A importância de criar bons personagens

Não é fácil criar uma boa história, pois isto exige saber elaborar uma trama envolvente e verossímil, com temas interessantes, um começo que atraia a atenção dos leitores e/ou espectadores e um desenvolvimento que não seja nem rápido nem lento demais. Porém, o mais importante é criar bons personagens, porque eles são a verdadeira alma da história e quem lê ou assiste precisa se interessar pelo destino dos personagens. Como criar um bom personagem? Não há uma resposta única, mas é bastante óbvio que isto dependerá e muito da habilidade, conhecimentos e esforço do escritor, o qual precisará estar atento a inúmeros detalhes para construir um personagem com o qual nós nos identifiquemos à medida que mergulhamos em seus dramas,lutas e desenvolvimento.

Ainda que não haja fórmulas para compor personagens que conquistem quem vai ler um livro ou assistir a um filme, seriado ou novela, podemos ver que há atitudes que poderão nos ajudar, como:

1-fugir de estereótipos - recorrer a estereótipos como a donzela indefesa, o vilão que é apenas malvado, a vilã sedutora ou o alívio cômico podem indicar falta de criatividade. Assim como o ser humano é complexo na vida real, assim deve ser com os personagens. Quanto mais reais eles parecerem, mais conseguiremos nos identificar com eles e suas histórias. Aliás, muita gente que tenta fugir do clichê da donzela em perigo tem recorrido muito a outro modelo feminino que alguns já

têm começado a considerar clichê: o da personagem feminina forte, que luta, usa armas, pratica artes marciais e tem que provar aos homens que é tão boa quanto eles. Temos a impressão que só há mocinhas delicadas ou mulheres duronas. E não é assim. Nada contra uma mulher lutar artes marciais ou usar espadas. Mas ser forte é muito mais que isso. Além disso, lembremos que tanto o homem quanto a mulher têm seus lados frágeis. Outros estereótipos dos quais é bom fugir são o gordo cômico e o negro que só serve como coadjuvante. Nestes tempos de representatividade, não vale mais reforçar preconceitos contra gordos e negros, que são seres humanos como todo mundo.

2- O personagem tem que ter um perfil que combine com sua história - um personagem que passou por determinadas experiências tem conhecimentos e uma determinada visão de mundo. Se um personagem vive numa favela, ele não pode ser inocente. Da mesma forma, um personagem que vive no Rio de Janeiro não pode falar como um sulista. Caso um personagem tenha passado um tempo na prisão, é evidente que tem que ser uma pessoa endurecida, sem ilusões e que saiba se defender, até porque muitos dos que estiveram presos precisaram brigar para conquistar respeito na prisão. Um personagem cujo perfil é adequado à sua história é o guerreiro Guts, do mangá Berserk. O jovem nasceu em condições difíceis,criado por mercenários, aprendeu a lutar para sobreviver entre batalhas renhidas, foi obrigado a treinar extenuamente ainda muito criança, foi vendido pelo pai adotivo a um pedófilo que o estuprou e teve de matar o homem que considerava o pai para não ser morto. Não era de se esperar que ele fosse uma pessoa doce e inocente, não é? Ele é endurecido, confia apenas em sua espada e, somente aos poucos, mostra que é muito mais sensível do que aparenta. Também podemos mencionar o delinquente Ash, do mangá Banana Fish, que foi criado por um mafioso que o fez de brinquedo sexual, marcando sua infância com traumas. O jovem tem um olhar de pessoa desiludida e solitária.

3 - O personagem precisa mudar - se um personagem passou por coisas como ser sequestrado e feito de escravo sexual, ele não pode voltar a ser a pessoa que era antes de passar pelo que passou. Ele pode até se tornar mais forte e maduro, mas nunca será quem era novamente. Caso ele fosse uma pessoa infantil, imatura e superficial antes de ter sofrido todas essas violências, esta será uma boa forma de fazê-lo se tornar uma pessoa mais madura, com uma outra visão de mundo. Os personagens têm de amadurecer, evoluir e crescer para parecer reais. Hoje em dia, não faz mais sentido botar personagens que não mudam. A natureza humana é dinâmica e mutável. Um bom exemplo de personagem que muda e amadurece é o Urie, de Tokyo Ghoul re:. No começo da saga, o líder do esquadrão Quinx era egoísta, arrogante e superficial, mais preocupado em conquistar um posto elevado do que exercer seu papel de líder e orientar seus companheiros. Mas mudou consideravelmente após a morte de seu colega Shirazu, que se sacrificou ao matar um poderoso oponente. Ver o seu colega morrendo em seus braços fez Urie se tornar mais consciente da sua responsabilidade como líder e ter mais consideração por seus colegas. Muitos fãs da saga o consideram o melhor exemplo de personagem cujo caráter muda consideravelmente.

4 - criar personagens complexos - nós não somos só bons ou maus. Assim, um personagem, mesmo sendo vilão, pode ter um lado bom que o humanize e, caso o autor queira que nós o entendamos, ele pode mostrar sua história para que passemos a gostar dele. Don Vito Corleone, de O poderoso chefão, podia ser um mafioso implacável, mas era um marido e pai exemplar e Shylock, o agiota de O mercador de Veneza, embora fosse um usurário impiedoso, era comovente ao falar de como sofria preconceitos por ser judeu. Ultimamente, tem crescido a popularidade dos anti-heróis, que são os personagens que não se enquadram nos padrões sociais, seguindo um código próprio de conduta, como Scarlett O'hara, de E o vento levou. Mimada, egoísta, arrogante e interesseira, poderia ser uma vilã, mas não há como não nos encantarmos com sua luta para se reerguer da miséria e impedir que sua família morra de fome. Ela pode ser egoísta, mas também é muito obstinada e inteligente.

5- perguntemo-nos se o personagem é realmente necessário - infelizmente, se certas tramas são muito longas e possuem muitos personagens, sempre há o risco de haver personagens desnecessários, que sentimos que não fazem falta. Um outro problema que pode surgir em tramas com personagens demais é não aproveitar bem certos personagens. O que o escritor pode fazer? Tentar imaginar como seria a trama sem o personagem. Será que tal personagem é fundamental?

Como podemos ver, criar bons personagens talvez seja a parte mais difícil de se escrever uma história. Porém, se nossos leitores gostarem deles, sentiremos que foi recompensador ter investido tanto neles.