Pequenas inverossimilhanças

Com certeza, qualquer pessoa com um senso crítico minimamente apurado já observou pequenas inverossimilhanças em desenhos animados, novelas, filmes, minisséries ou seriados.Estas inverossimilhanças não chegam a comprometer seriamente a qualidade do trabalho, claro, mas não dá para deixar de admitir que, se os autores houvessem sido mais cuidadosos, as histórias teriam sido melhores. Obviamente, é fácil falar. Entretanto, temos de observar com cuidados nossas histórias nos mínimos detalhes se quisermos que pareçam reais aos que vierem ler ou assistir àquilo que criamos. No geral, a maioria das pessoas não presta tanta atenção a esses detalhes, que geralmente passam despercebidos e devemos deixar claro que não se está dizendo a ninguém que pare de gostar de nada. Cada um tem direito de gostar do que gosta. Porém, reparar nessas inverossimilhanças é até divertido, pois nos mostra como precisamos prestar atenção a coisas como o histórico dos personagens, o contexto social e ambiente em que estão inseridos e tudo o mais. Então, vamos falar de algumas coisas sem sentido vistas em alguns programas:

1- Com certeza, poucos lembram do desenho Bravestarr, que passou nos anos 80 e era exibido pela Globo. A trama era uma mistura de faroeste com ficção científica e se passava no século XXIV num planeta chamado Novo Texas. O protagonista era um delegado índio que combatia criminosos e, como He-man e She-ra, sempre tinha uma lição no fim de cada episódio. Num desses, chamado A caminhada, um rapaz, que parece ter uns dezesseis anos e é filho de um ex-xerife, confessa que achava que disparar armas era divertido mas que tinha aprendido que elas podiam machucar alguém, ouvindo do delegado Bravestarr que armas podiam mais que machucar. Podiam matar. Qual a inverossimilhança? Vejamos, o desenho é ambientado no Oeste e de origem norte-americana. Ninguém ignora que é comum que pessoas tenham armas em casa nesse país, especialmente em áreas rurais. Não é incomum vermos meninos de doze ou treze anos atirando muito bem e o normal é que os pais tenham sido seus professores. No velho Oeste, um jovem de dezesseis anos saberia muito bem que uma arma de fogo podia matar alguém. Ainda mais o filho de um ex-xerife que, com certeza, explicaria ao filho como manusear uma arma. Está certo que esse deslize não chega a comprometer a história como um todo, mas, para uma trama ambientada no faroeste, soa esquisito um adolescente não entender o poder mortífero de uma arma.

2- Quem já assistiu a Dennis, o pimentinha, com certeza devia achar Henry, o pai de Dennis, muito mole e incapaz de uma ação mais enérgica. Bem, houve um episódio no qual o avô paterno de Dennis diz ao menino que Henry, assim como ele, também vivia aprontando. Fica subentendido que um dia Dennis terá um filho igual a ele e que Henry explicará ao neto como o pimentinha aprontava. Façamos a seguinte pergunta: alguém imagina Dennis ficando mole igual ao pai dele? Com certeza não. O normal é que crianças ativas e travessas se tornem adultos enérgicos e agitados. E o pai de Dennis é muito quieto, não tem nenhuma característica de quem foi uma criança travessa. Muitos que viram esse episódio se perguntaram como um homem que foi uma criança tão agitada tenha ficado assim. Claro que isso não torna o desenho menos divertido, mas percebemos bem que não seria possível na vida real.

3- Muitos lembram da bela novela Senhora do Destino, não? A novela foi ótima, porém apresentou um lapso que chega a ser engraçado. Uma personagem, Daiane, moradora de favela, era totalmente ingênua e ignorante acerca de coisas como a existência de crianças viciadas em crack. Ela fazia uma tolice atrás da outra e um dia sua mãe e o namorado dela, um taxista, levaram-na para dar uma volta para conhecer a realidade. E ela se chocou ao ver crianças viciadas em crack. Como uma menina que nasceu e cresceu numa favela é tão boba? Hoje, qualquer criança, assistindo à televisão, sabe dessas coisas e ninguém ignora que crianças de favela são mais espertas e têm mais vivência do que aquelas de classe média alta.

Fazer uma menina de favela ingênua é tão sem sentido quanto fazer um índio não conhecer os caminhos da floresta, não é mesmo? Embora este erro não tenha chegado a diminuir a qualidade da novela, não dá para deixar de reconhecer que nenhuma criança ou adolescente que viva nesse ambiente poderia ser inocente.

Enfim, é fácil observarmos erros nos trabalhos dos outros e difícil que percebamos os que nós mesmos cometemos. E é exatamente por isso precisamos reler e revisar o que escrevemos, pois nós não estamos livres de cometer deslizes como os comentados neste artigo.