A DANÇA DOS VALORES NA FORMAÇÃO MORAL E ÉTICA DO SUJEITO CRÍTICO

Na atualidade, pensar e discutir sobre valores parece não ser uma atividade das mais comuns, visto que outros temas se apresentam com muito mais interesse e numa frequência impressionante, como por exemplo, os temas políticos partidários ligados à corrupção, nesse inglório tempo da nefasta operação lava jato; os assuntos esportivos que parecem embriagar a grande massa; os tópicos da área estética que cultuam o corpo; a saúde, educação, religiosidade, a autoajuda, dentre outros. Mas, poder-se-ia argumentar que, nesses assuntos, está envolvida a questão dos valores. Sim, necessariamente está, entretanto, apresenta-se como componente quase que sem importância no discurso, uma vez que estão implícitos e passam despercebidos ou quando muito, são considerados somente a nível conceitual, sem os devidos testemunhos da ação prática.

Mas o que são valores? Economicamente, significa as qualidades materiais dos bens. Existencialmente, podemos entender como aquilo que dá sentido às coisas e às necessidades humanas, são meios para um fim, essências ou ideias valorativas. O valor aperfeiçoa e se fundamenta no ser e, na compreensão do fenômeno valorativo, este é o problema essencial da ética. No sentido axiológico, são todas as coisas que consideramos preciosas, importantes e, portanto, valorosas, incluindo nesse contexto, as coisas materiais, a exemplo dos objetos e imateriais ou subjetivos, como os sentimentos, a exemplo da noção do que é ser justo, bom, bonito, generoso, decente, honesto, íntegro, certo, dentre tantas outras qualidades.

A análise dos aspectos qualitativos acerca dos valores humanos, ou ainda, do comportamento vivencial, que regra a boa conduta, necessita urgentemente ocorrer no âmbito axiológico, ou seja, da ciência dos valores, para melhorar a compreensão da qualidade dos relacionamentos interpessoais, o que, simplesmente não acontece pelas vias teóricas. A teoria sem a efetividade da prática não promove boas transformações. Essa é a regra e a lição da boa educação.

A relevância da discussão dos temas citados é inegável, precisa acontecer o máximo possível para melhor socialização do conhecimento inerente a cada um deles e para ampliar a compreensão da população. Mas convenhamos, falta pensar um pouco mais profundo para enraizar os problemas e buscar as soluções que realmente possam fazer a diferença. Pensar superficialmente, em geral, não faz a interligação dos fatores causais, pelo contrário, pode até mesmo banalizar a situação e coisas sérias tendem a se transformar em fatos comuns, aceito pela maioria das pessoas, como tem acontecido com a questão da liberdade sexual ainda na fase da adolescência, justamente porque os programas televisivos ensinam isso todos os dias em horário nobre. Infelizmente quem acaba pagando um alto preço são os inocentes, que se transformam em seres alienados do sistema que insiste em manter o status quo. Enquanto isso, os valores são ordenadamente relativizados, teoria onde tudo cabe e em seguida são menosprezados.

Os valores se renovam e se revestem de diferentes nuances a cada circunstância e a cada momento temporal e cultural do homem. Nesse sentido, é interessante pensarmos um pouco sobre a possível substituição ou inversão dos valores fundamentais por outros valores menos nobres, que cotidianamente podem, de forma sorrateira, estar acontecendo, para manipular a juventude e mesmo enganar os adultos mais incautos. A fuga dos valores fundamentais da prática cotidiana, baseada na alteridade e na liberdade, pode alterar, mesmo que de forma sutil ou drástica, o comportamento do sujeito e as ocorrências do seu entorno, assim, tendem a ser valoradas de modo equivocado. Nessa circunstância funesta, a primeira coisa a ser desestruturada é a instituição familiar, sendo que, a partir desse fato, os limites são postos de lado, ou melhor, caem por terra. Se não se tem limites não se tem razão, nem tampouco ética - estudo do comportamento humano.

Filosoficamente, o problema axiológico ou dos valores, ao longo da história da humanidade, sempre vem sendo discutido e, nesse milênio, ganhou proporções gigantescas, tamanha é a sua relevância. O futuro das relações interpessoais, depende do conteúdo, do significado e da visão que temos do viver autênticos e do comportamento ético existente em cada pessoa, pois é dessa realidade que se estabelece o conceito de qualidade da vida moral. A prática adotada em todas as áreas do conhecimento humano é alicerçada pelo sistema de valores pactuados pela coletividade, mas o exercício do ato de valorar é singular. Isso significa que a escolha ou decisão começa no eu, mas termina na ação coletiva. Então todos somos responsáveis pelas consequências advindas do ato de saber ou não atribuir valor às coisas, às nossas escolhas e ao que pensamos, sentimos e praticamos.

O valor emana do nosso ser existencial com a força da transformação. Há os que se aproveitam dessa força para crescer, como também existem os que se entregam à sorte das circunstâncias. Poderíamos dizer que tudo depende da escolha que se faz, como na verdade o é, porém, conhecer os seus princípios morais é fator essencial para se fazer bem as escolhas, de modo que não se pode prescindir do conhecimento dos valores que, singularmente, lhe habitam, a não ser que na malha intelectiva do sujeito, o dado axiológico não tenha nenhuma relevância. Nesse caso, conhecer ou não, não faz a menor diferença.

Podemos encontrar elementos do valor tanto nos aspectos morais como no âmbito da ética, embora se tratem de coisas diferentes. Às vezes, torna-se complicado separar a ética da moral, mas a ética deriva de ethos, a ciência dos atos humanos, que em latim significa morada ou modo próprio de viver, que se baseia na luz da razão e serve para formar os juízos de apreciação entre o bem e o mal, enquanto que a moral deriva de mos-moris, ou seja, dos costumes que normatizam o comportamento humano, que também utiliza a razão, mas precisa necessariamente da revelação como complemento comprobatório do ato praticado para validar as regras de conduta. Quando não se distingue um do outro, torna-se mais complexo entendê-lo. O problema é que questões como essas não despertam o interesse da maioria das pessoas, que preferem cair no reducionismo ofertado pela comunicação de massa, caminho mais fácil para o engano e alienação.

Logicamente, esperar que todos se preocupassem com o problema da moral e da ética, ou seja, com o comportamento inautêntico, que desvaloriza a vivência humanizada e respeitosa, para com a natureza e com as outras pessoas, descaracterizando-nos enquanto sujeitos críticos. Somos seres sociais e de razão. Como tais, devemos primar pela cordialidade da boa educação; por conseguinte, reconhecer os reais valores presentes em nosso modo de agir, é condição inalienável.

É inconcebível que os valores morais e éticos, norteadores da convivência humana, não sejam mais amplamente trabalhados nas salas de aulas, que, em muitos casos, insistem na prática do fazer de conta; que no meio empresarial valorizem mais as estratégias danosas para desestabilizar os concorrentes do que cultivar os bons valores; que no meio político tratem a moral e a ética como meros dispositivos que compõem as falácias; que no meio médico sejam um lampejo de sobriedade. É preciso dar um basta nessas situações de absoluta relativização, nas quais imperam a usura humana. Mas o que fazer para, pelo menos, minorar os problemas existentes? Receita de bolo não resolve, mas esperar que algo aconteça também não. Talvez o cruzar de braços ou o balançar de cabeça sejam os gestos mais adequados para comprovar nossa participação e cumplicidade nessa mesmice humilhante em que nos encontramos. Precisamos reagir e transformar nossa realidade de vida pelas vias da prática cidadã.

O valor moral, e, portanto, ético, deve ser objeto de estima e desejo, mas, principalmente, deve ser utilizado de modo producente, para atender às necessidades individuais, mas que não limite ou prejudique a coletividade. Isso é difícil de acontecer? Sim, deveras é, mas não deveria, porque os valores são atributos essenciais no viver humano, pertencem a todos, portanto, o usufruto é um direito natural. Cercear esse direito é ato criminoso contra o outro. Se cada um de nós, pelo menos, respeitasse os direitos e cumprisse com seus deveres, seriamos seres mais solidários e humildes na construção de nossa conduta e na postura comportamental da interação social. É dessa prática que nasce a verdadeira ação cidadã.

A dança dos valores dá o ritmo para a construção do caráter do indivíduo, fonte definidora para imprimir a natureza do ser existencial em sua mais profunda singularidade. É dos valores subjacentes no seu íntimo que o homem tira o alimento para o seu espírito e para a sua alma, portanto, não adianta se refugiar somente nos valores materiais, porque esses não preenchem o vazio causado pela falta de cultivo dos bons valores, que certamente farão falta no balanço da contabilidade existencial do viver.