PARA ONDE VAI O LIVRO?
Inspirei-me num excelente trabalho de doutorado em História da pesquisadora Marisa Midori Deaecto para escrever este artigo, cuja preocupação assola todos os intelectuais deste país, e do mundo em geral, em tempos de revolução midiática: para onde vai o livro?
Esta pergunta praticamente não tem idioma e é pronunciada em qualquer país do mundo nos dias atuais, onde o tradicional mercado de livros está sendo influenciado pela mídia em uma nova escala empresarial. Este destino incerto, uma preocupação também na França, a pátria das letras, que segue seu curso desde a publicação da Enciclopédia de Diderot no século XVIII até o que se chama de “terceira revolução do livro” (o surgimento de novas possibilidades de suporte de leitura, como o e-book), preocupa em diferentes escalas as pessoas que se interessam pelo futuro das publicações.
Sim, o livro vai para um destino incerto já prenunciado nas publicações dos anos 1960 e 1970: A Galáxia de Gutenberg (Marshall McLuhan) e A Revolução do Livro (Robert Escarpit).
Enfim, a noção de livro dentro da cultura impressa associando o texto ao objeto e seus usos permitidos, agora se vê ameaçada diante do moderno contexto eletrônico. A materialidade tende a desaparecer em seus vários suportes – jornais, revistas, livros, documentos, etc. e ser substituída por um único suporte, a tela de um monitor. Esta substituição já é um fato que poderá ser estendido ao limite da extinção da forma tradicional de leitura e à extinção da própria cultura impressa. Muita coisa está em processo de revisão ou de desconstrução, desde coisas concretas (direitos autorais) até as abstratas (valor de mercado e valor simbólico do produto intelectual).
Resta um consolo: esta não é a primeira revolução mercadológica no mundo livreiro. A primeira delas, ocorrida nas décadas de 1820 e 1830 favoreceram a industrialização gráfica, barateando os preços dos livros (na França, nesse período, o preço caiu na proporção de 15 para 1) e melhorando a qualidade dos textos e ilustrações. O livro virou um produto de mercado e, como tal, forçou a expansão do consumo através da publicação de coleções e a formação de bibliotecas particulares. Grande período inovador, centrado na atração do público para o consumo de livros, usando desde os veículos convencionais (livrarias) até os alternativos (camelôs ou livreiros ambulantes). Um período já perdido no tempo, por quem suspiram saudosos leitores e editores.
A primeira discrepância já chegara naquela época: a linha tênue de separação entre dois mundos, o dos negócios e o da cultura. Mas, na França, o livro é objeto sagrado e tem agregado a si o poder do mito. Não fosse assim os editores não teriam o atrevimento de publicar obras de contestadores da política colonialista francesa nos anos de De Gaulle, uma das maiores do mundo em pleno século XX.
Agora é a vez de o mundo dos negócios passar por grande sofrimento causado pela timidez do mercado de consumo, pela grande concentração de capitais de poderosas multinacionais interessadas no monopólio do livro didático e na ferrenha disputa de espaço por um grande universo de micros, pequenas e médias editoras. O livro, parece, não é mais um objeto sagrado, como a leitura também não é. Deixando de ser sagrado, o livro passou a ser objeto de questões puramente econômicas – custo, preço de venda, estratégias de mercado -, mas a cultura também deixou de ser. Assim, o que antes aproximava os dois mundos nas alturas voltou a igualá-los ao rés do chão. Ler ou escrever, atos tão individuais quanto solitários, foram banalizados, tornaram-se coisas comuns e não mais exclusivas ou valorizadas.
Voltando mais uma vez à França e à delicada relação de seu povo com os livros, a questão mais provocativa é a das identidades. O mundo dos livros é, sem dúvida, muito mais profundo do que as meras relações comerciais que envolvem o produto sagrado com o lucro. Ele retrata a paixão com que se identificam leitores, autores e editores, infelizmente e ao que parece uma etapa vencida na história da humanidade.