calvário.

Embora só em seu mundo,

Precisa saber-se o eleito

De afeto forte e profundo.

Que lindos estes versos: Como lavar-se em paixão / Na luz da lua bonita?

Finalmente o cinquain, uma forma que apresenta uma complexidade um pouco maior, mas que, como o restante está muito bem explicada e exemplificada pela autora. É uma forma interessante, leve, diferente e que permite a elaboração de poemas em versos sem rimas, dando a impressão de poemas livres, mas que têm regras estabelecidas de composição. Assim bem feito o poema tem ritmo, é pleno e significativo:

Silêncio

Intenso, denso...

Soa no ar como açoite,

Transparece em rosto desfeito,

Mistério

Que sobe as ladeiras do tempo,

Atingindo o presente.

Sutil, marcante

Segredo.

Esperamos que esta apresentação tenha cumprido a função de deixar ao leitor de “À moda antiga” um gostinho de quero mais, despertando vontade de ler e deliciar-se com o trabalho desta encantadora pessoa que é Mardilê Friedrich Fabre. Isso é bom demais, tché!

Nilza Azzi

Academia Campineira da Letra e Artes