Opará, o rio mar do Nordeste
Nascido em terras mineiras mais precisamente na Serra da Canastra a 1200 metros de altitude em um dos pontos mais altos da Serra, lá vem o rio São Francisco a distribuir generosidade e beleza com suas águas cheias de esperança e vida.
Considerado um dos maiores rios da América do Sul, o velho chico, como carinhosamente é conhecido, derrama ao longo dos seus 2.863 km de extensão,
águas de esperança, fartura e integração. Seu leito fica em grande parte em território nordestino, sendo que a Bahia tem o privilégio de ter a maioria dessa extensão.
Os estados os quais se beneficiam de suas águas de vida são: Minas Gerais onde nasce no Parque Nacional da Serra da Canastra, passando por Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe onde carinhosamente desemboca no mar.
Ao longo de sua jornada hídrica formaram-se aldeias indígenas, quilombos, comunidades ribeirinhas e cidades. Cresceram e se desenvolveram à sombra de suas águas.
Os povos, filhos do Opará (rio- mar) na linguagem indígena, aprenderam a utilizá-lo com rota segura na navegação, como transporte de gado, de produtos agrícolas, de pessoas, integrando tantas comunidades disseminando suas particularidades principalmente as culturais.
Rio de muitos nomes: Conhecido por Rio dos currais pelos boiadeiros, Rio da integração nacional por ligar o Nordeste ao Sudeste e finalmente batizado em 1501 como Rio São Francisco, pois foi a data de sua identificação feita por exploradores. 4 de outubro, dia em que se comemora São Francisco de Assis.
Suas águas ricas em nutrientes traz uma riqueza ainda maior: a do seu povo. A música; A gastronomia local; O artesanato – que tem como carro chefe a inconfundível carranca feita de entalhe de madeira assemelhando a imagens antropomórficas e que eram usadas pelos barqueiros do rio para chamar atenção da população para sua embarcação e mais tarde com significado mítico de proteção para as embarcações que as usava na proa; os contos e lendas da região - do Caboclo d’agua, O Minhocão, Vaqueiro Gritador, Mão Pelada, Menino Romãozinho, entre outras; A poesia de cordel; A dança típica e a peculiaridade de um sotaque inconfundível na sua oralidade.
Rio valente que desce por um caminho cheio de aventuras que se inicia no Cerrado brasileiro, onde chove em abundância e que o faz gigante com suas águas caudalosas permitindo assim vencer as barreiras do grande sertão. No seu caminho, barragens foram colocadas para aproveitamento de sua força, na produção de energia elétrica. Três Marias – em Minas Gerais, a de Sobradinho e a de Paulo Afonso na Bahia.
Serve como divisa natural entre cidades, estados e até vegetação típica da região.
No seu caminho uma exuberância sem igual da natureza: Cânions, Cachoeiras, lagos, pequenas ilhas e até banco de areia, no meio do rio, são objeto de deleite aos olhos de quem passa. O contraste sempre marcante da vegetação da Caatinga com as da agricultura irrigada, as Chapadas, as Planícies, Matas, Cerrados e Mangues tornam um espetáculo à parte. E os pássaros?
O que dizer? O ir e vir de pássaros com seus cantos e formas de se apresentar. O barulho aprazível de suas reuniões ao final das tardes sobre a copa das arvores ribeirinhas e ao despertar, nas manhãs, são inconfundíveis.
Descendo o rio encontramos várias peculiaridades que faz com que cada trecho seja uma vivência única e inconfundível. Como o exemplo da cidade de Bom Jesus da Lapa que cresceu ao lado do santuário de Bom Jesus às margens do velho chico. Muitas histórias e causos nasceram nessas margens. Sem falar na importância para os romeiros que se deslocam para a cidade pela fé e devoção ao Bom Jesus; o lago de Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do mundo. Com 320km de extensão e uma superfície de espelho d’agua de 4.214km². Durante a sua construção foi necessário que quatro cidades fossem submersas. Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso e Sento sé. Lembradas nos versos do grupo Sá Rodrix e Guarabira. O qual peço licença para transcrever neste trabalho.
“Adeus, Remanso, Casa Nova, Sento Sé.
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir.
Debaixo da água lá se vai a vida inteira.
Por cima da água o Gaiola vai, vai subir.
Vai ter barragem no salto do Sobradinho,
E o povo vai-se embora com medo de se afogar.
O sertão vai virar mar.
Dá no coração o medo de algum dia o mar também virar sertão.”
As Gaiolas foram outro marco na história desse rio querido. Trata-se dos navios a vapor que subiam e desciam o rio levando as pessoas e os produtos agropecuários produzidos na região. Barcos como o Saldanha Marinho, conhecido na região como vaporzinho, foi um dos primeiros a subir e descer o rio levando exuberância e estilo a navegação da época. De apito rouco e estridente, típico das embarcações a vapor, chamava atenção das populações ribeirinhas quando passava com suas rodas laterais. Tinha a capacidade de 12 toneladas e permitia o transporte de 12 passageiros. Parou de navegar na década de 70 sendo colocado inicialmente na orla de juazeiro funcionando como restaurante e mais recentemente como um dos acervos culturais da cidade de Juazeiro. Gaiolas como “Presidente Dantas”, o “São Paulo”, O “Antonio Nascimento”, O “São Francisco” , e tantos outros barcos que pelo rio deixaram histórias e saudades múltiplas. Hoje, O “Benjamim Guimarães”, é o único sobrevivente na ativa (só para turismo) desses tipos de barcos. São marcas de uma época gloriosa onde as populações ribeirinhas se utilizavam como principal meio de transportes junto com a ferrovia. Quando o vapor passava e o apito era ouvido muitos se deslocavam para a beira do rio para ver quem chegava. Era motivo de festa.
Encontramos ainda descendo o rio duas cidades de importância ímpar para o desenvolvimento da região: Trata-se de Juazeiro e Petrolina. Uma baiana e outra pernambucana. Ambas com forte desenvolvimento no setor de agronegócio, por conta principalmente da irrigação do velho chico. Destacam-se pela produção principalmente de uvas e vinhos. As frutas que são produzidas na região, pela sua alta qualidade, ganham o mundo a partir do aeroporto de Petrolina. O Destino: Europa, Canadá entre outros países.
No caminho do nosso Opará encontramos a construção de canais. Conhecida e controversas obras de transposição das águas do rio São Francisco para abastecer açudes e rios perenes da região Nordeste. O Fato é que a ideia não é nova. Já existia desde o período colonial projeto de se construir canais artificiais para abastecer regiões nas secas no agreste nordestino. A discussão se dá no beneficiamento que essas obras atenderiam. As populações sertanejas ou a cultura irrigada?
Enfim o encontro com o mar, nas divisas de Alagoas e Sergipe, rica fauna e flora se apresentam. Um relevo de planícies costeiras com pequenas ilhas, lagunas, canais e várzeas além de um extenso manguezal. Outro espetáculo que a Natureza oferece aos olhos dos que por ali passam e vivem. O rio então entrega as suas águas mansas e ricas alinhavando assim sua doce costura pelo sertão nordestino.
Bibliografias utilizadas:
AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições Práticas da Província da Bahia. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1979
CAMARA, Antônio Alves. Ensaio sobre as construções navais indígenas do Brasil. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. 261 p. (Brasiliana, v. 92)
LOPO,Leonardo Ferreira. http://tudoissoejanuaria.blogspot.com/2011/07/os-gaiolas-do-sao-francisco-quase.html.
MAMMI,Lorenzo.A viagem das Carrancas.Editora WMF.2015
Pardal,Paulo. Carrancas do São Francisco.Editora SDGM.1974
VARIOS COLABORADORES. Bahia, Brasil: Vida, Natureza e Sociedade. São Paulo. Geodinâmica 2014.