Quem é melhor: o Super-Homem ou a Sailor Moon?

QUEM É MELHOR: O SUPER-HOMEM OU A SAILOR MOON?
Miguel Carqueija

No complexo universo dos super-heróis podemos constatar que o Super-Homem é geralmente considerado o principal super-herói dos Estados Unidos enquanto a Sailor Moon é a principal super-heroína do Japão, um país onde parece há mais super-heroínas que super-heróis, e mais importantes.
É verdade que o Batman como que rivaliza com o Super-Homem, mesmo assim o Homem de Aço (talvez porque o Homem Morcego não tem poderes) ainda fica na frente. Ele é o grande ícone do gênero nos EUA, onde foi criado em 1938 por Joe Shuster e Jerry Siegel. Sailor Moon foi criada em 1991 por Naoko Takeushi e em pouco tempo tornou-se mundialmente conhecida e apreciada.
Falaremos do herói como Superman, pois embora seja em inglês, sendo nome próprio (no caso de título) não configura estrangeirismo e já está sendo mais usado entre nós. Curiosamente o Homem Aranha é conhecido no Brasil mais com o nome traduzido, talvez por questão de eufonia.
Quem atinge mais mídias? É a Sailor Moon, pois além de quadrinhos, seriados em desenho ou ação viva e filmes de longa-metragem, ela também aparece em óperas. Não conheço ópera de Superman.
Existem semelhanças ou paralelos entre os dois ícones? Sim, vários, a começar pelas iniciais. Se separarmos Superman nas duas palavras que formam esse nome teremos SM — como em Sailor Moon (Navegante da Lua).
Ambos são alienígenas. O Superman chamava-se Kar-El e era originário do distante planeta Crypton, situado em outro sistema solar. Mais recentemente chegou-se ao exagero de dizer que ele vem de outra galáxia. Usagi Tsukino, a Sailor Moon, é selenita, nasceu no extinto Reino Lunar, o Milênio de Prata, que teria existido há dezenas de milhares de anos.


Ambos têm a sua origem na destruição de um mundo. Superman era um bebê quando seu pai, o cientista Jor-El, descobriu que Crypton seria destruído e por isso ele e a esposa mandam o filho numa cápsula com destino a outro planeta. Apesar do absurdo dessa gênese, o personagem sobrevive galhardamente há mais de 80 anos. Imaginem essa situação: diante de uma catástrofe mortal o pai e a mãe resolvem enfiar seu filho, um bebê indefeso, numa cápsula espacial e o mandam para o desconhecido infinito, na esperança (?) de que ele venha a pousar em segurança em algum planeta habitável e seja adotado por pais bondosos e de forma humana inclusive. Aliás o garoto é recolhido e adotado por um casal de fazendeiros sem filhos (muito conveniente!) nas proximidades da pequena cidade de Smallville, ou seja, em vez de cair no oceano ou no Himalaia (ou em Júpiter...) ele desce na isolada propriedade de dois americanos típicos e arianos, o mesmo biótipo do cryptoniano, e no mais poderoso país do mundo, onde ao crescer ele se tornará o grande paladino da Justiça.
O caso da Sailor Moon é mais épico, digamos. Ela era a Princesa Serenity ou Selene, filha da Rainha Serenity do Milênio de Prata, um reino místico. A rainha guardava o “Sagrado Cristal de Prata” para defender a paz no Sistema Solar. Mas um poderoso adversário, o demônio Metalia, sedento de cobiça pelo cristal, seduziu a maior parte da população da Terra e nosso planeta atacou o Reino Lunar, que foi destruído, mas Serenity conseguiu encapsular Metalia e seus seguidores e, morrendo nas ruínas do castelo lunar, a rainha ainda usou o poder do cristal de prata para enviar os espíritos da filha e suas guardiães (as sailors Júpiter, Vênus, Marte e Mercúrio) para a Terra futura, onde toda a equipe reencarna e elas acabam se reencontrando.
Ainda existe outra similitude, é motivo até de piada que o “alter-ego” de Superman, o repórter Clark Kent, tem a mesmíssima cara, apenas usa óculos, e ninguém percebe que se trata da mesma pessoa. Ora, no caso de Usagi, ou Serena como é conhecida na América, o caso é mais escandaloso, afinal Usagi usa marias-chiquinhas descomunais, e a Sailor Moon também. Nem assim são identificadas como a mesma pessoa.
Agora porém terminam as semelhanças. Vejamos as diferenças.


Sailor Moon é ingênua, extremamente ingênua, em certas ocasiões ela age até de forma infantilizada. É dada a choros por sua hipersensibilidade, e como colegial adolescente está longe de ser exemplar, pois costuma tirar notas baixas e é dispersiva nos estudos além de dada a dormir muito.
O Superman já foi ingênuo mas não a esse ponto. Nos velhos quadrinhos — acompanhei muito no jornal O Globo, nas décadas de 50 e 60 — Superman questionava pouca coisa, raciocinava de modo bem ligeiro e ninguém morria, nem mesmo os vilões. Eram afinal quadrinhos para crianças, como costumavam ser os quadrinhos de super-heróis, mas em pouco tempo eles “evoluíram” — hoje em dia os gibis de SH são teratológicos, medonhos já nas capas e com tramas incompreensíveis.
Nos velhos tempos, como podemos ver na série de animação dos anos 40, o Homem de Aço tinha um bordão. Vivia dizendo, quando partia num de seus casos: “Para a frente, e avante!”. Talvez por isso tenha ficado conhecido como um super-escoteiro. Mas convenhamos que esse bordão é insosso e inócuo.
O bordão de Sailor Moon é uma filosofia de vida:
“Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça! Sou Sailor Moon, e punirei você em nome da Lua!”
Quais são os super-heróis norte-americanos que costumam falar em nome do amor?
Os superpoderes do Superman são mal explicados e materialistas. Ele não veio à Terra com poderes, mas a radiação de nosso sol amarelo transformou-o num super-ser. Voa, tem super-força, é invulnerável etc. Mais absurdo que a fadinha do dente.
No caso da Sailor Moon ela é uma heroína mística, que usa o poder do “Sagrado Cristal de Prata” além do cetro lunar e da tiara lunar. São poderes energéticos, na verdade o poder da luz. Sailor Moon é espiritualizada, ainda que a série não seja confessional, mas as referências religiosas são constantes. O Castelo Lunar, onde ela foi criada, tinha uma sala de orações, por exemplo. Ao defender a Terra de poderes malignos — inclusive demônios — Sailor Moon adquire o caráter de uma espécie de Messias. Há sim, quem veja no Superman um caráter messiânico, porém um messias materialista, sem qualquer espiritualidade constatável.
Clark Kent é de resto um sujeito desenxabido, e nas suas histórias praticamente não há lugar para o humor. Não consigo me lembrar de coisas realmente engraçadas nas suas histórias. Já em Sailor Moon o humor faz parte. Lembro da história em mangá onde Moon e Vênus seguem a pista de duas vampiras que estavam sequestrando crianças para sugá-las. Ao arrombarem a chute (na época Sailor Moon e Sailor Vênus tinham ambas 15 anos) a porta da mansão das vampiras, Sailor Moon logo se dirige às vilãs com seu habitual discurso, começando por apostrofá-las: “Como ousam se alimentar de crianças?” Em seguida vem o bordão, mas a guerreira dessa vez o diversificou: "Punirei vocês em nome da Lua e da Associação de Pais e Mestres!”
Bem, as histórias de Superman tornaram-se cada vez mais sombrias e violentas. O filme “Batman versus Superman” é um exemplo típico dessa brutalidade que hoje orna as aventuras de super-heróis dos universos DC e Marvel. Mas Sailor Moon manteve-se como uma heroína doce, amável e que não gosta de violência. E que se opõe a métodos radicais, inclusive na terceira fase do seriado Sailor Moon se opõe às sailors Urano e Netuno, que não fazem parte de sua equipe, porque essas queriam matar e Sailor Moon foi contra.
Aliás tem o detalhe dos músculos de Superman, visíveis através da roupa (mania dos desenhistas de super-heróis norte-americanos), coisa inverossímil mas que enfatiza a força bruta. Sailor Moon não tem força física além da normal numa adolescente, não costuma golpear, usa o poder da luz, seu físico é normalíssimo e não aprecia a violência, tendo mesmo repugnância em lutar; faz por dever.
Não me lembro de nada relevante que o Superman tenha falado. Sailor Moon de vez em quando filosofa e, apesar de atitudes bobas em situações corriqueiras, ela sabe usar de sabedoria. Vejam esta frase de conteúdo místico-ecológico no filme longo de animação “Corações em gelo”:
“Nós, neste pequeno planeta chamado Terra, ganhamos as nossas vidas. Elas podem ser vidas insignificantes. Mas nós cultivaremos a preciosa vida que ganhamos.”


Subentende-se: ganhamos de Deus. Quando ela se refere às vidas insignificantes a tela mostra um caranguejo na praia. Ou seja, mesmo os animaizinhos são valiosos. E quando Neherenia, a vilã da Lua das Trevas, declara “Chegou o momento de medirmos as nossas forças para saber qual de nós duas será a dominadora deste planeta” (a Terra), Sailor Moon dá uma resposta taxativa: “Este planeta pertence àqueles que nele habitam!” . O que equivale a uma carta de direitos. Podemos inferir: os índios, por exemplo, têm de ser respeitados, pois eles (também) são os donos deste planeta. Os animais também têm seus direitos, pois também habitam a Terra.
O Super-Homem sabe falar bonito? Eu nunca vi, seu diálogo é banal.
No fim das contas, e na minha modesta opinião, a Sailor Moon é muito superior ao Super-Homem. Não sou dono da verdade e muita gente, eu sei, discordará. Mas a mim não parece que a violência e teratologia habituais nos super-heróis norte-americanos contribua para elevar a sociedade.

Rio de Janeiro, 7 de junho de 2019.

NOTA DE ÚLTIMA HORA: este artigo já estava composto quando chegou a notícia de que a Toei acaba de anunciar um novo filme de Sailor Moon para 2020.



Imagens: o Super-Homem em desenho; Sailor Moon fazendo o gesto da vitória; o Super-Homem tendo em segundo plano membros da Liga da Justiça; Sailor Moon com sua filha vinda do futuro, Chibiusa.
Os filmes da Sailor Moon são produzidos pela Toei; o Superman é propriedade da DC Comics.