DO LER, OUVIR E O VOLÚVEL SENTIR
“O que não te falta é recurso de rima! Parabéns!”
Marlene Pastro Hulsberg, via Facebook, em 31/07/2019.
Grato, muito obrigado por tua interlocução, querida Marlene. Porém, não é apenas a perspectiva do aparecimento das rimas nos versos que me motiva para construir o poema com Poesia; em verdade, muito longe disso, porque sou um inveterado escrevinhador com 45 anos de versos brancos, nos quais não aparecem, em regra, as rimas. É oportuno lembrar que, em Poética, as notas musicais são os vocábulos – palavras que compõem a peça. Cada uma delas tem um som peculiar. É o ritmo, o ouvido musical que me dita a aliteração, nas consoantes, ou a assonância, nas vogais. Depois de cinco milênios do aparecimento da estética em Poesia no universo dos terráqueos, o desafio para o ousado criador poético é a codificação de linguagem que caracterize a Poesia e impressione os olhos e/ou audição do poeta-leitor. Sei que isto é tarefa árdua, mas a leitura dos bons versejadores dimensiona em mim o grão que tenho de escolher para a semeadura do novo, do genuíno, do inusitado capaz de trazer ao mundo a voz do Mistério, porque só este é realmente capaz de fazer Poesia e através do estranhamento emocional vir a causar a comoção. Quando os pelos se eriçam ou ocorre um nó na garganta, é sinal de que a palavra criou no receptor o ESTADO DE POESIA. Eu busco a ele tal qual uma "agulha num palheiro", mas nunca a palavra (somente) para compor a sonoridade rítmica que naturalmente conduza à rimação. Ela nasce porque tem de nascer, tal uma pálpebra que se mexe no olho cego. Depois, é deixar que a sensação me prostre, exausto, como se fora o gozo com que a fêmea se entrega, ou, ao menos, se perceba nela também o prazer de fruir a conjunção exaurida. Grato, minha estimada e magistral intérprete musical, pela oportuna interlocução. Ah, lembrei-me do maestro Alfred Hulsberg, teu talentoso falecido marido, e amigo que acompanhei até a despedida final, tendo sido honrado com a designação para ser o orador no ato fúnebre. Bem, esta é uma bonita história que vocês construíram juntos, de saudoso memorialismo: as palavrinhas nadando no mar dos sons harmônicos e patéticos. A regência instrumental a cargo dele, ajojado ou não à partitura, e tuas cordas vocais a alegrar a nós, miseráveis espectadores à espera das benesses que o Criador te conferiu como dádiva original. Tão bom quando o decurso do tempo nos mantém juntos. E, num repente, neste exato momento de rememoração, mais uma vez a comoção sufoca minha garganta e os olhos mareiam. Essa, enfim, é a condenação ao sentir, aquela que em conluio com o Mistério, poderá vir a criar a materialidade de uma peça lírica que nos faça mais densos aos olhos e ouvidos do humano ser e se alteie pontuando loas aos pacienciosos desígnios do Absoluto, naqueles momentos mágicos que perpassam em nós através da entrega ao semelhante. Tudo por obra Dele, porque o temos em nosso coração andarilho das finitudes, pelo cumprimento do itinerário de passagem. E que possamos retornar à morada do ser pelo gasto ofício da palavra.
MONCKS, Joaquim. Atônito, a moer solilóquios. Obra inédita, 2020.
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