Escritor Comercial e Escritor Genial

Nesta artigo, estou desenvolvendo um tipo ideal que permita entender um pouco o mercado editorial e o ostracismo de inúmeros escritores talentosos.

O tipo ideal, conforme Weber explica em suas obras de metodologia, é um modelo conceitual de análise. Não precisa coincidir com a realidade, mas no permite a compreensão da ação social quando seus agentes se comportam de forma aproximada do tipo proposto. O tipo ideal, na sua forma pura, supondo total fidelidade do agente aos seus valores, não precisa existir na realidade.

Não se trata também de uma discussão metafísica sobre o que seria genialidade, o que podemos chamar ontologicamente de genialidade. O tipo ideal é um conceito compreensivo, um modelo hipotético que é submetido a análise dos fatos e dados com o objetivo de ser testado quanto ao que propõe: compreender os sentidos que orientam as ações sociais.

Como exemplo, o tipo protestante e o tipo católico, sabemos como o sentido do comportamento de um ou de outro, conforme se envolvem em situações em que colocarão em jogo seus valores e como envolverão estes seus valores naquilo que fazem. Perguntamos quais os valores dos protestantes e depois analisamos como isto implica em agir de um jeito ou de outro conforme os mesmos.

Inclusive certo nível de fidelidade destes aos seus valores são considerados. Exemplo: um católico é contra o aborto, mas não a ponto de defender a expulsão de um membro da igreja por causa disto.

Existe certa áurea sobre o escritor que é bem representada pela história do jovem escritor, cujo talento é notável por qualquer um, e logo é dado ao mesmo a oportunidade de estar ao lado dos grandes escritores.

É quase como uma justiça divina literária, que retira do anonimato o pobre escritor menosprezado e incompreendido. Ele escreve a grande obra e o reconhecimento se torna impossível de não acontecer. Então, retirado do meio dos anônimos e pessoas comuns é colocado em um lugar especial, onde poderá quem sabe ser um Machado de Assis destes tempos.

No mundo real, digo das coisas possíveis e prováveis, não existe esta recepção universal de uma obra. Se ela não for construída dentro de grupos acadêmicos, de interesses, de consumo e diversos outros nichos ele ficará no anonimato mesmo.

A genialidade não é um atributo reconhecível independente da sociedade e de seus segmentos culturalmente orientados. A obra surge como expressão para um grupo ou apropriada por ele com fins de reproduzir seus valores ou dar aos mesmos espaços e poderes sobre um espectro mais amplo da sociedade.

O que serão estes valores e objetivos destes diversos grupos que se apropriaram destes bens produzidos não é nada de etéreo, especial ou metafísico. A questão é que líderes, escritores e artistas podem agregar a estes grupos sua inteligência e percepção através de seu trabalho e ganham por isto a notoriedade e "genialidade" como reconhecimento.

O autor que não se dispuser a trabalhar com nichos ou com produção de massa, terá que escrever para a academia e já adianto, cada uma tem suas preferências.

Não adianta espernear, culpar a burrice do brasileiro, a educação "esquerdista", o analfabetismo do povo, etc. Quem não agregar com sua arte alguma coisa a um ou outro dos diversos segmentos e grupos organizados em sociedade, conforme seus valores e interesses, ficará no ostracismo.

Acrescento mais, a disputa é grande. Convido a qualquer um a dar uma olhada em quantos livros a Amazon disponibiliza para a venda, muitos de autores desconhecidos e iniciantes.

Evidentemente, muitos autores de despontaram por estes meios eletrônicos, mas se observarmos bem, só vão sobreviver os autores que souberem comunicar com este público. Aqueles geniais, mas que não se abrirem para o público, ou seja, escrever para eles, com muita sorte serão objetos de alguma dissertação ou tese de doutorado ainda em vida.

Os meios eletrônicos retiraram das grandes editoras o monopólio da publicação. Se antes as mesmas selecionavam, por meios de seus profissionais a viabilidade do livro em termos de vendas e público alvo, e daí publicavam, hoje é possível publicar sem passar pela seleção prévia e comercial das editoras.

Porém, o autor fica sujeito ao desconhecido do mercado editorial, apostando sozinho e sem conhecimentos no que pode ou não ter sucesso. E também, concorrerá com milhares que também publicam por conta e risco ou disponibilizam em plataformas como as Amazon.

Podemos acrescentar a situação do Brasil que temos um mercado parco para roteiristas e um público que lê poucos livros de ficção.

Não há genialidade sem um grupo de referência para o qual a obra foi produzida ou apropriada para seus fins. Quem escrever algo de extrema inteligência, mas que não dialogue com os valores destes grupos e ainda ofereça algo a mais neste mercado saturado, vai ficar não só no anonimato quanto no ostracismo.

Vou dar um exemplo: o que seria uma obra genial para um leitor olavista, raramente vai ser para um leitor marxista. Ainda que ambos concordem sobre a importância da obra, a mesma terá importância e significados distintos que serão hierarquicamente priorizados em relação aos seus valores e objetivos.

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Se observarmos as diferenças entre os tipos de autores, o comercial e o genial, vamos perceber que o primeiro se destaca pela compreensão do público, seus gostos e preferências, o segundo é cara que esta desenvolvendo algo novo em termos de linguagem, estética ou filosofia.

É possível que um autor tenha estas duas qualidades? Sim, mas serão em números terrivelmente menores do que os dois outros , com predominância do comercial. Pode ser que este raro autor seja comercial e genial em um só nicho, adolescentes por exemplo, e bem mais raramente em diversos nichos.

Isto significa que as probabilidades de encontrarmos um escritor comercial e genial são menores que os demais, mas o que explica esta probabilidade pode ser encontrado tanto em uma questão mesmo cognitiva quanto de mercado mesmo, já que o que se chama de genial não pode ser separado de um grupo ao qual o mesmo se refere ou é apropriado.

Para concluir, quem escreve, escreve para alguém, para alguns ou para muitos. Escrever é uma ação social, mesmo quando escrevemos uma carta que não pretendemos que seja lida, nos reportamos a um outro e supomos que ele tenha esta ou aquela expectativa ou valores.

A questão é como o que se escreve será apropriado pelos diversos grupos e o valor desta escritura em uma hierarquia de prioridades e objetivos. E não necessariamente a genialidade de quem escreve, se esta genialidade não fizer sentido dentro daquele grupo ou segmento.

*Existem muitas pesquisas sociológicas sobre mercado editorial, o que faço aqui é uma análise informal própria que pode ou não coincidir as conclusões destas pesquisas.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 09/02/2019
Código do texto: T6570910
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