A RELIGIÃO NO UNIVERSO DE SAILOR MOON
A RELIGIÃO NO UNIVERSO DE SAILOR MOON
Miguel Carqueija
“Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça! Sou Sailor Moon, e punirei você em nome da Lua!”
(bordão de Sailor Moon, pronunciado quando enfrenta seres malignos)
Foi com surpresa que eu soube que existe um movimento para transformar o “jedaísmo” (sic) em religião e que na Inglaterra já existem milhares de “crentes” nessa nova religião baseada na série “Star wars” (Guerra nas estrelas) criada por George Lucas.
A palavra “jedaísmo”, ou religião de jedis, nem sequer é mencionada nos seis filmes da franquia que pude assistir. Mas como poderia existir na vida real essa religião se na vida real não existem jedis nem sabres de luz? Não se pode levar a sério uma coisa dessas. No mais, a aparência de seita religiosa dos jedis é mais aparência que qualquer outra coisa, visto eles não terem templos (templo não é só local de reunião, mas de culto aberto ao público), sacramentos, liturgias, escrituras etc. E não falam em Deus, mas numa “Força” impessoal. No fundo os poderes dos jedis são apenas psíquicos, mentais. E não se vê mais nada que de longe pareça religião, nestes filmes aliás muito bem feitos e que prendem atenção.
Já a série Sailor Moon, criada em 1991 por Naoko Takeushi, está impregnada de referências espirituais, e isso do princípio ao fim. Existem com certeza na franquia detalhes questionáveis, personagens problemáticos, mas o aspecto religioso existe e muito pronunciado, como em poucas séries. Há referências a Budismo e Xintoísmo e também ao Cristianismo, inclusive o Catolicismo. Vejamos:
Sailor Moon (Usagi Tsukino no original, conhecida como Serena (referência a Selene, ou “deusa da Lua” na mitologia greco-romana) na América), originalmente é a Princesa da Lua Branca, do Reino Lunar, conhecido como o Milênio de Prata da Lua — um reino místico que teria existido no satélite há dezenas de milhares de anos.
A Rainha da Lua, Serenity, veste-se de uma forma que faz lembrar Nossa Senhora (sem nenhum desrespeito, as metáforas cristãs são apenas metáforas: detalhes simbólicos). A Princesa Serenity não tem pai, nem mesmo nas cenas em que aparece como bebê (no mangá). Deduz-se que ela é fruto de concepção virginal, sinal profético de messianismo. Isto também é utilizado em “Star wars” para Anakin Skywalker, mas este será um messias que não deu certo.
Que Sailor Moon, como outros personagens de ficção, é uma espécie de messias, fica evidente em diversas ocasiões. Lembremos primeiro que a série atinge várias mídias: o mangá (quadrinhos) de Naoko, a série animada de tv dos anos 90, a série em ação viva dos anos 00 e a nova série animada dos anos 10, além das muitas óperas e alguns filmes de longa-metragem.
Na terceira fase da história Sailor Moon torna-se guardiã do Santo Graal, o famoso Cálice Sagrado (aparece nas histórias do Rei Arthur e segundo a lenda, seria o cálice utilizado por Cristo na Última Ceia). E nessa fase, no seriado dos anos 90, Sailor Moon é chamada claramente de messias.
Vale lembrar que o Castelo Lunar do extinto reino tinha a forma do Vaticano. E nele havia uma sala de orações.
Na era moderna, as sailors (com Sailor Moon atuam Sailor Mercúrio, Sailor Marte, Sailor Júpiter e Sailor Vênus) reúnem-se com frequência num templo xintoísta onde Rei Hino (Sailor Marte) é sacerdotisa.
Padres católicos aparecem em alguns episódios, bem como uma freira que é amiga de Rei Hino, em outro episódio Makoto Kino (Sailor Júpiter) treina meditação com um monge budista. Num episódio especial da série em imagem real Minako Aino, a Sailor Vênus, na noite de Natal, aparece deitada num terraço, escutando a canção natalina que fala na “criança divina”. Em outro capítulo Vênus e Marte, entrando numa igreja católica, ajoelham-se e rezam com grande respeito.
Nesta série, ao contrário por exemplo de Harry Potter, o nome de Deus é mencionado, ainda que poucas vezes. No final do mangá Usagi (Sailor Moon) casa-se com Mamoru Chiba (o Príncipe Endymion) na Igreja Católica, é vista inclusive uma imagem de Cristo Crucificado.
Na cena do seriado original, quando o Reino Lunar é destruído pela invasão terrestre comandada pela Rainha Beryl compactuada com o demônio Metalia, Serenity morre sobre duas colunas caidas uma sobre a outra, como uma cruz, e ela parece estar morrendo crucificada. Ela realmente consegue apesar de tudo prender os seres do Reino Escuro em um lacre que durará milênios. Ou seja, também aparecem demônios na história. Serenity aparece com asas de anjo, que Sailor Moon irá tambem adquirir em sua transformação, na última fase da saga.
Há o detalhe da reencarnação, que deve agradar aos espíritas kardecistas, mas essa doutrina existe em diversas crenças orientais. De fato, a Princesa da Lua reencarna nos tempos modernos, e também suas guardiães. E existe também ressurreição. No episódio 46 dos anos 90, Sailor Moon morre pela humanidade e ressuscita.
No mangá Chibiusa explica sobre o Cálice Sagrado, na Tóquio de Cristal, o reino futuro, lá pelo ano 3000. E explica Chibiusa que o objeto era utilizado para tomar “vinho sagrado e água sagrada”. Uma alusão ao vinho da Eucaristia, onde inclusive entra um pouco de água.
O Milênio de Prata, reino lunar, era uma espécie de bastião místico do sistema solar, contra a ação do mal. O “sagrado cristal de prata” utilizado pela Rainha Serenity e herdado por Sailor Moon, deve ser entendido como uma arma divina. E na batalha final contra o Fantasma da Morte, tal como é mostrada no mangá, Sailor Moon diz a Chibiusa para “orar”.
Detalhe importante é que a heroína não luta com golpes (nem força física ela tem) mas com o poder da luz, através do cristal de prata, do cetro lunar e da tiara lunar, armas místicas.
Faltam na história referências mais diretas que poderiam significar uma indicação de religião a seguir, e a saga não é de fato confessional. Tanto que são vistos detalhes de religiões diversas e até da mitologia greco-romana (Sailor Moon é uma estilização da deusa Diana, da Lua). Mas a palavra “milagre” é várias vezes utilizada e até próxima de seu significado teológico. A existência do Além é explícita. No seriado de imagem real, embora Usagi morra, no Céu ela tem permissão de voltar à Terra para se reunir às suas amigas, as demais sailors (a expressão ‘sailor-senshi”, que mistura termo inglês com japonês, quer dizer “marinheira-guerreira”). E no episódio 45 do seriado dos anos 90, as quatro sailors auxiliares morrem, mas seus espíritos vêm imediatamente estimular Sailor Moon e ajudá-la na batalha final contra a Rainha Beryl. Também as quatro sailors ressuscitam, no episódio 46.
É claro que nem de longe eu penso em sugerir uma religião “sailorista” como estão fazendo em relação ao “jedaísmo”; seria viajar na maionese, porque, como os jedis, as sailors também não existem. Mas é válido notar que em matéria de religiosidade poucas séries podem ser comparadas à de Sailor Moon, a Guerreira do Amor e da Justiça.
Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2018.
(da esquerda para a direita as sailors Júpiter, Mercúrio, Moon, Marte e Vênus)
( o Castelo Lunar, semelhante ao Vaticano)
A RELIGIÃO NO UNIVERSO DE SAILOR MOON
Miguel Carqueija
“Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça! Sou Sailor Moon, e punirei você em nome da Lua!”
(bordão de Sailor Moon, pronunciado quando enfrenta seres malignos)
Foi com surpresa que eu soube que existe um movimento para transformar o “jedaísmo” (sic) em religião e que na Inglaterra já existem milhares de “crentes” nessa nova religião baseada na série “Star wars” (Guerra nas estrelas) criada por George Lucas.
A palavra “jedaísmo”, ou religião de jedis, nem sequer é mencionada nos seis filmes da franquia que pude assistir. Mas como poderia existir na vida real essa religião se na vida real não existem jedis nem sabres de luz? Não se pode levar a sério uma coisa dessas. No mais, a aparência de seita religiosa dos jedis é mais aparência que qualquer outra coisa, visto eles não terem templos (templo não é só local de reunião, mas de culto aberto ao público), sacramentos, liturgias, escrituras etc. E não falam em Deus, mas numa “Força” impessoal. No fundo os poderes dos jedis são apenas psíquicos, mentais. E não se vê mais nada que de longe pareça religião, nestes filmes aliás muito bem feitos e que prendem atenção.
Já a série Sailor Moon, criada em 1991 por Naoko Takeushi, está impregnada de referências espirituais, e isso do princípio ao fim. Existem com certeza na franquia detalhes questionáveis, personagens problemáticos, mas o aspecto religioso existe e muito pronunciado, como em poucas séries. Há referências a Budismo e Xintoísmo e também ao Cristianismo, inclusive o Catolicismo. Vejamos:
Sailor Moon (Usagi Tsukino no original, conhecida como Serena (referência a Selene, ou “deusa da Lua” na mitologia greco-romana) na América), originalmente é a Princesa da Lua Branca, do Reino Lunar, conhecido como o Milênio de Prata da Lua — um reino místico que teria existido no satélite há dezenas de milhares de anos.
A Rainha da Lua, Serenity, veste-se de uma forma que faz lembrar Nossa Senhora (sem nenhum desrespeito, as metáforas cristãs são apenas metáforas: detalhes simbólicos). A Princesa Serenity não tem pai, nem mesmo nas cenas em que aparece como bebê (no mangá). Deduz-se que ela é fruto de concepção virginal, sinal profético de messianismo. Isto também é utilizado em “Star wars” para Anakin Skywalker, mas este será um messias que não deu certo.
Que Sailor Moon, como outros personagens de ficção, é uma espécie de messias, fica evidente em diversas ocasiões. Lembremos primeiro que a série atinge várias mídias: o mangá (quadrinhos) de Naoko, a série animada de tv dos anos 90, a série em ação viva dos anos 00 e a nova série animada dos anos 10, além das muitas óperas e alguns filmes de longa-metragem.
Na terceira fase da história Sailor Moon torna-se guardiã do Santo Graal, o famoso Cálice Sagrado (aparece nas histórias do Rei Arthur e segundo a lenda, seria o cálice utilizado por Cristo na Última Ceia). E nessa fase, no seriado dos anos 90, Sailor Moon é chamada claramente de messias.
Vale lembrar que o Castelo Lunar do extinto reino tinha a forma do Vaticano. E nele havia uma sala de orações.
Na era moderna, as sailors (com Sailor Moon atuam Sailor Mercúrio, Sailor Marte, Sailor Júpiter e Sailor Vênus) reúnem-se com frequência num templo xintoísta onde Rei Hino (Sailor Marte) é sacerdotisa.
Padres católicos aparecem em alguns episódios, bem como uma freira que é amiga de Rei Hino, em outro episódio Makoto Kino (Sailor Júpiter) treina meditação com um monge budista. Num episódio especial da série em imagem real Minako Aino, a Sailor Vênus, na noite de Natal, aparece deitada num terraço, escutando a canção natalina que fala na “criança divina”. Em outro capítulo Vênus e Marte, entrando numa igreja católica, ajoelham-se e rezam com grande respeito.
Nesta série, ao contrário por exemplo de Harry Potter, o nome de Deus é mencionado, ainda que poucas vezes. No final do mangá Usagi (Sailor Moon) casa-se com Mamoru Chiba (o Príncipe Endymion) na Igreja Católica, é vista inclusive uma imagem de Cristo Crucificado.
Na cena do seriado original, quando o Reino Lunar é destruído pela invasão terrestre comandada pela Rainha Beryl compactuada com o demônio Metalia, Serenity morre sobre duas colunas caidas uma sobre a outra, como uma cruz, e ela parece estar morrendo crucificada. Ela realmente consegue apesar de tudo prender os seres do Reino Escuro em um lacre que durará milênios. Ou seja, também aparecem demônios na história. Serenity aparece com asas de anjo, que Sailor Moon irá tambem adquirir em sua transformação, na última fase da saga.
Há o detalhe da reencarnação, que deve agradar aos espíritas kardecistas, mas essa doutrina existe em diversas crenças orientais. De fato, a Princesa da Lua reencarna nos tempos modernos, e também suas guardiães. E existe também ressurreição. No episódio 46 dos anos 90, Sailor Moon morre pela humanidade e ressuscita.
No mangá Chibiusa explica sobre o Cálice Sagrado, na Tóquio de Cristal, o reino futuro, lá pelo ano 3000. E explica Chibiusa que o objeto era utilizado para tomar “vinho sagrado e água sagrada”. Uma alusão ao vinho da Eucaristia, onde inclusive entra um pouco de água.
O Milênio de Prata, reino lunar, era uma espécie de bastião místico do sistema solar, contra a ação do mal. O “sagrado cristal de prata” utilizado pela Rainha Serenity e herdado por Sailor Moon, deve ser entendido como uma arma divina. E na batalha final contra o Fantasma da Morte, tal como é mostrada no mangá, Sailor Moon diz a Chibiusa para “orar”.
Detalhe importante é que a heroína não luta com golpes (nem força física ela tem) mas com o poder da luz, através do cristal de prata, do cetro lunar e da tiara lunar, armas místicas.
Faltam na história referências mais diretas que poderiam significar uma indicação de religião a seguir, e a saga não é de fato confessional. Tanto que são vistos detalhes de religiões diversas e até da mitologia greco-romana (Sailor Moon é uma estilização da deusa Diana, da Lua). Mas a palavra “milagre” é várias vezes utilizada e até próxima de seu significado teológico. A existência do Além é explícita. No seriado de imagem real, embora Usagi morra, no Céu ela tem permissão de voltar à Terra para se reunir às suas amigas, as demais sailors (a expressão ‘sailor-senshi”, que mistura termo inglês com japonês, quer dizer “marinheira-guerreira”). E no episódio 45 do seriado dos anos 90, as quatro sailors auxiliares morrem, mas seus espíritos vêm imediatamente estimular Sailor Moon e ajudá-la na batalha final contra a Rainha Beryl. Também as quatro sailors ressuscitam, no episódio 46.
É claro que nem de longe eu penso em sugerir uma religião “sailorista” como estão fazendo em relação ao “jedaísmo”; seria viajar na maionese, porque, como os jedis, as sailors também não existem. Mas é válido notar que em matéria de religiosidade poucas séries podem ser comparadas à de Sailor Moon, a Guerreira do Amor e da Justiça.
Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2018.
(da esquerda para a direita as sailors Júpiter, Mercúrio, Moon, Marte e Vênus)
( o Castelo Lunar, semelhante ao Vaticano)