OPOSTOS. 2 - ETIOLOGIA DA DEMOCRACIA.

Consulta popular. Sistema Suiço. Brasil.

A significação e viabilidade da democracia direta e indireta.

Atualmente, apenas a Suíça adota a democracia direta. Como na antiguidade, em Atenas, o povo se reúne em assembléia para deliberar sobre vários assuntos. Essa reunião assemblear denomina-se Landsgemeinde, decorrente do pacto de 1291 da Confederação Helvética, retificado em 1315. Não é possível, por ausência de praticidade, tal modelo para países continentais como o Brasil. Mas a consulta popular pode e deve ser mais valorizada no Brasil.

A forma pela qual os cidadãos participam das deliberações que ordenam politicamente as sociedades são originadas de três tipos de democracia, que podem ser classificadas em direta, indireta (ou representativa) e semi-direta (ou participativa).

Na democracia representativa, o povo participa indiretamente das decisões. Há delegação, cíclica e formal, organizada a coletividade por normas na escolha representativa do povo. Todavia, não se cuida de eleições fásicas, onde por meio do voto, indicam-se autoridades governamentais. A eleição define a preferência programática partidária.

Em 1998 estudou-se no Brasil a implantação da consulta popular em parte nos moldes suíços frustrando-se por absoluta impraticabilidade.

O termo democracia primeiramente nasceu da democracia direta, forma de governo em que os cidadãos tomam as decisões, diretamente, alcançando todos. Estamos diante da democracia pura, o povo se autogoverna, só foi exercida na antiguidade, Atenas e Roma, com enorme diferencial em ao que se exerce hodiernamente como democracia.

O inigualável Bobbio nos remete à característica principal da democracia representativa, participação dos cidadãos, direta ou indiretamente, nas deliberações que em diversos níveis (local, regional, nacional) e nos mais diversos setores (escola, empresa etc.) Interessam à coletividade, balizadas por seis regras fundamentais, a saber:

1. Todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade, sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo etc, devem gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de expressar por meio do voto a própria opinião e/ou de eleger quem se expresse por ele;

2. O voto de todos os cidadãos deve ter peso igual (isto é, deve valer por um);

3. Todos os cidadãos que gozam dos direitos políticos devem ser livres para votar, conforme opinião própria, formada o mais livremente possível, isto é, numa competição entre grupos políticos organizados que disputam entre si para agregar os anseios e transformá-los em deliberações coletivas;

4. Os cidadãos devem ser livres, também, no sentido de possuírem alternativas reais, isto é, de poderem escolher entre várias alternativas;

5. Seja por deliberações coletivas, seja por eleição de representantes, vale o princípio de maioria numérica, mesmo que possam se estabelecer diversas formas de maioria (relativa, absoluta, qualificada) em determinadas circunstâncias, previamente estabelecidas;

6. Nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, em particular o direito de tornar-se maioria em igualdade de condições.

O ideal de que democracia constrói legítima e amplamente melhor captação popular por meio de constantes consultas populares sobre assuntos políticos, o que seria desejável para democracia representativa, complementando-se, substituída pela democracia direta, não é recente, nem se restringe ao Brasil.

Em ensaio publicado sob o título de “O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo”, Norberto Bobbio discute as relações entre democracia representativa e democracia direta e ensina que Jean-Jacques Rousseau, ressaltava que a soberania não pode ser representada e, por esse motivo, o povo inglês acreditava ser livre, mas só o era durante a eleição dos membros do parlamento. Depois os eleitores voltavam a serem a mesma coisa que foram. Rousseau nominava-os como escravos, aditando que verdadeira democracia jamais existiu, nem existirá (no que estou em consenso), aglutinação de muitas condições impossíveis de serem reunidas.

A primeira delas seria um estado muito pequeno, fácil de reunir o povo, cada cidadão conhecendo todos os demais (caso dos cantões suíços, onde vigora o princípio da confiança); segundo uma grande simplicidade de costumes, afastando a multiplicação dos problemas e conflitos de interesses maiores. A tudo juntando-se igualdade de condições e fortunas, ainda segundo Rousseau, para quem, se existisse um povo de deuses, seria governado democraticamente.

Mas governo perfeito não é do molde dos humanos. Mostram as ideologias.

Bobbio refere que a democracia utópica de Rousseau pode se aplicar apenas em pequenos núcleos. Como a do modelo clássico por excelência, a Atenas dos séculos V e VI, quando poucos milhares de pessoas formavam a assembléia dos cidadãos e podiam se reunir no mesmo local para deliberações coletivas, as Ágoras.

Hoje, podemos encontrar situações similares nas comunidades locais (suiças), mesmo assim com ressalva em relação ao que se entende por democracia direta.

Esse primeiro passo político deu vez à organização da democracia representativa. Os bairros são governados não pela assembléia dos cidadãos, mas por seus representantes.

Bobbio sinaliza o referendo como único instituto de democracia direta de concreta aplicabilidade e de efetiva aplicação na maior parte dos estados de democracia avançada,o que deve ser entendido como um modo de consulta extraordinário para circunstâncias extraordinárias, o que impede a sua constante e inadvertida utilização, como no desarmamento no Brasil.

“Ninguém pode imaginar um estado capaz de ser governado através do contínuo apelo ao povo: levando-se em conta as leis promulgadas a cada ano, na Itália (o mesmo se diria para o Brasil), por exemplo, seria necessário uma convocação por dia. Salvo na hipótese, por ora de ficção científica, de que cada cidadão possa transmitir seu voto a um cérebro eletrônico sem sair de casa e apenas apertando um botão.” Bobbio.

Também no processo eleitoral, com a introdução do sistema eletrônico de votação, estamos dando passos importantes no sentido de facilitar a participação do cidadão em decisões, estabelecendo pré-condições para que, num futuro não muito distante, como aconteceu no desarmamento, ocorram mais consultas.

Tal entendimento que declino, em princípio, apóia-se no pressuposto de que todos os cidadãos estejam interessados numa participação constante nos assuntos públicos, o que não reflete a realidade política brasileira, onde a desinformação plena atinge a quem se esperaria estar mais informado. Há uma abrangente alienação de forma e conteúdo, fundo.

É preciso avaliar também, que o propósito não surge do nada, espontaneamente, antes é formulado por alguém, que decide também o que vai ser objeto de consulta, quando ela vai ocorrer e o que vai ser feito com o resultado. Para que essas decisões sejam tomadas, não se dispensam os representantes (projetos de lei), que estudam e discutem os assuntos, antes de submetê-los à consulta popular.

Assim, o processo de democratização, não consiste, como equivocadamente muitas vezes se diz, na passagem da democracia representativa para a democracia direta, mas na passagem da democracia política em sentido estrito para a democracia social. Observe-se bem seu alcance e difusão.

Essa metamorfose ocorre pela ampliação do poder ascendente, situado meridianamente no campo da grande sociedade política e de associações voluntárias, para o campo da sociedade civil nas suas várias organizações, da escola à fábrica, em que se processa a maior parte da vida dos membros de uma sociedade moderna.

Diferentemente do acontecido faz algum tempo, “se se quer apontar um índice do desenvolvimento democrático, este não pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de instâncias (diversas daquelas políticas) nas quais se exerce o direito de voto; sintética, mas eficazmente: para dar um juízo sobre o estado da democratização num dado país o critério não deve mais ser o de ‘quem’ vota, mas o do ‘onde’ se vota (e fique claro que aqui entendo o ‘votar’ como o ato típico e mais comum de participar, mas não pretendo de forma alguma limitar a participação ao voto).” (Bobbio, op. Cit., P. 56)

“A democracia dos modernos é o estado no qual a luta contra o abuso do poder é travada paralelamente em dois fronts – contra o poder que parte do alto em nome do poder que vem de baixo, e contra o poder concentrado em nome do poder distribuído. E não é difícil explicar quais são as razões objetivas que tornam necessário este ataque a partir de duas frentes. Onde a democracia direta é possível, o estado pode muito bem ser governado por um único centro de poder, por exemplo, a assembléia dos cidadãos. Onde a democracia direta, em decorrência da vastidão do território, do número de habitantes e da multiplicidade dos problemas que devem ser resolvidos, não é possível e deve-se então recorrer à democracia representativa, a garantia contra o abuso do poder não pode nascer apenas do controle a partir de baixo, que é indireto, mas deve também poder contar com o controle recíproco entre os grupos que representam interesses diversos, os quais se exprimem por sua vez através de diversos movimentos políticos que lutam entre si pela conquista temporária e pacífica do poder.”(idem, P. 61)

“Tudo está, portanto, em conexão: refazendo o percurso em sentido contrário, a liberdade de dissentir tem necessidade de uma sociedade pluralista, uma sociedade pluralista consente uma maior distribuição do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a democratização da sociedade civil e, enfim, a democratização da sociedade civil alarga e integra a democracia política. Creio, assim, ter indicado, embora com as imprecisões e insuficiências de que estou perfeitamente consciente, a estrada capaz de conduzir ao alargamento da democracia sem desembocar necessariamente na democracia direta. Pessoalmente, estou convencido de que a estrada é justa, embora repleta de perigos. Porém, estou também convencido de que a atitude do bom democrático é a de não se iludir sobre o melhor e a de não se resignar com o pior.”(idem, P.64)

Suíça e só ela, adota a democracia direta. Como na antiguidade, o povo se reúne em assembléia para deliberar sobre vários assuntos, como a votação de leis, a designação de funcionários e a eleição de deputados.

O sistema de democracia direta praticado na Suíça delega aos seus nacionais três formas de participarem da politização nacional.Têm o direito de propor uma revisão da Constituição (iniciativa popular), podem demandar o referendo facultativo e podem participar do referendo obrigatório. O referendo pode assumir a forma de iniciativa popular ou de veto popular.

Não há dúvida que é possível ampliar consultas populares, aliás estão previstas na Constituição Brasileira dentro dos seus limites que não são poucos, a ponto de pela soberania ser possível mudar a forma de governo, mas praticar a democracia direta no Brasil, a exemplo da Suíça é impossível, mostram os doutíssimos da envergadura de um Norberto Bobbio.

Celso Felicio Panza

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 31/10/2018
Reeditado em 31/10/2018
Código do texto: T6490782
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.