Uma mensagem muito errada

Com certeza, muitos adultos assistiram aos Ursinhos Carinhosos, desenho animado em que os ursinhos, cada um com um símbolo em sua barriga, espalham carinho e amor, ensinando às pessoas os valores da amizade e solidariedade. Entre os especiais produzidos nos anos 80, há um que merece observação e será analisado no presente artigo. Este especial se chama Care bears battle the freeze machine, que poderia ser traduzido como Os ursinhos carinhosos e a batalha contra a máquina congelante. Aqui, serão analisados aspectos problemáticos deste desenho e como no final uma história que se diz educativa acabou por transmitir uma mensagem errada.

Neste especial, os ursinhos têm como missão ajudar Paul, menino que é desprezado por outras crianças da vizinhança. Paul começa sendo apresentado assim: ele está indo comprar algumas engrenagens para uma máquina que pretende construir e, do lado de fora da loja, três crianças(dois meninos e uma menina) esperam para depois fazê-lo tropeçar e zombar dele. Os meninos o humilham, fazendo com que ele caia numa poça d'água e, quando ele pergunta por que o perseguem e fazem troça dele, a justificativa que ouve é: "Você é diferente, você é esquisito." Mais tarde, os ursinhos tentam ajudá-lo e dizem que todo mundo é diferente mas que, se ele mostrar aos outros que se importa e quer ser amigo deles, conseguirá fazer amigos. Entretanto, Paul é seduzido pelo vilão da história com a promessa de que poderá se vingar dos que fazem bullying contra ele se o ajudar a consertar uma máquina. Paul aceita e, após descobrir que tinha sido usado para construir uma máquina congelante que o vilão pretendia usar para congelar o mundo, arrepende-se e ajuda os ursinhos a vencer o vilão. No final, ele se torna amigo dos que o tinham humilhado.

Que podemos concluir desta história? É tão educativa assim? Vejamos. As humilhações sofridas por Paul configuram bullying. As crianças o perseguem por ele ser muito inteligente (tudo indica que tem o QI de gênio, pois o chamam de Einstein) e falam não gostar de gente diferente. Está certo que, quando o desenho foi produzido, o bullying não era um assunto levado a sério e, mesmo hoje, não se poderia esperar que a franquia dos Ursinhos Carinhosos mostrasse o problema com toda sua real gravidade. O erro grave está no argumento. Quando os ursinhos dizem a Paul que ele tem que aprender a ser amistoso, passa-se a mensagem de que o problema está nele por não saber se aproximar das pessoas, não mostrar que se importa.

De verdade, o problema está nas outras crianças, que o tratam com preconceito e desdém por ele ter uma inteligência acima da média e gostar de coisas de ciência. Sabemos que, na escola, crianças superdotadas costumam ser hostilizadas. Mas em nenhum momento se cogita dizer aos meninos que fazem bullying que não deveriam hostilizar Paul. A gente sabe muito bem que uma pessoa não sofre bullying por não saber se enturmar. Ela não consegue se enturmar por sofrer bullying. Os ursinhos acertaram em dizer que todo mundo é diferente. Mas foi um erro dos roteiristas mostrar como se o problema estivesse em Paul. Quem na verdade precisava de uma lição eram os outros meninos. Eles que deveriam aprender que não podiam ser preconceituosos e julgar os outros apenas por serem considerados diferentes. E isso é um problema bastante comum em nossa realidade. Crianças com excelente desempenho acadêmico se sentem solitárias, sendo desprezadas e qualificadas como nerds.

Enfim, o desenho terminou por transmitir uma mensagem muito errada. Claro que não se esperava que se mostrasse Paul se vingando dos valentões como vemos em muitos animes (em alguns, como Vivid Strike, a protagonista, após sofrer bullying, surra violentamente suas agressoras), porém teria sido muito melhor se mostrasse as outras crianças aprendendo a ver que ninguém deve ser desprezado por sua maneira de ser ou então Paul aprendendo a não perder tempo com gente que o via com preconceito e encontrando amigos entre gente que gostasse dele do jeito que ele é.