Você vai morrer, e deveria ser grato por isso

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Podemos discordar em inúmeros aspectos, mas há uma certeza imune a qualquer questionamento: você, eu, todos nós vamos morrer. Dentro de algumas décadas, nós e todos aqueles que nos cercam já não estarão mais aqui.

 

Apesar ser algo inquestionável, vivemos como se não fosse real. Assumimos a morte como um mero mito. Mas, volta e meia, a certeza de que vamos morrer retorna. Muitas vezes com força total. Um choque que nos desperta várias vezes do automatismo diário de nossas vidas.

 

O interessante é que quando as pessoas buscam algum suporte emocional para lidar com essa dor tão humana, quase sempre miramos o foco no depois, no que pode vir (ou não) além da vida.


Convido o leitor ou a leitora, porém, a fazer uma reflexão na direção oposta. Em vez de lidarmos com a morte especulando sobre seus fins, tentemos mirar nossos olhos para os princípios.

Sim, você vai morrer. Mas quais as chances de um ser humano com todas as suas peculiaridades, todas as suas qualidades e defeitos, todas as suas vantagens e mazelas, estar aqui e não outra pessoa? Até o cálculo mais otimista ou arbitrário concluiria que isso é um absurdo.

Seus pais, sob inúmeras circunstâncias diferentes, precisaram se encontrar e se relacionar num período específico, bem como se envolver sexualmente dentro de um intervalo ínfimo para que duas células únicas se unissem e culminassem no indivíduo singular que agora lê este texto.

Bastaria que uma célula diferente tomasse a frente, dentre as milhares geradas por sua mãe ou dentre as centenas de milhões liberadas por seu pai, para que uma pessoa completamente diferente estivesse no seu lugar hoje. E o mesmo teve de ocorrer com seus avós, bisavós, tetravós e assim por diante. Isso sem comentar o longo e lento desenrolar evolutivo que antecede tudo isso.

Para que uma única pessoa possa desfrutar da vida e apreciar todas as suas dores e sabores, um número incontável de outras precisa deixar de existir. E dadas as possibilidades do nosso DNA, certamente, entre tantas personalidades em potencial, se escondem grandes mentes bondosas e brilhantes, tais como líderes marcantes, cientistas de prestígio e artistas do mais alto escalão. E não há nada que possamos fazer para resgatar todos esses fantasmas ceifados pelas limitações impostas pela própria natureza. Limitações essas que, sob inúmeros aspectos, contribuíram para que a nossa existência fosse possível, ainda que com bastante desperdício.

Como você pode perceber, viver é para poucos, pouquíssimos. Sob o ponto de vista biológico, está claro que cada um de nós é privilegiado pelo simples fato de ter a oportunidade de morrer. Afinal, se vamos morrer, é porque tivemos o privilégio de viver.

Talvez seja uma reflexão ordinária, mas ainda assim uma informação de grande valor, pois nos lembra o quão nossas vidas são abençoadas, independentemente das circunstâncias e de tudo aquilo que se passa com elas.

 


Este artigo foi baseado no texto "Todos Vamos Morrer" retirado do livro Desvendando o Arco-Íris do biólogo e escritor britânico Richard Dawkins.

Leandro Abreu
Enviado por Leandro Abreu em 03/12/2018
Reeditado em 10/02/2022
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